Numas eleições presidenciais que ultrapassaram, em muito, o seu significado estritamente nacional, os EUA votaram, o mundo escolheu e Barack Obama ganhou. Quando a generalidade dos balanços sobre os efeitos de tal vitória começam a surgir nos mais diferentes quadrantes políticos e de opinião pública e publicada, impõe-se reflectir sobre algumas das suas possíveis consequências e sobre as principais alterações que a nova política de Washington poderá vir a conhecer – circunscrevendo-nos, naturalmente, às questões de política externa porquanto é dessas que devemos curar, porquanto são essas que mais directamente nos podem afectar ou atingir, e por que para falar da política interna norte-americana confiemos que ainda chegam e bastam os próprios norte-americanos.
A primeira nota a merecer um registo especial parece ser a de que se as sondagens haviam indiciado um amplo, vasto e profundo movimento de mudança nos EUA, esse desejo teve tradução prática nos resultados eleitorais conhecidos. E, a crer na generalidade das análises que foram e vão sendo produzidas, estendeu-se também para além das fronteiras norte-americanas onde, tudo indica, Obama também teria ganho se tivesse ido a votos. Não foi a votos, não foi eleito, mas foi o escolhido, mas foi o preferido.
O segundo aspecto a reter é o de que – queira-se ou não, goste-se ou não – aparece associado à eleição de Obama um profundo sentimento de esperança. Esperança num mundo novo e melhor, num messianismo que é típico das épocas conturbadas como aquela em que vivemos. Obviamente que a prudência manda baixar as expectativas e dosear as aspirações, para que a desilusão não se venha a fazer sentir num imediato mais breve do que será normal. É que em política externa e no campo das relações internacionais as mudanças não são rupturas, as alterações não são revoluções e os efeitos das mudanças levam o seu tempo a fazerem-se sentir. Este é, porventura, um daqueles exemplos típicos em que, como ensina Adriano Moreira, o tempo acelerado em que vivemos não coincide com o tempo social das reformas. Não se esperem, pois, para amanhã, mudanças na política externa dos EUA, pois não será já no imediato que novos amanhãs cantarão.
Há, todavia, e isso parece inquestionável, a convicção de que se abre uma nova era nas relações internacionais – e que essa era será caracterizada, sobretudo, por um regresso dos EUA aos princípios do direito internacional e da multilateralidade, rompendo com as aventuras unilaterais da administração de George W. Bush que, em várias latitudes do globo (o Iraque é o caso mais paradigmático) conduziu os EUA para autênticos «becos sem saída» – sobretudo numa fase de acentuada crise económica e financeira mundial, em que só os princípios da cooperação multilateral podem ajudar a resolver os problemas emergentes.
Da mesma forma e por igual, parece adequado recuperarem-se os sonhos de abandono das tentações de criação de uma república imperial em que, com frequência, a administração norte-americana cessante pareceu cair – arrogando-se o direito de se assumir como polícia do mundo, mas um especial tipo de polícia, daqueles que, não raro, actuam à margem da própria legalidade e exercem a sua função sem mandato expresso e bastante que a tanto autorizasse.
Numa palavra – é indissociável desta eleição a expectativa de que os EUA saibam colocar a sua incomensurável superioridade tecnológica e militar ao serviço dos valores do ocidente, actuando com firmeza quando tal se impuser mas sempre dentro do quadro da legalidade internacional que é um princípio estruturante do legado político do ocidente de que os EUA são parte integrante mas que parece ter sido esquecido em momentos bem recentes da sua história. A participação na reforma de algumas das principais instituições internacionais – a começar pela ONU – será oportunidade de excelência para a afirmação desta nova postura.
E no que à Europa diz respeito? Por muito que isso possa custar a alguns, quem acompanhou as eleições norte-americanas e as principais propostas dos dois candidatos apercebeu-se de uma inevitabilidade: a Europa não está no topo das prioridades de Obama. Os motivos são vários e distintos – mas os EUA continuam a ser para a Europa muito mais relevantes em termos de política externa do que a Europa o é para os próprios EUA. Washington tenderá, seguramente, a focalizar as suas prioridades e as suas atenções noutras zonas do globo – no triângulo Afeganistão-Iraque-Irão, por motivos óbvios (a que se pode vir a juntar o Paquistão); nas economias emergentes mas fortemente dimensionadas da China (um dos principais credores da dívida externa dos EUA) e da Índia; e na região do Pacífico. Em termos estritamente europeus não parece arriscado supor que a tendência apontará para o fortalecimento de laços bilaterais com alguns dos principais Estados da Europa da União, desvalorizando esta enquanto tal – sobretudo enquanto as suas regras próprias não a dotarem da possibilidade de ter uma política externa coesa e coerente que lhe permita falar a uma só voz. Em síntese, se a União Europeia como tal se quiser fazer escutar pela nova administração de Washington, terá de previamente se reformar, de aprofundar a sua integração e dotar-se das instituições necessárias ao estatuto de parceiro de diálogo confiante e credível. Mas esse é o desafio da Europa.