A recente decisão da Irlanda em anunciar que, após o termo do seu atual programa de ajustamento (vulgo, resgate europeu) não carecerá de nenhum programa cautelar ou de apoio para fazer face aos encargos da sua dívida pública, estando pronta a ir aos mercados financeiros captar os montantes necessários ao seu financiamento e a um preço sustentável, a par da recente interrupção das negociações entre a troika e a Grécia no quadro das avaliações regulares do segundo resgate, numa altura em que há fontes que dão por segura a necessidade de Atenas recorrer a um terceiro resgate internacional, atiraram Portugal para um verdadeiro limbo de indefinição.
A escasso meio ano do termo do programa de ajustamento, com evidentes sinais contraditórios fornecidos pelos principais indicadores económicos, persiste a dúvida sobre o nosso futuro pós-troika. A governança de turno esforça-se – semanticamente e preparando-se para aumentar uma carga de austeridade que já foi considerada “brutal” por quem acabou por reconhecer haver falhado as suas metas e as suas políticas – por evitar, a todo o custo, a repetição de um resgate financeiro – que, certamente, seria muito mais gravoso, muito mais doloroso, muito mais exigente. Este, o eventual segundo resgate, traria mais um envelope financeiro mas não deixaria de significar profundo revés político. Sobretudo para quem perfilhou o memorando de entendimento, que outros negociaram e assinaram, para o transformar numa verdadeira agenda política própria. Própria e escassa. Tão escassa que urgia ir para além dele e do que ele previa. Mesmo que não existissem quaisquer estudos que avaliassem o verdadeiro impacto das medidas adoptadas – no plano financeiro, no plano económico, no plano social. Até no plano político.
A seis meses do fim do programa original, de ter sido ultrapassado o próprio programa por o mesmo se ter volvido em agenda governativa plenamente assumida e ideologicamente enquadrada, os resultados visíveis são escassos e contraditórios. Tão escassos e tão contraditórios que o fantasma do segundo resgate não pode ser dado por afastado com segurança; que o regresso desprotegido aos mercados sem um programa de apoio ou uma rede de emergência apenas é admitido como simples hipótese académica ou puramente teórica; e que, no melhor dos cenários possíveis e por mera exclusão de partes, resta ou sobra considerar e admitir a possibilidade de o país vir a ter necessidade de celebrar um programa cautelar relativamente ao qual quase tudo se desconhece por, usando as palavras do Ministro Marques Guedes, a decisão irlandesa nos haver retirado todos os pontos de referência que poderiam existir em matéria de estruturação desse mesmo programa.
Correndo contra o tempo e contra as circunstâncias, dependendo altamente de uma conjuntura europeia nada propícia e em que as medidas que se recomendariam parecem verdadeiras quimeras inatingíveis e inalcançáveis, tendo contra si resultados contraditórios bem distantes dos que seria suposto reunir nesta altura da execução do memorando assinado em 2011 – tão distantes que acabaram por surpreender os próprios técnicos que o elaboraram, tanto da parte nacional quanto do lado dos credores internacionais, como já foi publicamente reconhecido por todas as partes, e pese embora, repete-se, se ter ido para além desse mesmo memorando – com um clima de crispação política que praticamente inviabiliza todos os consensos que a mais elementar prudência recomendaria que se estabelecessem e, sobretudo, tendo de lidar com um até agora desconhecido aumento da tensão social, é neste quadro de absoluta indefinição e total incerteza que se vai traçar e desenhar o futuro nacional para as próximas décadas. Em linguagem marítima, navegando à vista. Com escasso ou nenhum controle sobre as imensas variáveis que determinarão parte significativa desse mesmo futuro do Estado e da Nação.
É por isso que, mais do que nunca, impõe-se prestar atenção ao enquadramento nacional na Europa da União, cuidar dessa inserção mas, também e sobretudo, ter uma actuação pró-activa nesse mesmo quadro europeu. Abandonar os seguidismos cegos que têm ocorrido e procurar tecer teias de cumplicidades políticas, fomentar alianças e relacionamentos preferenciais e estratégicos com os parceiros europeus que mais se assemelhem da nossa situação e possuam interesses não muito divergentes – numa palavra: demonstrar que a um estado de menoridade ou dependência económica não tem, necessariamente, de corresponder um estatuto de menoridade política, de subserviência nacional, de soberania eliminada.
Esse é, claramente, o desafio que temos por diante. Da forma como, enquanto país e Nação, soubermos dar resposta a esse desafio irá depender a maneira como conseguiremos ultrapassar a situação de limbo e de indefinição em que nos encontramos. Por isso o ano de 2014, que se aproxima a passos largos, se afigura determinante – porque será o ano em que, num escassíssimo período de tempo, ocorrerão três acontecimentos de importância vital para o nosso pais: terminará o programa de ajustamento em curso, saberemos o que lhe irá suceder e teremos eleições para o Parlamento Europeu que, pela primeira vez, serão acompanhadas de uma escolha, ainda que indireta, do próximo Presidente da Comissão Europeia que irá suceder a Durão Barroso. Tudo isto se passará em menos de dois meses, lá para meados do ano. Serão decisões de tal magnitude que é impossível que delas a comunidade nacional se possa alhear. Impõe-se e urge abrir o debate e não deixarmos que, em nenhum desses acontecimentos, sejam outros a decidir por nós. Porque é do nosso futuro que se trata. Enquanto povo, enquanto Estado, enquanto Nação. Para sairmos do limbo da indefinição.