Não restam hoje quaisquer dúvidas sobre o carácter sistémico e global da crise económica e financeira que atingiu os mercados e as economias do mundo inteiro nesta segunda metade de 2008. Face à dimensão da crise, considerada por muitos já como mais grave que a célebre crise de 1929, seria de esperar que os remédios para lhe fazer face fossem buscados, predominantemente, num quadro de multilateralidade internacional que sentasse à volta de uma mesma mesa os dirigentes das principais econo­mias mundiais, das princi­pais organizações internacionais de cariz político-económico e todos os demais actores deste mundo globalizado que pudessem contribuir para encontrar as melhores soluções para fazer face a tão grave crise. A reali­dade, porém, encarregou-se de nos demonstrar algo de substancialmente diferente. Houve tentativas para encontrar res­postas multilaterais – mas das cimeiras conhecidas resultaram declarações pouco mais que inócuas, repositórios de boas intenções, de escassa e duvidosa utilidade prática. E, pelo contrário, a resposta tem sido, ainda, procurada isolada e individual­mente por cada Estado, recorrendo dentro do possível aos mecanismos que cada um ainda tem ao seu dispor. Aqui, baixam-se impostos; ali, aposta-se no investimento público; acolá dão-se avales estatais; além, nacionalizam-se bancos. A resposta sistémica, mul­tilateral, global e coe­rente – essa, continua por dar. A contradição resulta evidente – numa altura em que grande parte dos Estados, sobretudo os da Europa da União que integram a «euro zona», se encontram desprovidos de muitos instrumentos que lhes permitam actuar sobre a economia (por­que os transferiram para o BCE no quadro da criação da moeda comum europeia), são ainda as respostas individuais que são tentadas em lugar das respostas globais e coordenadas, de feição multilateral, que se impo­riam.
Na passada semana a Comissão Europeia – depois de muito criticada pelo silêncio a que se remetera face aos problemas emergentes e acusada de se deixar subalternizar pela presidência de turno exercida pelo Presidente Sarkozy – tentou inverter a situação e desenhou um esboço de resposta europeia às dificuldades que, sendo mundiais, não deixam de atingir a União Europeia de forma particular­mente vigorosa. Atendendo, porém, a que estamos em domínios onde as competências permanecem dos Esta­dos e não estão comunitarizadas, Durão Barroso e seus pares apenas tive­ram a possibilidade de dirigir uma comunicação ao Conselho Europeu onde elencaram um conjunto de medidas diversificadas, de diferente recorte e diversa natureza, cuja adopção foi sugerida aos Esta­dos-Mem­bros, e que no seu conjunto atingiam o valor global de 200 MM€ (dos quais, repare-se, apenas cerca de 30 MM€, cerca de 15% do valor total do Plano, sairiam do orçamento comunitário, cabendo o restante aos orça­mentos dos diferentes Estados-Membros). Se pensarmos que, só o governo portu­guês, por sua própria iniciativa, se responsabilizou por avali­zar empréstimos con­traídos no estrangeiro por bancos nacionais até ao montante de 20 MM€ (10% do valor total do Plano Barroso) teremos uma ideia precisa da escassa dimensão e reduzida ambição do Plano Barroso.
Aqui chegados, impõe-se uma reflexão que não pode deixar de ficar evi­denciada – e ela tem que ver, uma vez mais, com a quase completa ausência de meios e de mecanismos que permitam à organização euro­peia uma resposta eficaz e coerente a situações de emergência e grave crise económica e financeira. À semelhança do que acontece noutros domínios – e cite-se, a título meramente exemplificativo, as áreas da defesa, da segurança ou da política externa – as instituições comuns da União continuam desprovidas de meios e mecanismos que lhes permitam actuar de uma forma concertada e sistémica perante desafios e situações de emergência que possuam um alcance global. Nessas situações-limite, é ainda com respostas estaduais – e por isso não raro contraditórias entre si – que a Europa da União tem de lidar. Se há lição que esta crise económica e financeira global deve dar à própria União Europeia, é que também neste domínio o que há menos é integração europeia e que o que falta são mecanismos que lhe permitam actuar com mais competência e de uma forma mais expedita. Ficar à espera que crises globais sejam resolvi­das individual e isoladamente pelos Estados europeus é método que ainda não provou as suas vantagens.