No quarto de século que se seguiu à queda do Muro de Berlim, à implosão do império soviético, ao readquirir da independência de uma série de Estados que estavam colocados sob dominação da União Soviética e, grosso modo, ao reencontro da Europa política com a sua dimensão geográfica, colocando um ponto final numa ordem pautada pela dualidade, a organização institucional da Europa tem girado em torno de três grandes organizações internacionais, sem prejuízo de outras de menor relevo ou inferior representatividade: no plano político, o Conselho da Europa; no plano político económico, a União Europeia; no plano militar, a NATO. Tem sido predominantemente em torno deste triângulo ou tripé que a Europa se tem apresentado ao mundo, tem dialogado com os outros grandes espaços também organizados no plano institucional, numa ordem instável, longe da perfeição, que por vezes mais tem parecido uma desordem madura em busca dos seus princípios e dos seus alicerces.
Porém, desde o referendo britânico que sufragou maioritariamente a saída do Reino Unido da União Europeia, tem sido travado, ainda que de forma incipiente, um diálogo entre diferentes observadores e historiadores do projeto europeu, por vezes refletido em páginas de alguns dos principais órgãos de comunicação social europeus, sobre as consequências do Brexit quer para a União Europeia, quer para as outras organizações internacionais de referência europeias, com especial relevo para o caso da Aliança Atlântica.
No que tange à União Europeia, seguramente aquela organização onde as consequências do Brexit se farão sentir de forma mais direta, é sabido que o resultado do referendo britânico constituiu um alento de alma para todos os que, em diversos Estados-Membros, começam a reclamar a realização de idênticos referendos como passo prévio à saída desses Estados da União. É uma bandeira e uma causa que vem sendo cavalgada por correntes populistas e nacionalistas que nunca souberam ou quiseram conviver com o projeto europeu e que, de um momento para o outro, se veem reforçadas nas suas intenções pelos resultados provenientes de Londres. Não será, assim, de admirar que, nos tempos mais próximos, de uma forma mais ou menos direta, mais ou menos explícita, alguns Estados europeus membros da UE possam ensaiar vias referendárias cujo objetivo será, em última instância, a secessão do bloco comunitário. Paradoxalmente, a lista dos Estados europeus que não fazem parte da União e continuam a demonstrar interesse em a ela aderirem não consta que tenha diminuído (excetuando aqui, nesta análise, o caso turco, que pelos seus contornos particulares mereceria tratamento autónomo). Ou seja, apesar do momento crítico em que se encontra e que está a atravessar, a União Europeia não perdeu o seu poder de atractibilidade para Estados que ainda não a integraram.
Mas ao lado da União Europeia, talvez seja prudente uma reflexão mais aprofundada sobre o que poderá vir a suceder com a Aliança Atlântica. A NATO tem sido o efetivo garante da paz na Europa nas sete décadas que passaram desde a segunda guerra mundial. Com o imprescindível apoio dos EUA, que se têm encarregado de suprir as lacunas dos europeus em matéria militar e de defesa, a NATO foi o verdadeiro seguro da Europa, da então dita Europa Ocidental, durante o período longo da guerra-fria. E mesmo depois de o Presidente George Bush ter “decretado” o fim da guerra-fria, a NATO começou por ser o guarda-chuva sob o qual se acolheram a generalidade dos Estados que se libertaram do jugo soviético depois da queda do Muro (relembre-se que estes Estados aderiram primeiro à Aliança Atlântica e só depois o fizeram à União Europeia, numa hierarquia de prioridades que não deixa de ser relevante e interessante). Inclusivamente quando se viu forçada a bombardear a Jugoslávia do ditador Milosevic em 1999 (primeira vez que a organização usou a força militar sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas), era da liberdade que se tratava e da libertação de um povo submetido à ditadura pós-comunista.
Ora, nesta fase de crise prolongada que a Europa conhece, não pode ser dado por adquirido que a Aliança Atlântica não venha a ser a “próxima vítima” do renascer das aspirações nacionalistas e isolacionistas que parece estarem em voga por vários países europeus. Decerto: tratando-se de uma aliança militar defensiva, será de crer que os anseios de saída da mesma sejam menos relevantes e menos assertivos do que os desejos de saída da União Europeia. Em todo o caso, não poderemos dar por adquirido que os mesmos não se venham a revelar e, eventualmente, de onde menos se possa esperar. Quem estiver atento a várias proclamações feitas por Donald Trump ao longo da sua campanha eleitoral, não se poderá dar por tranquilo e satisfeito com o que tem escutado. E o pior desafio que a Europa poderia vira a ter pela frente, neste período de crise e falta de rumo, seria ter de se preocupar em reconstruir a sua aliança defensiva – seja por motivos próprios seja por causas que lhe sejam estranhas. Era tudo o que a Europa menos precisava. Daí que, nos tempos mais próximos, talvez não seja perder tempo mantermo-nos atentos ao que, neste plano, também vier a ocorrer.