Nem muitos se terão apercebido mas é inequívoco que se trava, por estes dias, uma verdadeira “guerra diplomática”, surda mas implacável, entre a União Europeia e a Rússia – cuja postura, em declaração inédita pela contundência dos termos utilizados, foi expressamente criticada e condenada tanto pelo Presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, como pelo Presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy. A cidade de Vilnius foi o mais recente campo de batalha desse conflito que recorda os tempos característicos da guerra-fria que moldou o mundo no pós-segunda guerra mundial, naqueles cinquenta anos que duraram até à queda do Muro de Berlim, à implosão da União Soviética e ao início do processo de alargamento quer da Aliança Atlântica quer da União Europeia. A Ucrânia, foi o pretexto próximo desta escalada “bélica” – com a Rússia e a União Europeia a tentarem puxar a Ucrânia para as respectivas esferas de influência. Bruxelas pressionando Kiev a assinar o acordo da “Parceria Oriental” – marco fundamental da presidência rotativa e semestral da Lituânia – que reforçará a ligação da Europa da União aos Estados do extremo oriental da Europa (Moldávia, Geórgia e Azerbaijão), provenientes do desmembramento da ex-União Soviética e que Kiev se recusou a assinar para não prejudicar as suas relações comerciais com Moscovo. Putin, por seu lado, esforçando-se para que o Presidente Ianukovitch não ceda, a troco, se preciso for, do apoio à sua reeleição ou mesmo duma diminuição do preço do gás soviético, vital para a sobrevivência e subsistência da precária economia ucraniana, que o paga a um preço exorbitante. Ou seja, implícita mas irrefutavelmente, temos de volta duas realidades que durante muito tempo alguns deram por encerradas: a ambição russa em expandir o seu poder pelos territórios circundantes e o regresso do conceito de “esferas de influência” que simbolizou, no passado, a divisão do mundo entre dois blocos estratégicos antagónicos e rivais.
Acontece que, neste verdadeiro braço-de-ferro diplomático que tem estado a ser travado, há um outro actor, que se arrisca a ser o protagonista principal desta história, e, inclusivamente, a determinar para que lado se inclinarão os pratos da balança – os ucranianos. Ucranianos que, muito inspirados na figura, na palavra e no exemplo da ex-primeira-ministra, Iulia Timochenko – doente e a cumprir pena de sete anos de prisão por crimes alegadamente cometidos no exercício do seu mandato mas que sempre suscitaram as maiores dúvidas à comunidade internacional pela falta de garantias de que o seu julgamento se revestiu – se têm manifestado, às dezenas de milhar, nas ruas de Kiev e de outras cidades ucranianas, enfrentando as próprias forças policiais, pronunciando-se a favor da aproximação da Ucrânia à Europa e, em especial, à Europa da União. Manifestando-se a favor da aproximação à União Europeia com a mesma contundência com que recusam e rejeitam qualquer regresso à órbita de Moscovo. Ou seja – é num país terceiro, exterior à própria União Europeia, que neste momento se realizam manifestações e mobilizam os cidadãos em prol dessa mesma União Europeia. Coisa que, seguramente, seria praticamente impossível de acontecer, nos dias que passam, em qualquer um dos 28 Estados que compõem a União.