O governo anunciou que no mês de fevereiro tenciona apresentar a candidatura de António Guterres ao cargo de Secretário-Geral da ONU. É uma excelente notícia para Portugal e uma ótima notícia para a ONU que poderá passar a ser liderada por um político experimentado, prestigiado e, sobretudo, um humanista cristão com provas dadas em matéria de direitos humanos, de apoio a refugiados e de lide com algumas das mais difíceis consequências das piores contendas que se têm travado no mundo. Será, decerto, um desafio estimulante para a nossa diplomacia guindar ao mais prestigiado cargo da cena internacional um português. A tarefa será árdua mas, acreditando-se no rigor destas decisões, não há razões para não acreditar que as continhas já não estejam todas muito bem feitas, a teia de solidariedades começada a tecer e as hipóteses de sucesso serem efetivas e concretas. Não poderia ser de outro modo.
O próximo Secretário-Geral da ONU irá ter pela frente uma agenda sobrecarregada onde, para além das questões de contingência que já estão lançadas e de outras que possam vir a surgir, não podem deixar de estar presentes as preocupações com a própria reforma da organização. A ONU é a instituição de referência do mundo que foi o do pós-segunda guerra mundial; a instituição pensada e criada pelos “vencedores” da segunda guerra mundial – que reservaram para o si o direito de veto no Conselho de Segurança – para enquadrar uma ordem internacional que era a do bipolarismo e da guerra-fria, que já desapareceu há um quarto de século, quando o muro ruiu, o império implodiu e o bipolarismo deu lugar a um uni-multipluralismo. Pese embora as alterações verificadas na sociedade internacional, a ONU não se renovou, não se reformou, não se adaptou aos novos tempos, não reconheceu novos poderes emergentes e novas potências em ascensão. Continua fiel ao mundo que brotou de 1945. Está por isso, manifestamente, desfasada da realidade e dos tempos que vivemos. Continua a ser a depositária de princípios universais mas faltam-lhe os meios para os operacionalizar. Muitas vezes o seu Secretário-Geral dá ao mundo a impressão de outro poder não ter para além do poder da palavra – que vai manejando com a arte e o engenho com que a Providência o dotou. É um poder fortíssimo; mas muitas vezes insuficiente.
Apesar de tudo – e para recorrermos ao ensinamento reiterado de Adriano Moreira – a ONU continua a ser o único lugar onde “todos se encontram com todos”; não só a sede da legitimidade internacional como a fonte das novas regras que devem presidir à ordem mundial em construção. Por isso da agenda do próximo Secretário-Geral não poderão estar ausentes as preocupações atinentes à reforma da instituição, por forma a adequá-la a este estranho e perigoso século XXI. Seria deveras gratificante que, uma vez mais, fosse daqui, deste quase cume da cabeça da Europa toda, Reino Lusitano, onde a terra se acaba e o mar começa, que pela mão de um nosso compatriota, fosse prestado mais esse serviço à causa da humanidade.