A questão da futura composição da Comissão Europeia também foi objeto de discussão no último debate quinzenal na Assembleia da República com o Primeiro-Ministro. António José Seguro, também ele entrincheirado entre a guerra interna em que se acha envolvido e a oposição que lhe incumbe fazer ao Governo, suscitou o problema e veio defender – como António Costa já o fizera há duas semanas – que o próximo Comissário Europeu deveria ser “negociado” entre o governo e o maior partido da oposição, sugerindo implicitamente que deveria caber a este indicar alguém para o cargo. O argumento aduzido foi simples – em Portugal foi o Partido Socialista que ganhou as últimas eleições europeias. Com base nesse pressuposto, Seguro entende que deve caber ao PS nomear o português que integre o próximo colégio de comissários. A argumentação parece colher. Acontece que, como em muita coisa na vida, nem sempre o que parece, é. Dito de outra forma – se o argumento de Seguro e Costa parece colher, pelo menos no plano lógico, impõe-se saber onde levaria a sua aplicação se o mesmo fosse coerentemente aplicado. Olhando para o mapa dos resultados das últimas eleições para o Parlamento Europeu, acolher a tese de Seguro em matéria de composição da próxima Comissão Europeia, isso significaria, por exemplo, que o comissário francês teria de ser oriundo da Frente Nacional e nomeado pela Sra Marine Le Pen e que o Comissário britânico teria de ser originário do UKIP e nomeado pelo Sr Nigel Farage…. Tanto em França como no Reino Unido, foram a FN e o UKIP que venceram as eleições para o Parlamento Europeu. Aceitar como bom o argumento de Seguro de que o próximo comissário europeu português deverá ser indicado pelo Partido Socialista porque foi o PS a vencer as eleições para o Parlamento Europeu significará, inelutavelmente, defender a abertura da próxima Comissão Europeia à extrema-direita europeia. É o que resulta, inelutavelmente, do critério apresentado por Seguro. Prestando-lhe a justiça de pensar que não é isso que o líder do Partido Socialista pensa, defende ou deseja, talvez não possa deixar de se considerar o quão aligeiradamente e displicentemente continuam a ser tratados os assuntos e as matérias de política europeia entre nós, mesmo por quem tem ou teria o dever e a obrigação de lhe dedicar mais atenção e mais estudo. E, sobretudo, de avaliar em toda a sua extensão as consequências das propostas que são apresentadas.
Quando parece adquirido que a próxima Cimeira do Conselho Europeu conseguirá encontrar base consensual necessária para indicar o luxemburguês Jean-Claude Juncker para Presidente da Comissão Europeia – mau grado as reticências que continuam a ser levantadas em Londres por David Cameron, entalado entre uma oposição trabalhista tradicionalmente pró-europeia e os seus próprios aliados liberais também marcadamente pró-europeus e uma opinião pública cada vez mais adversa à continuidade britânica na Europa da União, a última das quais, diz-se, poderá vir a ser a proposta no sentido de a indicação a efetuar pelo Conselho Europeu seja precedida de uma votação formal por voto secreto – o debate seguinte que irá estar em cima da mesa europeia prender-se-á quer com a nomeação do futuro Presidente do Conselho Europeu, substituto de Herman van Rompuy, quer com a composição da própria Comissão Europeia. Ambos os temas foram objeto de debate no nosso panorama político interno na semana que terminou.
Aproveitando uma conferência do Partido Popular Europeu no Algarve, foi deixada passar a informação que Pedro Passos Coelho teria lançado o nome de Durão Barroso na corrida à sucessão de Rompuy. Percebe-se a lógica política do alvitre, admite-se, até que o mesmo pudesse concitar um ou outro apoio pontual, não se exclui que a própria Alemanha de Merkel não colocasse especiais dificuldades à nomeação de quem, enquanto Presidente da Comissão, nunca se lhe opôs nem ousou enfrentar os seus principais desígnios. Acontece que, cedo embora para já se fazer um balanço sério da sua liderança à frente do executivo comunitário durante dez anos e dois mandatos, Durão Barroso não consegue sair incólume, no seu prestígio, na sua força política, da sua passagem pela liderança do executivo comunitário. A mais grave crise que a União Europeia conheceu na sua história, e da qual se está a recompor a uma velocidade exasperantemente lenta, atingiu em cheio e marcou de forma indelével o seu mandato. A secundarização a que se submeteu ou deixou que o submetessem – a ele e à Comissão Europeia – em benefício do Conselho Europeu (rectius: dos Estados-membros da União Europeia) ficará para sempre colada à imagem dos seus mandatos. Em termos muito objetivos e pragmáticos, não parece capaz de reunir o favor dos Estados-Membros e concitar o voto favorável do Conselho Europeu. Decerto: não nos esquecemos que, aquando da sua escolha para Presidente da Comissão Europeia, há dez anos, Barroso foi a enésima escolha efetuada e apenas aquele que conseguiu assegurar e ser o menor denominador comum entre a multiplicidade de interesses cruzados em presença no Conselho Europeu. Não parece, contudo, que a situação presente seja comparável há de dez anos e a escolha possa vir a repetir-se. Não tardará a saber-se o veredicto final dos chefes de Estado e de governo dos vinte e oito.