Pela primeira vez desde 1996 – há 18 anos, portanto – que um Presidente da República francesa não se deslocava em visita de Estado a Washington. O último a fazê-lo foi o ex-Presidente Jacques Chirac. Ocupava, então, a Casa Branca, Bill Clinton. Mais tarde, em 2007, Nicolas Sarkozy foi recebido por George W. Bush – mas o encontro não teve a dignidade de visita de Estado. Desta vez, na passada semana, Barack Obama conferiu a distinção a um François Hollande em acentuado estado de debilidade política que, eleito há quase dois anos em nome de um programa político muito assertivo e definido, enveredou nos tempos mais recentes por uma completa inversão das suas prioridades, dos seus objectivos e, até, dos seus princípios, admitindo que os mesmos falharam em toda a linha e que havia que emendar o caminho se pretendia salvar o que restava do seu único mandato, atenta a improbabilidade de o mesmo ser repetido. Não deixa de ser sintomático que a visita se tenha realizado neste momento – quando o supremo magistrado francês se viu obrigado a revisitar os aspetos fundamentais da sua política, a repensar a sua postura no quadro da União Europeia e, parece, a relançar e renovar a relação transatlântica da qual, por herança e legado gaulista, a França sempre se habituou a desconfiar. Num absoluto paradoxo, diga-se, se considerarmos que a França é, provavelmente, o mais velho aliado dos Estados Unidos, datando essa aproximação, ainda, da época em que os EUA não tinham acedido à independência e mais não eram do que um somatório de territórios e colónias britânicas mas, também, francesas.
Culminando a referida visita de Estado, Barack Obama e François Hollande assinaram um texto conjunto publicado no The Washington Post e no Le Monde, que levou o sugestivo título “França e Estados Unidos, desfrutando de uma aliança renovada”. No puro plano dos princípios apetece dizer que era impossível escolher momento mais adequado do que este para assinar um texto tão cheio de boas intenções e tão afirmativo em relação à renovação da aliança transatlântica entre os EUA e não a França em particular mas, no momento presente, a própria União Europeia no seu todo. Resta saber – e isso só o tempo permitirá saber – se os princípios acordados e as bases de renovada colaboração entre os dois lados do Atlântico norte serão para levar a sério e ter alguma concretização prática ou se, pelo contrário, serão remetidos para o baú das declarações piedosas, cheias de boas vontades mas absolutamente desprovidas de qualquer conteúdo prático.
Por outro lado, e por paradoxal que também possa parecer, François Hollande será, talvez, no momento que passa, quem se encontra em melhor posição para relançar o diálogo e refazer as pontes entre as duas margens do oceano. A sua debilidade política interna pode constituir estímulo suficiente para se empenhar em reconstruir pontes que muitos – entre os quais alguns dos seus antecessores no cargo – se entretiveram a desfazer e a destruir. É, como soe dizer-se, uma janela de oportunidade que Hollande, se não se distrair com outras questões domésticas, poderá aproveitar. Até porque, do lado europeu, não abunda quem queira ou possa corporizar o renascimento dessa ponte.
Merkel lidera a maior economia europeia – mas, talvez por isso mesmo, encontra-se mais preocupada em reforçar e expandir a sua influência na União Europeia do que, propriamente, empenhada em estreitar os laços da União com o aliado norte-americano.
Cameron, que poderia rivalizar ou disputar a missão com Hollande – e em certa medida até poderia desfrutar de algumas vantagens comparativas relativamente ao ocupante do Eliseu – tergiversa na sua postura europeia, profundamente manietado por uma ala assumidamente eurocética do seu partido, oscilando entre o anúncio de um referendo em 2017 sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia e o recurso ao orçamento de Bruxelas para solicitar apoio financeiro que lhe permita fazer face às agruras da natureza que tanto tem castigado e fustigado o seu país – inaugurando uma postura política que, por simplicidade de linguagem, já defini e qualifiquei como “fora quando convém, dentro quando precisa”.
Não abundam, assim, as alternativas e as hipóteses para dar corpo ao renascimento da relação transatlântica. E, sobretudo, para a Europa da União, essa relação afigura-se como absolutamente fundamental e decisiva. Mais do que para os próprios Estados Unidos. Estes têm sempre o caminho do Pacífico como destino natural e alternativo à sua vocação atlântica. A Europa da União é que não tem alternativa à sua aliança com os EUA. Na sua retaguarda depara com uma renascida ambição territorial protagonizada por uma Rússia renovada nos seus desejos de alastrar a sua influência pelo continente europeu e por um novo “cordão sanitário” que, lentamente, se começa a desenhar. Resta-lhe, por exclusão de partes mas também por cumprimento e respeito por um indeclinável desígnio histórico, recuperar e reconstruir a velha aliança transatlântica com o aliado norte americano – afinal, as duas faces dum Ocidente profundamente em crise e desnorte, a viver o seu Outono sem bússola para parafrasearmos Adriano Moreira, do qual só poderá sair se, desde logo e como condição sine qua non, as suas principais partes componentes e integrantes se entenderem e se congregarem.
Hollande, se tiver juízo, poderá a vir a ter, aqui, a sua oportunidade. E não conviria desperdiçá-la porque poderá não ter muitas mais. A mesma água do rio não costuma passar duas vezes debaixo da mesma ponte.