O processo de aproximação da Turquia à União Europeia constitui um dos mais paradigmáticos exemplos da incapacidade da União Europeia para tomar certas decisões politicamente difíceis e controvertidas. É um processo que se tem vindo a arrastar ao longo de quase trinta anos, desde o longínquo 14 de Abril de 1987, quando o governo de Ancara formalizou o seu pedido de adesão às Comunidades Europeias. Com os seus Estados-Membros profundamente divididos em matéria de inclusão do vizinho turco no espaço comunitário europeu, a União Europeia tem titubeado, hesitado e adiado uma posição final sobre a questão turca. Curiosa e paradoxalmente, são Estados de fora da União (como os Estados Unidos) ou Estados-Membros nada interessados no aprofundamento político europeu (caso do Reino Unido) quem frequentemente mais surge a preconizar a referida adesão. Percebe-se a razão-de-ser desta posição substancialmente realista. No polo oposto, Estados como a Áustria ou a Alemanha têm-se destacado na rejeição desse alargamento. Nem sempre pelas mesmas razões; nem sempre pelas melhores razões. Quase sempre por uma questão de poder relativo no quadro da União, indissociavelmente associado a uma vertente demográfica turca. No meio desta divisão, a União Europeia tem encontrado todos os argumentos ao alcance da mão para evitar tomar uma decisão – para frequente irritação do governo de Ancara que não tem regateado esforços no sentido de se juntar ao clube europeu.
Em diferentes alturas e diversos momentos já tivemos a possibilidade de defender e sustentar que são tantas e de tão variada natureza as diferenças que intercedem entre a União Europeia e a Turquia que, qualquer adesão, deveria ser preterida a benefício de um forte e sólido acordo de associação que ligue a União Europeia a Ancara. Seria uma forma eficaz de resolver um diferendo que, arrastando-se no tempo, arrisca a que os turcos a breve prazo não só não sejam europeus como venham a ser profundamente anti-europeus.
Porém, como a história nem sempre respeita o calculismo e as contingências da política internacional, eis atualmente a União Europeia confrontada com um problema humanitário de dimensão sem igual no pós-segunda guerra mundial para cuja resolução a colaboração com a Turquia se afigura absolutamente indispensável – a crise dos migrantes e refugiados provenientes, sobretudo, da Síria e Estados adjacentes.
Contudo, a cimeira UE-Turquia da passada segunda-feira constituiu, infelizmente, mais uma oportunidade perdida para progredir nas negociações euro-turcas sobre a resolução desta crise dos migrantes. Surpreendida com novas exigências turcas para reter no seu território os migrantes em busca do sonho europeu, a União Europeia e os seus Estados-Membros viram-se confrontados com a exigência de um novo envelope financeiro de 3 mil milhões de euros duplicando o já anteriormente concedido e, ainda, o reinício do processo negocial em vista da sua adesão ao clube europeu. Foi quanto bastou para que qualquer decisão fosse tomada. Foi o necessário para que o Espaço de Schengen não voltasse a ser respeitado pelos Estados aderentes, garantindo a livre circulação no espaço interno da União, mantendo-se as restrições em vigor. E como continua a ser apanágio deste método comunitário que adia em vez de decidir, voltaram as decisões a ser remetidas para a próxima cimeira do Conselho Europeu em meados deste mês.
Retira-se daqui uma conclusão óbvia – que transcende em muito a já complexa e imediata crise humanitária que reclama uma decisão célere. A conclusão que, mais tarde ou mais cedo, a União Europeia terá de conseguir e ser capaz de regularizar e resolver o seu relacionamento com esta Turquia com a qual terá, seguramente, várias questões partilhadas a trabalhar e a resolver em conjunto. Enquanto esse relacionamento não estiver estabilizado (e, repete-se, essa estabilização não tem, necessariamente, de passar por uma adesão da Turquia à União Europeia) dificilmente algumas questões pendentes que se colocam à União Europeia poderão ter solução. E cada dia que passe e que se atrase a estabilização desse relacionamento, é um dia que poderá aproximar cada vez mais a Turquia do islamismo radical. E nesse cenário, seria um problema a mais, e dos grandes, com que a UE teria de se defrontar – ter o radicalismo islâmico na sua fronteira externa. Um problema que se dispensa e que urge evitar a todo o custo.