2. Os impactos da adesão
A adesão de Portugal às Comunidades Europeias, trinta anos após a sua concretização, continua por estudar nos seus múltiplos aspectos e nas suas diferentes dimensões. É uma lacuna que urge suprir e em que os nossos centros de excelência nacionais (com as Universidades e outras instituições de ensino superior à cabeça) já deveriam estar envolvidos.
De uma forma muito simplificada, dir-se-á que essa adesão teve duas consequências principais – uma geopolítica e outra económico-financeira.
No plano geopolítico, a adesão significou a inclusão de um pequeno país, europeu e periférico, na organização político-económica mais representativa da Europa dos meados dos anos oitenta. E que nos anos seguintes não deixou de ganhar protagonismo e importância. Constituiu uma inserção que resultou de uma clara opção política por parte dos partidos que integravam o arco da governação e significava, ela própria, um pacto de regime que, nas suas linhas fundamentais, se tem mantido em vigor até aos nossos dias. Na sua essência, porém, nos primeiros anos, teve a particularidade de constituir uma alternativa à dimensão e vocação atlântica que sempre foi histórica para Portugal mas que, naquela concreta situação dos meados da década de oitenta do século passado, ainda não havia digerido por inteiro o trauma e as consequências dum processo de descolonização que, por tardio, não deixou de fazer a sua mossa e deixar as suas cicatrizes. A “Europa” volveu-se, assim, para Portugal, por alguns anos, em alternativa ao “Atlântico”. Teriam de passar muitos anos para que os nossos governantes percebessem e entendessem que ambas as dimensões não eram antagónicas, antes se completavam. Mais – que quanto mais Portugal valorizasse a sua dimensão atlântica, maior poderia ser a sua importância relativa no quadro europeu em que passava a posicionar-se. Naturalmente – esta inserção política teve o seu custo e o seu preço: Portugal passou a ter de partilhar domínios importantes da sua soberania com os restantes Estados membros das Comunidades a que aderiu. Passou a ter de transferir para as instituições europeias áreas cada vez mais alargadas de competências que até então detinha em exclusivo, passou a ter de se sujeitar às deliberações que nesses domínios fossem tomadas preferencialmente em Bruxelas, viu o direito comunitário passar a ter de se lhe aplicar de forma directa e com primazia sobre o seu próprio direito nacional. Foram, digamos, assim, os custos ou o preço da adesão, o preço de ter passado, também, a ter uma palavra em domínios e matérias que lhe estavam vedados.
Mas foi, talvez, no plano económico ou financeiro que os impactos da adesão portuguesa às Comunidades mais se fizeram sentir e, talvez, maior visibilidade pública ganharam. Fruto do atraso económico e social que conhecia, tendo por comparação os seus novos parceiros europeus, os baixos índices de crescimento e de desenvolvimento e, sobretudo, as assimetrias perante a generalidade dos índices médios comunitários, Portugal foi colocado na cauda de quase todas os rankings que na altura se fizeram. O que contribuiu decisivamente para, no período de transição e mesmo depois dele, virmos a ser beneficiários líquidos dos orçamentos comuns, isto é, recebermos mais (incomparavelmente mais….) das Comunidades do que aquilo com que contribuíamos para o referido orçamento comum. E essa viria a ser uma marca indelével de todo o processo português de integração europeia. Durante anos a fio – durante sucessivos quadros comunitários de apoio – a nossa pertença ao projecto comunitário europeu teve, para o cidadão comum, um único e simples sinónimo: dinheiro, muito dinheiro, que Bruxelas transferia para Lisboa, à razão de milhões de euros/dia. E a nossa elite dirigente facilitou e contribuiu para ampliar essa percepção. Criou-se a mentalidade que o dinheiro europeu não tinha fim, substituía tudo, comprava tudo, compensava tudo, dava para tudo. Com ele pagou-se a desarticulação de vastas zonas do nosso sector produtivo primário e secundário; terciarizou-se a nossa economia; indemnizou-se e pagou-se para não produzir ou deixar de produzir; apostou-se em formação dita profissional que muitas vezes não passou de pura fachada e, sobretudo, apostou-se à outrance em obra pública de betão armado para suprir as necessidades e lacunas do país e para ir muito além delas. O critério era fácil: havia dinheiro, era barato, saltava à vista e rendia votos. Esse terá sido o principal erro associado à nossa integração europeia: a mentalidade que se deixou criar que aderir às Comunidades Europeias significava receber muito dinheiro que podia ser gasto sem regra nem critério e, depois e sobretudo, visto à distância, as opções políticas que presidiram à despesa efectuada com essas quantias fabulosas. Muito pouca aposta na formação humana em razão inversa da aposta feita na obra pública; e, sobretudo, a desindustrialização provocada numa economia que precisava de se regenerar mais do que se terciarizar.
Sendo certo que, como se disse a abrir este texto, o balanço global da nossa adesão às Comunidades Europeias (entretanto transformadas em União Europeia) continua por fazer, e pese embora os erros enormes associados a um caminho que completará 30 anos no próximo dia 1 de janeiro, a verdade que se nos afigura inquestionável é que o saldo da opção tomada em 1977 tem de se haver por francamente positivo. Dito de outra forma – à data que a questão da adesão se colocou, dificilmente a opção tomada por Portugal poderia ter sido outra, diferente ou distinta. Com as portas do Atlântico, à data, circunstancialmente encerradas pela conjuntura histórica acabada de viver, a opção europeia era a única que Portugal tinha se pretendia ter alguma voz ou relevo nos assuntos europeus e mundiais. Se, daí em diante, nem tudo correu da melhor forma ou da forma mais adequada, não se busque a responsabilidade na adesão ou projecto europeu, busquemo-la, antes, nas opções políticas menos acertadas que, também em política europeia, têm sido uma constante aos longos destas últimas três décadas.