1. Durante semanas a fio, comentadores, observadores e simples curiosos teceram as mais diversas considerações sobre as eleições gerais no Reino Unido, que ocorre­ram na pas­sada quinta-feira, condicionados por um facto absolutamente incontorná­vel: todas, re­pito, todas as sondagens apontavam para resultados muito pró­ximos entre conservado­res e trabalhistas, não raro para um empate técnico en­tre ambos posto que, a diferença entre ambos os partidos cabia nas margens de erro das referidas sonda­gens. Nós próprios, nestas mesmas páginas, há uma semana, o fizemos e demos eco à “informação” que nos ia chegando. O panorama prolongou-se, inclusivamente, para as proje­ções efectuadas à boca das urnas que estiveram na origem das primeiras previ­sões apresentadas por to­dos os canais televisivos. Contados os votos, porém, eis a surpresa e a estupefação ge­ral: não só os conservadores ganhavam as elei­ções como, inclusivamente, reforçavam a sua posição, conquistavam mais assentos par­lamentares e logravam alcançar uma maio­ria absoluta em Westmister, coisa que não sucedia desde os tempos de John Ma­jor. Em contrapartida e ao arrepio do que diziam as ditas sondagens, os trabalhistas sofriam um desaire eleitoral sem paralelo nos tempos recentes, os liberais-democratas foram quase varridos do mapa eleito­ral e os dois “outsiders” conheciam sortes diferentes: o UKIP de Farage conquis­tava mais de quatro milhões (!) de votos mas um (!) único assento parla­mentar – coisas dum sistema eleitoral feito para criar maiorias absolutas e favorecer o bipartidarismo – e o SNP, inde­pendentistas escoceses, faziam quase o pleno na Escócia, elimi­nando aí a expres­são eleitoral trabalhista. Foi, pois, nessa medida, uma noite eleito­ral longa mas de “suspense” e estupefação. Manda a verdade dizer, todavia, que as sonda­gens falharam mais na distribuição dos mandatos do que na percentagem dos vo­tos obtidos por cada partido. Mas nem por isso deixaram de errar clamorosamente nem isso serve de atenuação para o erro e a descredibilização das mesmas.
2. Os resultados conhecidos vão, porém, no imediato, permitir a formação de um governo maio­ritá­rio conservador. Curiosamente, e apesar de ter tido necessidade de aplicar me­di­das de austeridade, Cameron aplicou a receita que acreditou ser a que melhor ser­via aos súbditos de Sua Majestade e não a que lhe era ditada do exterior, pelo Euro­grupo, pela Comissão Europeia, pelo Banco Central Europeu ou pelo próprio Fundo Monetário In­ternacional. Logrou alcançar um crescimento económico de 2,4% em 2014, uma taxa de desemprego próxima do pleno emprego e um défice orça­mental na casa dos 5,5% (quem disse que os défices orçamentais não podem ser virtuosos?). Colheu os frutos da sua política vendo a mesma ser eleitoralmente recompensada e reconhecida pelo voto popular.
Vai ter, agora, pela frente, de lidar com dois problemas que em muito vão transcen­der a mera política interna britânica: o renascimento da questão escocesa po­tenciada pela ascensão eleitoral do SNP e a questão do referendo sobre a permanên­cia do Reino Unido na União Europeia, prometido para 2017. Neste plano, do relacionamento do Reino com a Europa da União, o resultado eleitoral conhe­cido em Londres constitui, segu­ramente, mais uma dor de cabeça para Bruxe­las. Cameron, para esvaziar eleitoral­mente o UKIP, teve necessidade de, du­rante a campanha eleitoral, encostar o seu dis­curso “à direita”; agora, com a responsa­bilidade única da governação, já sem a moderação europeia introduzida pelos liberais-democratas de Nick Clegg, não deixará de jo­gar a sua posição eleitoral e a força dos seus votos num esforço negocial com Bruxe­las que se assemelhará muito ao que, nos anos oitenta do século passado, foi protagoni­zado por Marga­reth Thatcher – e que lhe valeu o célebre “cheque” como contra­partida das políti­cas agrícolas comuns. Tudo, claro, em nome do apelo a um voto favorável à manutenção do Reino na União aquando da realização do referido referendo. As negociações não serão fá­ceis e Bruxelas irá ter pela frente um opositor determinado e relegitimado eleitoral­mente. Não serão tem­pos de bonança no horizonte europeu com difíceis negociações que com facilidade se podem antecipar.
3. Mas este acto eleitoral veio pôr, ainda, a descoberto, um aspecto que merece alguma pon­deração e um registo especial: a erosão significativa sentida pelo voto trabalhista. E essa não se pode atribuir, exclusivamente, à emergência do voto nacionalista na Escó­cia. As razões serão mais profundas e mais sérias.
Quando a esquerda democrática europeia adotou as políticas da terceira via inspiradas pelo New Labour de Tony Blair, exerceu uma influência sem precedentes na governa­ção da Europa. Recordo, de memória, que pelos finais dos anos noventa do século pas­sado dos quinze governos da UE, onze eram socialistas, trabalhistas ou sociais-democra­tas. Foram os tempos da “Europa rosa” de Blair, Schröder, Guterres, Prodi, Jos­pin…. Muitos outros. Chegaram a ser onze em quinze.
Depois, depois começaram a dar ouvidos à ortodoxia dogmática (onde Mário Soares teve pa­pel de destaque) e quiserem recuar à pureza ideológica e acabar com a “viragem à di­reita” em nome dos princípios velhos. Resultado: começaram a perder eleições a eito em benefício de partidos integrantes do PPE e a, praticamente, serem varridos dos ma­pas eleitorais e/ou parlamentares: Grécia, França, Portugal, Espanha, Alemanha….
O que aconteceu, na passada quinta-feira, no Reino Unido, foi só mais um episódio desta história….
Não está, todavia, dito ou escrito em lado algum que tenha sido o último….
Post-scriptum: começam a vir a público informações e elementos que mostram o envolvimento e a participação determinantes do Papa Francisco e da máquina político-diplomática do Vaticano em todo o processo de preparação da aproximação entre os EUA e Cuba, sinalizada por Obama e Castro. Também nesta diplomacia de confidencialidade, Sua Santidade segue as pisadas e o exemplo do bom e amado Papa-mineiro, São João Paulo II, sem cuja atuação o mundo não teria podido assistir ao fim da guerra-fria, à implosão do império soviético e à reconquista da liberdade pelos Estados além da cortina de ferro.