Foi entregue há dias mais um Prémio Europeu Carlos V – um dos mais importantes e relevantes de âmbito europeu, instituído pela Fundação Academia Europeia de Yuste, para galardoar o labor de todos aqueles que, com o seu esforço e dedicação, tenham contribuído para o conhecimento geral e o engrandecimento dos valores culturais, ci­entíficos e históricos da Europeia, bem como o processo de unificação da Comunidade Europeia. A cerimónia de entrega deste galardão – que honra a memória de um dos monarcas-imperadores europeus que exerceu maior poder sobre uma das mais exten­sas áreas europeias de que há memória – costuma ocorrer no Real Mosteiro de Yuste, bem na raia luso-espanhola, perto da cidade de Cáceres, precisamente no local onde o Imperador Carlos V se refugiou, e viria a morrer, depois de ter abdicado da coroa es­panhola para o filho Felipe II e do Sacro Império Germânico para o seu irmão Fer­nando. Ao longo da história do prémio, contam-se galardoados de excelência, exceção e de mé­ritos firmados em prol do ideal europeu: Jacques Delors, Wilfried Martens, Fe­lipe Gonzalez, Mikail Gorbachov, Jorge Sam­paio, Helmut Kohl, Simone Veil e Javier So­lana.
Desta feita o escolhido foi José Manuel Durão Barroso, fundamentando-se a outorga do galardão, no dizer da distinta Academia Europeia, “pela sua trajetória e o seu com­promisso na política de unificação euro­peia, o seu trabalho a favor da participação ci­dadã no processo de integração europeia e o seu compromisso de aproximar a Europa dos seus cidadãos, buscando sempre o in­teresse comum por cima dos interesses indivi­duais”. A cerimónia, presidida pelo Prín­cipe das Astúrias, foi testemunhada pelos chefes de governo de Portugal e de Espa­nha, Pedro Passos Coelho e Mariano Rajoy.
Indo para lá dos aspectos contingentes, históricos e meramente formais a registar, o mais relevante a reter do prémio agora entregue estará, provavelmente, nas palavras que a ocasião permitiu ao galardoado pronunciar. Quem teve oportunidade de seguir e meditar sobre a intervenção proferida por Durão Barroso, sob o peso histórico do Mosteiro de Yuste, cedo teve plena consciência que não íamos assistir a um discurso meramente protocolar ou de agradecimento formal pela distinção conferida. Delibe­radamente, Durão Barroso quis ir mais longe e quis ir mais além – mais além, até, do que a circunstância podia exigir ou recomendar.
Perpassou por todo o discurso do ainda Presidente da Comissão Europeia uma clara in­tenção de aproveitar a oportunidade para realizar um balanço – diria que um primeiro último balanço – do que foram os seus dois mandatos à frente da Comissão Europeia, com particular ênfase colocado tanto nas dificuldades que se depararam no segundo mandato como, sobre­tudo, nas medidas e rumos adotados para enfrentar a crise que, de conjuntural, em determinado momento, amea­çou tornar-se estrutural e propagar-se a toda a União Europeia. E, dentro desta crise e de forma particular, a impropria­mente chamada “crise do euro”. Por toda a orientação que esteve subjacente ao dis­curso proferido por Durão Barroso, conseguiu-se perceber que o ainda Presidente da Comis­são Europeia já terá dado por adquirido que os seus dias à frente do executivo comuni­tário terminarão, definitivamente, a 1 de Novembro deste ano. E que o vaga e espaçadamente demons­trado interesse na renovação do mandato em curso, já será ideia totalmente abandonada e posta de lado pelo ainda Presidente da Comissão Eu­ropeia. Sem risco de muito erro, cremos que este discurso de Durão Barroso – este verdadeiro “discurso da abdicação” – equivale à primeira manifestação pública dessa consciência e à primeira assunção expressa da mesma. As movimentações que já se travam no quadro do próprio Partido Popular Europeu, com a proliferação de putati­vos candidatos à sucessão de Durão Barroso, parecem indiciar que a escolha dos po­pulares europeus – que tem sido sucessivamente adiada e protelada – não recairá no Presidente em exercício. Jean-Claude Junker, o antigo Primeiro-Ministro e Ministro das Finanças do Luxemburgo, decano dos líderes europeus, prefigura-se como o mais bem colocado e o mais bem posicionado para ser apresentado como o candidato do Partido à incumbência. E, a assim ser, teremos em Maio deste ano umas eleições para o Par­lamento Europeu que terá subjacente – indireta e mediatamente – uma escolha para Presidente da Comissão Europeia a travar-se entre o luxemburguês Jean-Claude Junker e o alemão Martin Schulz. A opção não se afigurará – salvo melhor opinião – difícil de ser tomada….
Durão Barroso, por seu lado, sugere já ter compreendido e alcançado plenamente o que está em causa e o que se avizinha. Ele e quem o rodeia. Não por acaso ou por co­incidência – para quem acreditar que existem coincidências na política…. – escassos dias após pronunciar o primeiro dos seus últimos discursos, é divulgada na política doméstica uma moção de estratégia partidária que a generalidade dos comentadores viu como destinando-se a afastar alguns da corrida a Belém e, ao mesmo tempo, cons­tituir uma passadeira vermelha estendida ao atual Presidente da Comissão Europeia para corporizar uma candidatura presidencial. Se Bruxelas serviu de exílio dourado às responsabilidades governativas em seu tempo conferidas pelo eleitorado, Belém pode ser sempre a retaguarda de recuo do dito exílio. Nesse contexto, tanto o discurso como a moção apresentam uma sintonia que é impossível não saltar à vista de qual­quer observador. Mesmo dos menos atreitos às teses conspirativas ou aos processos de intenções….
Para já, centremo-nos na sucessão em Bruxelas. É esse o tema que estará em cima da mesa nos tempos mais próximos e sobre ele talvez fosse prudente não haver distra­ções. Porque para Portugal não será indiferente o próximo presidente da Comissão Eu­ropeia ser Jean-Claude Junker ou Martin Schulz.