Um dos elementos mais preocupantes da grave crise que começou a afectar a União Europeia a partir de 2008 prendeu-se com os problemas estruturais que conheceu o sector bancário em muitos Estados da União e, também e sobretudo, a estreita ligação existente entre as dívidas bancárias e as dívidas soberanas ou dos Estados-Membros. Foi para quebrar esta relação estreita (responsável, por exemplo, pelos resgates mais ou menos encapotados a Espanha e ao Chipre) que desde cedo pareceu consensual a necessidade de concluir uma verdadeira união bancária, no âmbito da união económica e monetária. A união bancária assumiu-se, assim, como um pilar fundamental da UEM que se impunha desenvolver e concluir – que começou a ser negociada entre os Estados-Membros no quadro do Conselho para, de seguida, transitar para aprovação por parte do Parlamento Europeu. Ocorreu, todavia, o que era expectável e acabou por se confirmar – o acordo alcançado no quadro do Conselho, encerrando dura disputa entre a Alemanha, por um lado, e a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, a França e a Itália, por outro, veio, na prática, consagrar em absoluto as teses defendidas pela Alemanha, em detrimento de uma visão mais integradora e comunitária perfilhada pela Assembleia de Estrasburgo.
Em causa está, essencialmente, um dos principais aspectos da referida união bancária: o novo mecanismo consensualizado pelos Ministros das Finanças para a resolução de bancos (terminologia do jargão comunitário que pretende abranger as situações de reestruturação ou liquidação de bancos falidos). Desde logo, no que diz respeito ao âmbito de aplicação do acordo alcançado, a Alemanha conseguiu um dos seus objectivos fundamentais – o mesmo apenas será aplicado a cerca de 130 bancos europeus (num universo que ultrapassa os 6000 bancos em toda a União), aqueles a quem se atribui uma importância “sistémica”, deixando de fora do processo de resolução europeia os seus bancos estaduais que continuarão a depender em exclusivo do seu controlo nacional.
Por outro lado, o acordo alcançado no âmbito do Conselho prevê a criação de um mecanismo europeu que suporte os custos resultantes da reestruturação ou liquidação de bancos falidos – que operará após responsabilização dos acionistas, dos credores preferenciais e dos grandes depositantes responderem por um mínimo de 8% do valor dos ativos do banco a reestruturar ou liquidar – que, todavia, apenas deverá estar integralmente realizado em 2026, altura em que será dotado de um capital de 55MM€. Até essa data, até o referido fundo estar dotado da totalidade do seu capital, se surgir alguma situação de risco com algum banco de um Estado-Membro, será o contributo com que cada Estado for contribuindo para o capital do mesmo que terá a responsabilidade de “responder” ou “salvar” o referido banco. Mostrando-se insuficiente a verba em causa, é ao Estado-Membro onde o mesmo se localizar que deverá que competirá alocar as verbas em causa, mesmo que à custa da sua dívida pública. Ora, com esta previsão, fica inviabilizada – pelo menos até 2026 – a quebra entre as dívidas bancárias e as dívidas soberanas. Aquele que era um dos principais objectivos da união bancária fica definitivamente comprometido. Por outro lado, este novo mecanismo, também por imposição alemã, assentará a sua estrutura de decisão num “conselho de resolução” onde estarão representados os representantes das autoridades nacionais e, em última análise, a palavra final sobre as suas decisões caberá sempre aos Ministros das Finanças da zona euro. E a sua matriz jurídica será prevista num tratado intergovernamental, a assinar pelos Estados-Membros da zona euro, à margem da legislação e do quadro jurídico comunitário – replicando o modelo já utilizado quer para o Tratado que instituiu o Mecanismo Europeu de Estabilidade quer para o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na UEM. Ou seja, na sua essência, estaremos ante um processo eminentemente intergovernamental que se estruturará por completo à margem das instituições comunitárias. Parecendo questão de somenos e menor, há implicações técnicas e jurídicas de relevo resultantes da opção escolhida. Uma delas prender-se-á, naturalmente, com a possibilidade de o Tribunal de Justiça da União Europeia controlar, ou não, o respeito pelas normas do novo Tratado a negociar e a assinar.
No fundo e na prática, até 2026, o fundo de resolução bancária, supostamente pedra angular da união económica e monetária, mais não será do que a soma de um conjunto de fundos nacionais. Uma vez mais, a visão comunitária e integradora aparece-nos muito distante das decisões tomadas em Bruxelas, no quadro do Conselho da União Europeia.
E este facto veio permitir evidenciar um novo braço-de-ferro entre o Conselho da União e o Parlamento Europeu – donde, imediatamente, começaram a surgir os sinais indicativos da discordância da eurocâmara face ao que havia sido deliberado em sede de Conselho. Elisa Ferreira, a eurodeputada portuguesa que coordenou os trabalhos da Assembleia Parlamentar nesta matéria, foi assertiva: “O que queremos é que os contribuintes não sejam envolvidos nisto, mas também não queremos que um banco tenha diferentes condições de sobrevivência conforme está situado num Estado como o alemão ou holandês, português ou grego. Se temos uma supervisão única e um mercado interno [europeu], temos de ter condições semelhantes para operar uma resolução independentemente do sítio onde o banco está localizado. Senão estamos a regressar à estaca zero de onde quisemos sair”. Era difícil dizer mais e melhor.
Decerto – o facto de a decisão final sobre esta matéria depender do acordo do Parlamento Europeu deixa no ar a esperança de o projeto saído do Conselho da União poder ser alterado e corrigido. De contrário, a União terá perdido mais uma oportunidade num domínio tão sensível e tão determinante como a união bancária, pilar fundamental da união económica e monetária que já se viu carecer de urgente aperfeiçoamento. Uma vez mais será para o Parlamento Europeu que se virará a esperança de quem preconiza um modelo mais comunitário de aprofundamento do projeto europeu.