Feito o referendo, contados os votos, apurados os resultados, sobram as perplexidades e restam as interrogações. O Reino votou, de uma forma cada vez menos unida, denunciando fraturas políticas absolutamente transversais e uma divisão que o comum dos mortais estava longe de imaginar. Ouso mesmo afirmar – que surpreendeu os próprios britânicos, muito deles convencidos de que, no momento final, tudo acabaria por ficar como dantes. O certo é que não ficou; o certo é que, fruto de uma improvável “coligação” de muitas esquerdas e de muitas direitas britânicas, abriu-se uma verdadeira caixa de Pandora. Que antecipadamente se sabia ser de dimensões e consequências imprevisíveis. Que talvez nunca se tivesse antecipado, todavia, que pudesse desde logo começar a ter as consequências que já evidencia.
A maior e mais surpreendente das consequências já evidenciadas pelo resultado do referendo tem a ver com a total e absoluta impreparação dos defensores do Brexit – e, por maioria de razão dos defensores do Remain, com David Cameron à cabeça – sobre o que fazer em caso de um resultado que desse a vitória ao “leave”. Já se passou quase uma semana sobre o dia do referendo e, até agora, inda ninguém se “chegou à frente”; ainda ninguém conseguiu apresentar um plano coerente e consistente sobre os passos subsequentes a serem dados, quer no estrito plano interno, quer no domínio das relações com as diferentes nacionalidades, com a Escócia à cabeça, quer, sobretudo, no âmbito das relações com Bruxelas e com a União sobrante. Cameron – que Felipe González muito bem qualificou como um político que vai ficar na história por razões menores, por ter ameaçado a integridade do Reino Unido e a coesão da União Europeia apenas para manter e afirmar o seu poder pessoal – bateu em deserção. Convocou o referendo depois de ameaçar a União Europeia e quando tomou consciência dos resultados do mesmo, desertou – para não ficar ligado ou associado ao processo de divórcio do Reino da União. Hoje, tal como na passada segunda-feira na Câmara dos Comuns, o que foi capaz de afirmar foi que será o Reino Unido a determinar o tempo da invocação do célebre artigo 50º do Tratado da União Europeia e as condições em que quererá negociar a saída da União. Ou seja, nem no memento do “leave”, o Reino perde a pose altiva e de superioridade com que sempre tratou Bruxelas e as questões atinentes à União Europeia. Mas se esta postura poderia ser mais ou menos esperada da parte dos defensores da permanência do Reino Unido, já da parte dos defensores do Brexit se esperaria algo mais. Uma ideia, um plano, um caminho, uma rota para a separação e a saída da União Europeia. Esperança vã. Já se percebeu que nada disso existe. Já se percebeu – Cameron afirmou-o – que terá de ser o novo governo e o novo primeiro-ministro a determinarem o caminho a seguir e as condições e exigências a fazerem a Bruxelas. Sim, porque parece que o Reino Unido, depois de 43 anos a fazer exigências a Bruxelas – exigências que lograram concretizar no cheque agrícola que Thatcher obteve das Comunidades, que Major conseguiu nos optin-outs negociados por ocasião do Tratado de Maastricht ou mesmo que Cameron alcançou com as medidas que foram aprovadas em fevereiro passado a troco de se empenhar na permanência do RU na EU – se prepara para continuar a fazer exigências na hora da saída. Quiçá, se tentando obter fora muito do que não conseguiu obter dentro. Com esta UE tudo é possível…. Mas para além de Cameron, nenhum outro político britânico emergiu ou se destacou propondo um programa para o divórcio. Por isso Londres tem insistido em que tudo se fará a seu tempo – para irritação e nervosismo de Bruxelas, de Paris e de Roma. Só Berlim (quem mais poderia ser?) deixou cair ténues indícios de respeitar o desejo britânico e compreender que seja Londres a escolher o seu tempo.
Esta foi, portanto, a primeira grande perplexidade associada ao resultado deste referendo: a impreparação dos vencedores para assumirem os resultados e as consequências da sua vitória.
Outras muitas consequências vão estar aí, à medida que o tempo for decorrendo e os assuntos e as matérias se forem colocando, exigindo a necessidade de celebração de um acordo que, em condições normais deverá ser obtido no espaço de dois anos a contar da notificação da saída. O tempo, aqui, corre claramente a favor do Reino Unido e pressiona a União Europeia e Bruxelas. Londres dá mostras de não ter pressa e de ter todo o tempo do mundo. Bruxelas exige celeridade e sabe que quanto mais o tema se arrastar em pior situação fica a economia dos 27. Os próximos tempos vão-nos dizer quanto tempo vale o tempo tanto para Londres como para Bruxelas.