Por razões de política interna, quando Cameron ascendeu ao poder no RU comprometeu-se com a realização de um referendo sobre a presença do Reino na UE. Pretendia segurar a ala eurocética do seu partido, seduzida com o discurso de Nigel Farage, serenar o lib-dem seu parceiro de governo e tranquilizar os próprios trabalhistas. A primeira legislatura foi passada a preparar o terreno referendário e, nesta segunda, apesar de beneficiar de maioria absoluta em Westminster, Cameron não deixou cair a ideia e empenhou-se em colocá-la em prática até finais de 2017. Depois de alguma incredulidade inicial, Bruxelas admitiu que o assunto podia ser sério e dispôs-se a encetar conversações com o governo de Londres, para Cameron fazer campanha pelo sim no referendo.
Será na próxima cimeira do Conselho Europeu que o tema ocupará os chefes de Estado e de governo sabendo-se, de antemão, as quatro principais medidas que o Presidente Donald Tusk, secundado por Jean-Claude Juncker, se predispuseram a ceder a ceder a Cameron.
Em primeiro lugar, a atribuição ao RU de um “travão de segurança” que poderá ser usado quando se produza um fluxo de trabalhadores de outros Estados membros, de magnitude excecional e duração prolongada. Nestas situações, Londres poderá negar a esses cidadãos comunitários prestações sociais relativas ao emprego. Em segundo lugar, a atribuição a Londres de uma cláusula de salvaguarda para as situações em que o aprofundamento de medidas adotadas no âmbito da zona euro sejam suscetíveis de prejudicar o RU ou a City londrina enquanto centro financeiro mundial. Em terceiro lugar, consagrar o “cartão vermelho” que permitirá a 16 dos 28 Parlamentos nacionais bloquear definitivamente iniciativas legislativas europeias que considerem atentar contra os seus interesses nacionais. Finalmente, admite-se que o RU deixará de estar vinculado ao objetivo geral consagrado no Tratado da UE de esta avançar rumo a uma união cada vez mais estreita, assumindo-se que tal objetivo afeta a soberania do RU.
Tusk e Juncker já ofereceram isto; Cameron já se disse satisfeito mas acrescentou que ainda não chega. O Conselho Europeu dos próximos dias 18 e 19 poderá ajudar a esclarecer.
Sem embargo, são muitas as questões que se colocam neste processo. Desde logo, saber se estaremos a atuar no quadro dum processo de revisão formal dos tratados ou noutro qualquer de duvidosa legitimidade. Da mesma forma, seria curioso saber se, à luz do princípio da igualdade dos Estados membros, doravante qualquer outro dos 27 Estados da UE poderá rever e reescrever a forma como se vincula à União ou se isso é privilégio de Londres.
Em síntese, será este o “preço” a pagar para evitar o BRexit: acentuar o princípio da desigualdade entre os Estados membros da União; transmutar definitivamente a natureza da UE; questionar dois dos seus pilares fundamentais (liberdade de circulação de pessoas e não discriminação em razão da nacionalidade); hipotecar definitivamente a possibilidade da UE avançar para uma efetiva união política; consagrar e institucionalizar a Europa a várias velocidades.
Compensará pagar este preço? Com a contingência que supõe responder a esta questão cremos que, para quem quiser ver na UE uma grande zona de livre comércio europeu com um mínimo de integração política, seguramente que compensará. Quem, por outro lado, ansiar por uma UE que seja mais do que isso, nomeadamente um bloco geográfico politicamente integrado e com uma intervenção política no mundo proporcional ao seu peso económico, o “preço” a pagar a Londres revela-se demasiado caro, porventura nada compensador.