Enquanto a União Europeia tem andado entretida em torno dos encontros e desencontros com o governo grego de Alexis Tsipras, passando para o mundo a imagem duma organização internacional paralisada e imobilizada, refém das errâncias táticas do governo de um dos seus Estados-membros, na Europa que existe para lá das fronteiras externas da União – porque para além da UE existe mais Europa, para surpresa de alguns…. – assinala-se por estes dias a passagem do vigésimo aniversário de um dos mais horríveis e bárbaros crimes perpetrados contra a Humanidade e em solo europeu, nos anos mais recentes: o massacre de Srebrenica.
O horror remete-nos para a última guerra civil e fratricida vivida em território da Europa, no pós segunda guerra mundial, tendo por pretexto o desmembramento da ex-Jugoslávia – eventualmente o único erro em matéria europeia cometido pelo chanceler de boa memória, Helmut Kohl, ao apressar o reconhecimento alemão da Croácia auto-emancipada de Belgrado. Este reconhecimento, precipitado, apressou o fim da Jugoslávia da pior maneira possível – pela via armada, com a multiplicação dos conflitos e das guerras intra-nacionais e o sempre indesejado recrudescimento dos diferentes nacionalismos que Tito amordaçara e suprimira. Foi no quadro desse conflito generalizado, mas territorialmente circunscrito que, entre 11 e 20 de Julho de 1995, mais de 8.000 bósnios muçulmanos foram assassinados em massa por parte do exército servo-bósnio, armado pela Sérvia e comandado por Ratko Mladi? (que atualmente se encontra a ser julgado pelo Tribunal Penal para a Antiga Jugoslávia) perante a lamentável inação das forças das Nações Unidas a quem foi pedido que reforçasse a sua presença de capacetes azuis e defendesse aquela população.
Foi este mesmo Tribunal, de resto, que reconheceu este massacre como o primeiro genocídio da História a seguir ao Holocausto. O termo, aliás, voltou a ser utilizado pelo ex-Presidente dos EUA, Bill Clinton, na cerimónia oficial evocativa da tragédia. Curiosamente, também há poucos dias, em pleno Conselho de Segurança das Nações Unidas, a Rússia de Putin vetou uma resolução apresentada pelo Reino Unido que qualificava esse mesmo massacre como um genocídio. Dir-se-á que os amigos nunca se esquecem nas horas difíceis….
Recordar Srebrenica no tempo histórico que vivemos e no circunstancialismo que a Europa conhece, pode ser mais do que uma simples e trágica coincidência. Quando, impotentes e quantas vezes revoltados, assistimos à desagregação do projeto europeu idealizado pelos pais fundadores como indispensável para garantir um futuro de paz na Europa, mais do que para assegurar vantagens económicas a uns Estados sobre outros, não podemos deixar de invocar os trágicos acontecimentos que assolaram este velho continente há, apenas, duas décadas. E era bom que aos governantes de turno, pese embora os saibamos destituídos da dimensão de estadistas, as mesmas imagens e os mesmos acontecimentos não se lhes escapasse da memória. Porque, voluntária ou involuntariamente, consciente ou inconscientemente, poderão estar a conduzir os restos sobrantes desta Europa ainda chamada da União para um destino e um futuro muito semelhante àquele que presidiu ao desmantelamento da velha Jugoslávia. Quem excluir, apenas porque sim, essa possibilidade, ignora os demónios que a Europa tem dentro de si, que tendem a despertar ciclicamente, e que nos últimos cem anos já a destruíram por duas vezes. A começar pelo demónio do nacionalismo que continua à espreita e pronto para renascer. E o dos populismos extremistas, de esquerda e de direita, que têm o estranho hábito de conseguirem coincidir nos momentos historicamente mais relevantes. Nunca é demais recordá-los e estarmos atentos para os seus efeitos nefastos.
Srebrenica constituiu, provavelmente o mais recente exemplo da manifestação desses mesmos demónios europeus. O problema é que não está dito nem escrito, em lado algum, que tenha sido o último. Tenhamos sempre bem presente que a barbárie que aqui recordamos aconteceu aqui, na Europa. E foi só há 20 anos.