As eleições para o Parlamento Europeu de 2014 ficarão marcadas por um facto novo, não verificado em nenhum ato eleitoral anteriormente efectuado para a eurocâmara (1979, 1984, 1989, 1994, 1999, 2004 e 2009) – os principais partidos políticos euro­peus, na decorrência do Tratado de Lisboa, comprometeram-se a apresentar, previa­mente ao ato eleitoral, a personalidade que proporão para o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Este, nos termos dos Tratados, deverá ser eleito pelo Parlamento Europeu sob proposta do Conselho Europeu. Subjacente a estes dois momentos (a proposta do Conselho Europeu e a eleição pelo Parlamento Europeu) deverão estar, porém, os resultados das eleições para o Parlamento Europeu. Saúda-se, por isso, a inovação do prévio conhecimento da personalidade que cada partido político europeu tenciona apoiar para o cargo de Presidente da Comissão Europeia, sucedendo a Durão Barroso.
Fruto dessa decisão e deste compromisso, sabemos já que o grego Alexis Tsipras, líder do Syriza, foi designado candidato do Partido da Esquerda Europeia (PEE) à pre­sidência da Comissão Europeia durante o 4º Congresso do Partido realizado em Madrid; que o grupo político dos Socialistas e Democratas escolheu o atual Presidente do Parlamento Eu­ropeu, o alemão Martin Schulz, como o seu candidato ao mesmo cargo; que os libe­rais europeus escolherão entre o atual comissário europeu dos Assuntos Económicos, Olli Rehn, e Guy Verhofstadt, atual líder do Partido e antigo primeiro-ministro belga; e que o Partido Popular Europeu (PPE), atual força maioritária no Parlamento Europeu, escolherá no seu próximo Congresso, em Março próximo, o seu candidato de uma lista onde aparecem os atuais chefes de governo da Polónia, Donald Tusk, da Finlândia, Jyrki Ka­tainen, e da Irlanda, Enda Kenny, o antigo Presidente do Eurogrupo e ex-pri­meiro-mi­nistro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, o atual comissário europeu do Mercado In­terno, o francês Michel Barnier, e o antigo primeiro-ministro letão Valdis Dombrovskis, não se devendo dar por adquirido que Durão Barroso já tenha arrumado a ideia de um terceiro mandato à frente da Comissão Europeia, sucedendo a si próprio.
Assim, as próximas eleições para o Parlamento Europeu não se limitarão a servir para escolher apenas os eurodeputados que cada país elegerá para a eurocâmara. Servirão, também, ainda que indireta e mediatamente, para escolher a personalidade que pre­sidirá à Co­missão Europeia que iniciará o seu mandato em Novembro de 2014.
Decerto: pese embora a evolução registada, continuamos longe do cenário que melhor serviria o projeto europeu com todas as vicissitudes por que o mesmo passa no mo­mento presente. Esse cenário exigiria, seguramente, um reforço do poder e das com­petências da Comissão Europeia, verdadeiro motor da integração europeia e autêntica guardiã dos tratados, uma valorização do pilar comunitário da União em detrimento da sua componente intergovernamental – e tudo isso deveria passar por uma profunda reforma institucional da União que contemplasse, designadamente, a eleição direta e por sufrágio universal do próprio Presidente da Comissão Europeia. Eleição que decor­resse em simultâneo com a eleição do Parlamento Europeu. E eleição que, conferindo legitimidade democrática direta ao líder do executivo comunitário, não deixaria ver essa legitimidade estendida ao próprio órgão a que este preside. Num cenário desses, a Co­missão Europeia aparece­ria relegitimada na sua própria democraticidade, os cida­dãos europeus seriam chama­dos a uma participação acrescida no próprio projeto eu­ropeu e a democracia ao nível supranacional sairia claramente reforçada.
Não podemos esquecer, claro, que uma tal evolução passaria, necessariamente, por uma reforma dos Tratados atualmente em vigor. Angela Merkel – pese embora tenha sido a verdadeira autora material do Tratado de Lisboa vigente, preparado na presi­dência alemã de 2007, dando apenas a possibilidade a José Sócrates de o encerrar e fi­car com os respectivos louros e a fotografia da praxe – já por diversas vezes tem sus­tentado a necessidade de uma revisão dos Tratados tal qual os mesmos se apresen­tam. Não haja, porém, nessa matéria, quaisquer dúvidas – não é duma “revisão alemã” dos Tratados que a União mais precisa. Uma revisão saída ou inspirada pela chancela­ria de Berlim equivaleria, seguramente, a uma reforma que afirmaria a via intergover­namental europeia, que afirmaria a supremacia do poder dos Estados-membros sobre o poder das instituições comunitárias, que tenderia a fortalecer o papel e a atuação do Conselho e do Conselho Europeu em desfavor do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, que criaria as condições para a afirmação do diretório europeu onde se afirma e privilegia o poder dos grandes Estados sobre os restantes (como ainda se viu, há poucos dias, com as linhas gerais da reforma do mecanismo de liquidação dos ban­cos, pedra angular da muito desejada mas pouco conseguida união bancária). A revisão dos Tratados que melhor servirá a União e o projeto que lhe está subjacente deverá apontar no sentido contrário, reforçando as instituições comunitárias, apostando na sua legitimação democrática, e aprofundar a dimensão supranacional da União.
Essa seria, em nossa opinião, a reforma que deveria ser encetada. Em nome do ideal europeu e do que resta do projeto dos pais fundadores que souberam mobilizar e ca­talizar vontades para edificar o maior projeto de paz e prosperidade que a Europa co­nheceu em toda a sua secular história.
Post-scriptum: para todos os leitores que semanalmente leem esta coluna, predomi­nantemente consagrada às questões que fazem a atualidade europeia, votos de um excelente ano de 2014!