Numa das suas mais recentes aparições televisivas o Professor Adriano Moreira alertou quem o quis ouvir para duas ideias que retive e me parece merecerem meditação. Decerto: sou suspeito na matéria por dois motivos – em primeiro lugar, por considerar que o Doutor Adriano Moreira constitui o exemplo acabado de um Português de exceção que passou ao lado duma grande, duma enorme!, carreira política. O modelo do Presidente da República que Portugal um dia deveria ter tido. Infelizmente, para o país, o seu tempo político parece que andou desencontrado com o tempo histórico e político da Pátria. Um tempo tríbulo, desencontrado, como o próprio uma vez o definiu a propósito de coisa bem diferente. Em segundo lugar, por ter sido seu discípulo académico, beneficiando da sua orientação científica, e sendo-lhe devedor da honra de ter aceitado prefaciar o que considero ter sido o mais completo dos livros que até hoje escrevi, não por acaso justamente sob sua orientação.
Deixadas estas notas, retomo à intervenção de Adriano Moreira onde nos foram deixadas duas inquietantes reflexões – a primeira, questionando-se sobre se o Estado, vítima de todos os ataques que lhe têm sido dirigidos, sobretudo à sua função social de protetor dos mais fracos, dos mais débeis e dos mais carenciados, ainda será a forma mais adequada de as sociedades se organizarem do ponto de vista política; ou se, pelo contrário, não estaremos na antecâmara de um momento de ruptura e viragem em que novas formas de organização política da sociedade acabarão por se impor e concitar o benefício e o favor dos cidadãos. É tema que apenas fica enunciado porque mereceria análise e desenvolvimento mais detalhado.
A segunda reflexão prendia-se com a convicção de que, hoje, um pouco por todo o velho Continente, a ideia de Europa se encontra em acentuado declínio e estertor, face à emergência de doutrinas e princípios profundamente anti-europeus. É tempo de recordar que a Europa que conhecemos, em que vivemos e a cujo declínio acentuado estamos a assistir, gerada e germinada nos calabouços da resistência ao nazismo e aos comunismo – o célebre europeísmo da resistência que terá no manifesto de Ventotene o seu principal ex-libris – foi fruto dum acordo, dum pacto, dum entendimento surgido no pós segunda-guerra mundial entre a democracia-cristã (de Adenauer, de Gasperi, Schuman e tantos outros) e o socialismo democrático (que depois passou a envergonhar-se de o ser e a denominar-se de social-democracia de homens como Monnet ou Paul-Henri Spaak). Recordemo-lo e afirmemo-lo sem tabus nem receios – com uma ou outra exceção, nacionalistas, conservadores, liberais, comunistas e, duma maneira geral, radicais extremistas (de esquerda ou de direita) nunca simpatizaram com o projeto europeu e pouco deram para tal peditório.
Ora, em época de profunda crise de valores e de princípios, de aparente triunfo dum pseudo-pensamento único, quando parece que as próprias ideologias se conformam com o decretamento da sua extinção, em nome de outros valores e outros princípios, da obediência a outros poderes que ninguém escolheu ou elegeu – quando toda esta revolução caminha tranquilamente sob os nossos olhos que, impotentes, vemos os factos sucederem-se mas nos declaramos impotentes para os travar, uma das primeiras vítimas é, mesmo, a ideia de Europa. Porque assente em valores de humanismo e personalismo, de solidariedade e subsidiariedade, de justiça social e de intervenção estatal na economia onde, sempre e quando tal se justifique. Esta ideia de Europa que se vai desfazendo está, paradoxal e hipocritamente, a ser desmantelada em nome dessa mesma Europa – alargando-a, multiplicando as suas instituições, tornando-as lentas a decidir e quase inúteis, fazendo retornar aos Estados nacionais o centro das decisões. É uma estratégia bem montada, alicerçada um discurso politicamente apelativo e atraente, frequentemente eivado dum populismo extremo, e na qual muitos, ingenuamente, estão a participar e para a qual estão a contribuir. Ao mesmo tempo que isto sucede alguns, poucos, vão-no denunciando como podem e à medida que o podem fazer. O título que encima estas linhas, retirado dum artigo recente escrito por autor italiano, permite evidenciar que, apesar da estratégia estar bem montada e em plena execução, há por essa Europa fora quem dela já se tenha apercebido e não se canse de a denunciar, de a combater e contra ela se afirmar.
2014 vai ser ano de eleições para o Parlamento Europeu – o assunto, por certo, também vai motivar muita opinião e muito debate. Para já, cinjamo-nos a formular o desejo de que possa ser esse, também, mais um momento de combate pelos valores que estruturaram a Europa e que tão em crise têm sido postos. Como tenho repetido várias vezes, o Mundo (e em particular o Ocidente de que a Europa foi matriz) tem os olhos postos na Europa porque sabe que não a pode dispensar. Mas, seguramente, não vai ficar parado à espera que a Europa resolva os seus problemas e desempenhe o papel que esse mesmo Mundo dela espera e dela reclama.