In memoriam de Francisco F. Encarnação Dias
Na passada semana o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, teve oportunidade de se dirigir ao plenário do Parlamento Europeu, em Estrasburgo, onde pronunciou um discurso que, no mínimo, se tem de qualificar como brilhante. Foi um discurso como já não é frequente escutar-se por aquelas bandas – assertivo, afirmativo, pedagógico. O discurso de um incorrigível europeísta – como o próprio se designou. O discurso que fez ecoar ante a Assembleia parlamentar europeia o recordatório dos princípios que ditaram o surgimento do projeto comunitário europeu do pós-segunda guerra mundial, sem ter deixado de evocar as transformações que o mundo em geral e a Europa em particular conheceram nos últimos tempos e que, obviamente, convocam a União Europeia a encontrar novas e inovadoras soluções para problemas que são igualmente novos e desafios que se colocam com acrescida acuidade. Foi também o discurso em que Marcelo Rebelo de Sousa se posicionou e tomou inquestionável partido no grande debate que está à porta do Reino Unido e da própria Europa – a partir da realização do referendo do sobre a permanência do Reino na União Europeia no próximo dia 23 de Junho. Dizendo que esta União deve continuar a somar e não a subtrair, foi uma mensagem inequívoca sobre a forma como Portugal se posiciona face a essa jornada decisiva para o futuro de União que se avizinha a passos largos.
Depois, Marcelo Rebelo de Sousa teve a oportunidade para refletir e teorizar sobre a pertença nacional à empresa europeia – como parte absolutamente crucial do seu destino histórico que começou por ter o mar por destino mas estaria sempre incompleta se não se dotasse da indispensável dimensão europeia. Essa dimensão foi-lhe dada e acrescentada, nos tempos contemporâneos, através justamente da pertença ao projeto comunitário. E veio a assumir uma acrescida importância quendo, fruto de erros próprios, típicos de um povo que “não se governa nem se deixa governar”, houve necessidade de o país recorrer a auxílio financeiro externo no início desta década. Com um programa de condicionalidades muito duro e penoso, que causou inúmeros casos de sofrimento em muitas famílias, pessoas e empresas do país, a Europa, por via da troika, respondeu presente, mas Portugal não defraudou as expectativas nem desonrou os seus compromissos. O Presidente da República, numa expressão assaz feliz, sintetizou o que efetivamente aconteceu: “a Europa não faltou no auxílio e Portugal honrou os seus compromissos saindo de forma limpa do seu ajustamento”.
Era importante que estas mensagens que, ciclicamente, são deixadas no hemiciclo de Estrasburgo fizessem o seu caminho e fossem não apenas ouvidas, mas escutadas, por parte dos decisores europeus – em especial por parte dos membros das instituições europeias, o Parlamento Europeu e a Comissão Europeia. Era importante que estas mensagens não se limitassem a ser meros momentos simbólicos e protocolares e caem em saco roto mas servissem, efetivamente, de momentos inspiradores para todos os que são responsáveis pela estruturação das políticas públicas europeias.
Coincidentemente com esta intervenção de Marcelo Rebelo de Sousa no Parlamento Europeu, veio a público uma das raríssimas entrevistas dadas, na última década, por Helmut Kohl – uma das últimas vozes sobrantes do europeísmo de referência dos finais do século XX. É extraordinariamente interessante refletir e meditar sobre o que o chanceler da reunificação nos vem dizer e sobre aquilo que aproveita para nos recordar. Centrando-nos no aspeto que mereceu mais destaque por parte da comunicação social europeia – a questão dos refugiados e a responsabilidade da Europa para com este drama humana de proporções inimagináveis e que está condenado a aumentar, mesmo considerando o vergonhoso acordo celebrado com a Turquia – é uma vez mais da voz da sabedoria e da experiência que nos vem a leitura mais lúcida deste drama e do papel que a União Europeia deveria assumir perante o mesmo. A primeira constatação é óbvia e resulta da mera evidência dos factos: a Europa não pode, porque não está preparada para tal, transformar-se na terra de acolhimento de todos os refugiados, migrantes e desvalidos que fogem dos diferentes conflitos que ocorrem nos quatro cantos do mundo, abrindo-lhes de par em par as suas portas e oferecendo-lhes toda a proteção social que oferece e confere aos cidadãos europeus. Numa crítica implícita à liberalidade inicialmente preconizada pela Sra Merkel, Kohl não deixa, todavia, de pôr o dedo na ferida. Significa isto que a Europa deverá fechar os olhos aos dramas humanitários que ocorrem nas suas fronteiras e muitas vezes se projetam para dentro das mesmas? De maneira nenhuma! Acontece é que, se a Europa da União pretender ser efetivamente útil na resolução deste drama humanitário, ou na contribuição para a sua resolução, deverá ser prudente – aceitando os refugiados que o sejam por motivos estritamente políticos mas, e nisto reside a exigência formulada por Kohl, contribuindo para fomentar verdadeiras políticas locais que propiciem a retenção dos migrantes nos seus países natais. Decerto – uma postura destas só pode ser subscrita por quem tanto se empenhou em contribuir para que a União Europeia viesse a possuir uma verdadeira e consistente política externa e de segurança comum. Algo que, até ao momento, a atual União sempre se mostrou incapaz de definir, pese embora até possuir uma Alta Comissária com a sua responsabilidade.
Em síntese – eis-nos perante mais uma relevante posição europeísta de Helmut Kohl que, apesar do cansaço da vida e do passar dos anos não deixa de nos agitar as nossas consciências e de nos interpelar profundamente quando lhe é dada oportunidade de connosco partilhar a sua visão sobre a Europa que conhecemos. Esta oportuna mensagem, a par da intervenção do Presidente Rebelo de Sousa em Estrasburgo, constituem dois importantes momentos que deverão ser lidos e guardados para efeitos de meditação futura, atentos os respetivos conteúdos e, também, a sua complementaridade. Não é todas as semanas que podemos beneficiar de dois momentos de tão elevada qualidade.