Rompendo um silêncio de quase 90 anos, tantos quantos os que distam da última visita de um Presidente norte-americano a Cuba, os Presidentes de Cuba e dos Estados Unidos encontraram-se em solo cubano no início desta semana. Foi um momento histórico que culminou a aproximação entre os dois Estados iniciada no ano passado quando ambos decidiram reabrir reciprocamente as suas Embaixadas. Não assinalou, ainda, a completa normalidade das relações entre os dois países, porquanto subsiste o embargo norte-americano que, há mais de meio século, penaliza Cuba na sequência da crise dos mísseis nucleares soviéticos. E, desde logo, foi uma deslocação que teve desigual importância para ambos os Estados.
Para Cuba, esta visita afigura-se de primordial importância. De há muitos anos a esta parte a dependência de Cuba de um suporte económico exterior afigura-se vital para a sua subsistência. Primeiro, foi a dependência da falecida URSS e de alguns dos seus satélites como Angola; depois, quando as condições económicas (e uma nova conceção política) levaram a nova Rússia a suspender esse auxílio à ilha de Castro, tal papel foi desempenhado, essencialmente, pela Venezuela de Hugo Chavez. A crise petrolífera e o desmoronamento económico da Venezuela, todavia, vieram ditar o fim das liberalidades para com a ilha. Terá sido isso, aliás, que escassos dias antes de Obama pisar solo cubano Nicolas Maduro terá ido transmitir a Raul Chavez, numa viagem que foi pouco noticiada, mas nem por isso de menor importância. Cuba necessita, assim, de encontrar quem alimente a sua economia – e os Estados Unidos e as grandes empresas norte-americanas estão, apenas, a 150 km de distância.
Para Barack Obama, porém, esta viagem é politicamente mais complexa. Apesar de ser das deslocações ao exterior geograficamente mais curtas efetuadas ao longo dos seus mandatos é, no plano político, das mais longas e mais complexas. Os curtos 150 km de distância geográfica transformam-se nuns intermináveis 150 km políticos. Desde logo por não ser pacífica nos próprios EUA, com a maioria republicana no Senado a criticá-la fortemente e a prometer vetar quaisquer acordos políticos que Obama queira negociar. Depois, porque não é bem-vista pela própria oposição interna cubana – que acusa o Presidente dos EUA a legitimar, com a sua presença, um regime despótico e ditatorial, um dos últimos bastiões dos “regimes do muro” e da guerra-fria que subsistem na atualidade. Também por ser na ilha que se encontra a célebre prisão de Guantánamo, que Obama prometeu encerrar na sua primeira campanha eleitoral, mas que ao fim de oito anos e dois mandatos presidenciais continua a ser asilo de terroristas aos quais os EUA não sabem o que fazer nem a que jurisdição submeterem. Finalmente, por se realizar a um país conhecido pelas constantes violações dos direitos humanos, bandeira que qualquer administração norte-americana gosta de brandir e exibir. E neste domínio, parece que a viagem de Obama estará condenada ao insucesso. Raul Castro, de resto, na conferência de imprensa conjunta que deu com o Presidente norte-americano, fez gáudio disso mesmo, de em linguagem ostensivamente provocatória negar a existência de presos políticos em Cuba e a violação de direitos humanos na ilha. Obama, por seu lado, parece apostado em que a abertura económica da ilha levará, necessariamente à sua abertura política e à reforma do seu sistema constitucional e de governo – fiel à crença de que as mutações económicas acabam por gerar transformações políticas. É um facto que em algumas latitudes assim tem sido; continua por demonstrar que essa é a regra que se aplica em todas as situações.
Por todas estas razões – e as expostas não são mais do que as mais relevantes de entre outras várias que se podiam mencionar – Barack Obama tem, nesta sua deslocação a Cuba uma viagem que é, paradoxalmente, das mais curtas dos seus mandatos no plano puramente geográfico, mas uma das mais distantes e longínquas que poderia efetuar no plano político. Se conseguir fazer com que a distância política entre Cuba e os Estados Unidos se aproxime, por pouco que seja, da sua distância geográfica, será caso para dizer que a deslocação valeu a pena. E creio ser esse, a final, o grande objetivo prosseguido pelo Presidente norte-americano.
Post-scriptum – escritas as linhas que antecedem, ocorreram os atentados de ontem em Bruxelas. Sobre eles uma única reflexão se impõe deixar e partilhar: é tempo de deixarmos de ser todos franceses, espanhóis, britânicos ou belgas. Perante as ameaças terroristas, temos de ser todos europeus na luta contra a carnificina, o crime e a barbárie. Porque está demonstrado que só uma profunda união entre os Estados europeus, uma intensificação da cooperação policial, um aumento da partilha de informações e um combate coordenado a esta praga poderá ser minimamente eficaz nesta luta. Desenganem-se os que pensam que Estado algum, individualmente e isoladamente, consegue defender a integridade do seu território. É de progresso e não de retrocesso que a Europa necessita e precisa.