O debate que urge ser realizado e não pode nem deve passar ao lado das próximas eleições para o Parlamento Europeu, é um debate de âmbito político e natureza europeia. É necessário compreender que no próximo dia 25 de maio não se realizarão 28 eleições nacionais para o Parlamento Europeu mas, pelo contrário, ocorrerá uma única eleição que se desenvolverá nos 28 Estados-Membros da União Europeia.
Parecendo ser a mesma coisa são, todavia, coisas substancialmente diferentes!
A principal consequência a retirar desta definição prende-se, inquestionavelmente, com o objectivo do próprio ato eleitoral. Ao contrário do que alguns se têm empenhado em propalar – inclusivamente muitos que têm acrescidas responsabilidades em evitar o equívoco – o ato eleitoral para o Parlamento Europeu não tem, nem pode ter, por finalidade emitir um qualquer juízo de valor, no plano político, sobre os governos de turno de cada um dos Estados da União. Apelar para que se aproveitem as eleições para o Parlamento Europeu para censurar ou mostrar cartões aos governos nacionais, não significa cometer um erro. Significa cometer dois erros, qual deles o mais grave.
O primeiro, consiste em perverter por completo o sentido e a finalidade das referidas eleições europeias. Os governos nacionais, todos eles e em todos os Estados da União, devem ser julgados no momento adequado e esse é, obviamente, o momento de realização de eleições legislativas. Não é, nem pode ser – sob pena de estarmos a desvirtuar o próprio sistema – o momento de realização de quaisquer outros atos eleitorais e, nomeadamente, o ato eleitoral para a Assembleia de Estrasburgo. Os governos julgam-se e avaliam-se em eleições legislativas.
O segundo erro em que tal visão nos poderá fazer incorrer tem a ver com o facto de, tal entendimento, equivaler a desperdiçar mais uma oportunidade soberana para se efetuar um debate sério e aprofundado sobre a Europa e os caminhos que esta pode vir a trilhar. E, se se desperdiçarem estas oportunidades que não abundam, reconheçamo-lo, fenece em absoluto qualquer legitimidade para se criticar a falta de debate europeu e a falta de uma discussão séria e aprofundada sobre as questões europeias. Não existe momento mais nobre e mais sério, e também mais adequado, para uma discussão e um debate sério sobre a Europa do que aquele que antecede a realização de um ato eleitoral para o Parlamento Europeu. É, por excelência, o tempo de discutir a Europa: as diferentes visões que possam existir, os diferentes modelos que se apresentem, os projectos alternativos que se estruturem. Perder a oportunidade ou desperdiçar o momento significa, por isso, errar duas vezes.
A estes factores acresce um outro, de natureza conjuntural, que contribui para conferir uma maior importância e um maior relevo às próximas eleições europeias: é a primeira vez que as mesmas se realizam em 28 Estados europeus; é o acto eleitoral que, potencialmente, mais cidadãos europeus poderá chamar às urnas. Nunca foram tantos os Estados onde se realizarão as próximas eleições europeias; nunca foram tantos os europeus com capacidade eleitoral activa para exercerem o respectivo direito de voto.
E tudo se passa num momento em que, subliminarmente, se ratificará uma evolução da União Europeia que nunca foi sufragada pelo voto popular mas que é absolutamente irrefutável e, quiçá, irreversível. Esta UE que verá a sua instância parlamentar ser renovada já tem muito pouco ou quase nada a ver com a sua antecessora – as Comunidades Europeias geradas no imediato pós-guerra. Se estas, produto da guerra-fria, se configuravam como uma organização de âmbito subregional, representando “metade de meia Europa”, da Europa dita Ocidental, mas de cariz eminentemente económico e assente numa visão humanista e personalista do fenómeno político que as gerou, a União Europeia dos nossos dias, pelo contrário, é basicamente um produto do mundo globalizado e da contemporaneidade, o grande espaço por excelência de âmbito continental, que ambiciona representar a totalidade do Velho Continente, revestindo uma natureza tendencialmente paneuropeia.
Ora, em cima da mesa do debate político europeu que antecederá o próximo ato eleitoral para o Parlamento de Estrasburgo não poderão deixar de estar os desígnios que esta nova União Europeia terá de assumir nos tempos mais próximos – na sua dimensão interna mas, também, na sua dimensão externa. Ambos os desafios são absolutamente incontornáveis e o debate sobre ambos não pode deixar de ser travado. Descentrar a atenção desses desígnios é um risco demasiado que não pode nem deve ser repetido. Significará, seguramente, contribuir para tornar esta nossa Europa cada vez mais irrelevante neste mundo de grande espaços, globalizado e cada vez mais pequeno.
É um pouco de tudo isto que se curará quando chegar o momento de formular um juízo e uma opção de voto nas eleições europeias. Confundir ou misturar estes objectivos e estas questões com assuntos de política doméstica e caseira não parece a opção mais sábia nem a escolha mais acertada. E se todos nós, europeus, beneficiamos duma cidadania comum que nos foi atribuída como factor integrador e que tem no exercício do poder de voto para o Parlamento Europeu uma das suas mais relevantes expressões políticas, é-nos exigido, no mínimo, o bom uso desse direito. É a forma que temos de contribuir para a construção, no plano supranacional, dum futuro que a todos diz cada vez mais respeito.