Em termos europeus, em muitos países, nomeadamente em Portugal, praticamente dois em cada três cidadãos viraram as costas ao ato eleitoral e recusaram-se a participar na elei­ção da única instituição europeia eleita por sufrágio direto, secreto e universal. Na Eslová­quia, por exemplo, votaram 13% dos eleitores! Sim – 13%. É uma constante que conti­nua a afirmar-se e que deve levar os responsáveis europeus a meditarem e refleti­rem muito seriamente sobre o futuro do próprio projeto europeu. Sob pena de o mesmo poder es­tar definitivamente comprometido. A construção da unidade europeia ou consegue envol­ver a cidadania ou, se restrita às elites, deve ter-se por condenada a prazo não muito longo.
Com os resultados conhecidos, à dimensão europeia, a grande ilação a retirar-se do ato eleito­ral resulta no estreitamento dos partido do centro clássico europeu – o PPE conti­nua a ser o maior partido do Parlamento Europeu; o Partido Socialista Europeu continua a ser o segundo partido mais votado. Ambos, porém, perderam votos e, portanto, no seu con­junto, possuem uma representação diminuída na Assembleia de Estrasburgo.
Como contrapartida e consequência, assistimos ao reforço dos extremismos – quer à es­querda, quer à direita. São propostas geralmente radicais, antieuropeias, eurocéticas, de pen­dor ideológico diversificado mas que convergem em muitas soluções concretas que afe­tam e atacam a essência do projeto europeu tal qual o conhecemos e o vivencia­mos (da moeda única à livre circulação de pessoas, por exemplo).
Há exemplos marcantes desse reforço extremista – em França, a Frente Nacional de Ma­rine Le Pen obtém mais de 25% dos votos, a UMP gaulista fica-se pelos 20% e os socialis­tas do Presidente Hollande e do Primeiro-Ministro Manuel Valls não atinge, sequer, os 15%. Algo de qualitativamente semelhante, ainda que não atingindo a mesma expressão numé­rica, ocorreu na Áustria, na Dinamarca, no Reino Unido. E também na Grécia.
Grécia que, continuando a ser um Estado intervencionado pela troika, puniu fortemente os par­tidos centristas e moderados pró-europeus (nomeadamente a Nova Democracia e o PASOK) em benefício dos partidos extremistas: a Aurora Dourada, à direita, e o Syriza, à es­querda, que conseguiu vencer o partido de Samaras.
A acrescer a tudo isto – uma pulverização de populismo e candidaturas de difícil enquadra­mento que apenas contribuirão para pulverizar, descaracterizar e descredibili­zar o próprio Par­lamento Europeu.
Daqui resultará, com toda a certeza, acrescida dificuldade em formar a próxima Comis­são Euro­peia. Decerto: Jean-Claude Juncker, na qualidade de candidato do maior partido do Parla­mento Europeu já veio recordar a sua legitimidade para o cargo. Faltam, porém, dois “por­menores” essenciais: ser indicado por 2/3 dos governos dos Estados-Membros da União e, sobretudo, conseguir reunir no Parlamento Europeu os votos necessários à sua elei­ção. Se a primeira condição poderá ser tida por menos difícil de atingir, já a elei­ção pelo Parlamento Europeu exigirá um mínimo de 376 votos numa Assembleia onde o PPE dis­porá apenas de cerca de 212 deputados (os números definitivos ainda não estão apu­ra­dos no momento em que este texto é escrito). E, tendo os partidos socialista e libe­ral candida­tos próprios ao cargo, não se deverá dar por adquirido que seja linear qual­quer acordo entre os democratas-cristãos e qualquer outro dos seus tradicionais alia­dos. Mais logo os chefes de Estado e de governo dos 28 vão jantar em Bruxelas. É de su­por que este seja o prato principal do menu.
No que a Portugal diz respeito, e se é verdade que estas eleições não deixaram de ter uma lei­tura política interna, então também várias conclusões se poderão formular.
Desde logo – o Partido Socialista venceu as eleições; o PSD/CDS perderam as eleições. Ocorre, porém, que o PS ganhou as eleições com o mais escasso resultado que lhe era exi­gido obter ao passo que o PSD/CDS perderam as eleições com o menor resultado al­guma vez obtido por ambos os partidos. Isto é: a “direita” sofre derrota estrondosa que Se­guro não capitaliza nem aproveita. Seguro volve-se, assim, no maior seguro da coliga­ção de di­reita.
Quer isto dizer que o eleitorado quis punir a coligação de governo responsável pelo austerita­rismo dos últimos anos; mas não deu mostras de ser desmemoriado e lembra-se bem quem conduziu o país ao estado a que ele chegou e quem, inclusivamente, cha­mou a troika.
Significa isto uma evidência: se estes resultados fossem transpostos para eleições legislati­vas, o país estaria, a esta hora, ingovernável. Cenário negro, portanto.
Mas há três notas de relevo que, igualmente, não podem deixar de ficar registadas.
Por um lado, o Bloco de Esquerda trilha, de forma sustentada a sua cruzada para o esta­tuto de partido irrelevante e dispensável. O Livre, partido unipessoal resultante da cisão do BE, alcançou praticamente metade dos votos do BE. Isto diz tudo da sua sustentabili­dade e da sua relevância.
Mas houve óbvios vencedores desta eleição, se encaradas no puro plano nacional: a CDU e Ma­rinho e Pinto.
A CDU deu mostras de trilhar caminho inverso ao do BE, retomando lentamente o cami­nho da sua sustentabilidade.
Marinho e Pinto arrendou um partido político, sem qualquer máquina ou implantação, fez-se à estrada, gritou o que muito eleitorado contestatário queria escutar e foi eleito depu­tado europeu. Sem que se lhe conheça uma linha de pensamento ideológico ou doutriná­rio sobre questões europeias. E isso talvez diga tudo sobre a forma como estas elei­ções fo­ram encaradas e vividas.
Para terminar esta breve análise, mas porque é de eleições europeias que estamos a falar (ape­sar de frequentemente não o ter parecido) e por muito politicamente incor­reto que seja afirmá-lo, acabei de assistir à noite eleitoral com uma verdadeira “dúvida exis­tencial”: se pensarmos que, até 1979, o Parlamento Europeu era composto por deputa­dos eleitos indire­tamente pelos Parlamentos dos Estados-Membros, não sei se, na altura, a sua verda­deira legitimidade democrática não seria superior àquela que atual­mente reclama e reivin­dica….