As últimas eleições primárias nos Estados Unidos – naquela que foi uma “super-mini-terça-feira” tanto para republicanos como para democratas – deixaram praticamente definido, ou pelo menos definido com alto grau de probabilidade, os protagonistas finais do duelo presidencial do próximo mês de novembro, para escolha do sucessor de Barack Obama.
Do lado democrata, Hillary Clinton amealhou o número de delegados para a convenção democrata que lhe permite encarar com alguma confiança e segurança a reta final das primárias, nomeadamente o decisivo teste das primárias na Califórnia. Acresce que, pelas regras democratas, os delegados inerentes à convenção partidária, não eleitos e que representam parte significativa do aparelho político democrata, aparecem claramente identificados com a candidatura da ex-primeira dama e ex-Secretária de Estado. O que lhe dá um suplemento de conforto e alento para a referida reta final eleitoral. Clinton chegará à convenção de Filadélfia, em finais de julho, numa posição claramente privilegiada para a aclamação final, aquela que não logrou alcançar há oito anos quando foi cilindrada pelo candidato e futuro vencedor Barack Obama – como, de resto, a mesma conta em detalhe nas suas Memórias recém aparecidas e de leitura altamente recomendável para quem quiser perceber um pouco dos pilares da política externa norte-americana do Presidente Obama.
Do lado republicano, o panorama é significativamente mais complexo e mais confuso. Donald Trump segue acumulando e capitalizando votos populares nas eleições primárias já realizadas. Tem sido o responsável por dizer aquilo que uma parte importante do eleitorado republicano tem querido ouvir e escutar. Trump, preste-se-lhe essa justiça, tem tido esse engenho e essa arte – diz o que muitos republicanos dizem, verbaliza o que muitos norte-americanos desabafam e pouco parece importar-se que tais declarações caiam mal nas próprias elites do seu partido que, neste momento, mais do que derrotar Donald Trump, se afadigam é em obstaculizar a que o mesmo chegue à convenção de Cleveland com o número de eleitos que garantam a sua eleição, assim transformando a convenção numa Assembleia aberta, em que os eleitos deixam de estar vinculados a qualquer candidato e podem passar a dirigir o seu voto para uma candidatura que surja no âmbito da própria convenção.
Ora, quando um dos partidos do sistema político norte-americano se vê na contingência não de escolher um candidato à presidência mas de obstaculizar a que um dos seus membros seja nomeado candidato, apostando tudo no surgimento de uma qualquer terceira via capaz de concitar o voto popular republicano, isso diz-nos quase tudo da forma como, na metade direita do sistema político dos Estados Unidos, estas eleições presidenciais estão a ser vividas e experienciadas.
Face aos dados atualmente existentes, e às sondagens que diariamente vão sendo conhecidas e divulgadas nos sítios da especialidade, dir-se-ia não ser difícil prognosticar que, na eventualidade de um duelo final Clinton – Trump, a ex-Secretária de Estado logrará obter vitória folgada e (quase) garantida.
A menos que……
A menos que, subitamente, os norte-americanos resolvam surpreender o mundo e colocar o máximo poder político existente à face da terra nas mãos de …… Donald Trump. Tenhamos esperanças que, apesar de o mundo tender para o desajuízado, os norte-americanos ainda não terão ensandecido por completo….
Do lado de cá do Atlântico, a questão que se importa colocar é a de saber qual dos candidatos poderá potenciar um melhor entendimento com a Europa e relançar em novas e sustentáveis bases o diálogo e a parceria estratégica ocidental que se impõe seja reconstruída e refeita. A resposta parece óbvia e intuitiva – Clinton estará em muito melhor condição para prosseguir esse objetivo do que Trump (caso se confirme a sua candidatura). Até por uma questão filosófica, a postura republicana tende sempre para um maior isolacionismo dos EUA face às grandes questões mundiais. Paradoxalmente, porém, tem sido nas mãos de Presidentes republicanos (muitos deles eleitos em nome desse tal isolacionismo) que têm caído as maiores responsabilidades de gerir crises internacionais com participação norte-americana. George W. Bush que o diga.
Todavia, se é verdade que, comparativamente com Trump, Clinton é incomparavelmente muito mais confiável e muito mais conhecedora da realidade internacional do que o seu putativo opositor republicano, até pelo exercício anterior da função de secretária de Estado, não deixa de ser conveniente recordar e relembrar que foi a própria Sra Clinton quem fixou como orientação estratégica da sua política externa, a valorização da influência americana no Pacífico, em detrimento da opção atlântica. Nas suas Memórias, uma vez mais, Clinton explica detalhadamente a razão dessa opção consciente do seu mandato. Desenganem-se, pois, os que do lado de cá do Atlântico dão por garantida e assente que a subida da ex-secretária de Estado à Sala Oval da Casa Branca equivalerá, ipso facto, a um reforço dos laços entre a Europa e os EUA. Nesta matéria é utópico ter ilusões. Os EUA, sobretudo no mundo pós guerra-fria, sempre se viraram para a Europa apenas e só na exata dimensão dos seus específicos interesses. É em função desses específicos interesses que a Casa Branca continuará a pautar a sua atuação e a gerir o seu relacionamento com a Europa, especialmente a Europa da União.
Porque, infelizmente, a falta de uma visão integrada do ocidente que somos e que integramos – dotando-a duma eficaz estrutura política, económica e militar – não é um exclusivo dos governos de turno europeus.