by João Pedro Simões Dias | Abr 27, 2014 | Diário
quando eu morrer murmura esta canção
que escrevo para ti. quando eu morrer
fica junto de mim, não queiras ver
as aves pardas do anoitecer
a revoar na minha solidão.
quando eu morrer segura a minha mão,
põe os olhos nos meus se puder ser,
se inda neles a luz esmorecer,
e diz do nosso amor como se não
tivesse de acabar, sempre a doer,
sempre a doer de tanta perfeição
que ao deixar de bater-me o coração
fique por nós o teu inda a bater,
quando eu morrer segura a minha mão.
[Vasco Graça Moura, in “Antologia dos Sessenta Anos”]
by João Pedro Simões Dias | Abr 24, 2014 | Diário
Era muito mais do que um amigo. Que descanse em paz.
João Lopes Porto, fundador do CDS, ministro da Habitação e Obras Públicas do governo da Aliança Democrática e antigo director-geral da Metro do Porto, morreu na quarta-feira, aos 73 anos, vítima de doença prolongada. “Recordamos, perante a notícia triste da sua morte, o Professor Engº João Lopes Porto. Fundador do CDS e primeira figura centrista no Porto, onde fundou e dinamizou o partido, João Porto foi deputado, secretário de Estado e ministro da habitação e obras públicas no Governo de Sá Carneiro e Amaro da Costa”, lembrou Paulo Portas. O também vice-primeiro-ministro evocou igualmente João Lopes Porto como “professor e pedagogo”, responsável pela formação de “milhares de alunos que recordam o seu espírito analítico e entusiasmo dedicado ao ensino”. “A sua última aula, há três anos na FEUP, teve tema e mote apropriado à sua própria vida: “Engenharia e Humanismo'”, lembrou.
by João Pedro Simões Dias | Abr 22, 2014 | Diário de Aveiro
Nesta Europa que não raro parece dar mostras de evidente desnorte e de lamentável relativismo ético, filosófico e político, são escassas as vozes que se impõem e que merecem ser escutadas, pelo pensamento estruturado e coerente que produzem, pelos alertas que vão lançando, pelas denúncias que não se cansam de produzir e, mais importante, pelos caminhos de futuro que preconizam, volvendo-se em faróis de esperança para todos aqueles que não se contentam em contemplar a espuma dos dias e pretendem ver para além dela. O fenómeno é transversal, ocorre um pouco em todas as latitudes, e é isso que o torna gravoso e merecedor de reflexão. Entre nós, para além da auctoritas de Eduardo Lourenço ou de Adriano Moreira, raros são – admitindo que existem – as vozes que merecem ser escutadas e que se impõem pela força dos seus argumentos e pela razão da sua palavra. Escasseiam os que sabem falar ao ouvido do principie. Escasseiam os que, um dia, Adriano Moreira qualificou como “projetistas da paz”.
Há poucos dias, porém, uma dessas escassas vozes que ainda se ouvem e escutam por essa Europa fora esteve entre nós. Fruto da época, a sua passagem passou quase despercebida e a mensagem que nos deixou ocupou muito menos espaço mediático e muito menos atenção do que aquela que, seguramente, mereceria – referimo-nos a Ulrich Beck, catedrático na Universidade de Munique e da London School of Economics, que ganhou acrescida visibilidade por ocasião da publicação entre nós do seu último livro com o título em português “A Europa Alemã – De Maquiavel a «Merkievel». Estratégias de Poder na Crise do Euro” [Edição Almedina, 2013]. Ulrich Beck foi a principal presença no VIII Congresso Português de Sociologia, que decorreu na Universidade de Évora – e, como é seu apanágio e timbre, não deixou os seus créditos por mãos alheias, quer refletindo profundamente sobre a presente realidade europeia quer interpelando diretamente as consciências que os escutaram ou dos que tiveram acesso à sua intervenção.
Meditando sobre a realidade que nos cerca, deixou enunciada aquela que talvez seja a mais pertinente das questões que se podem formular à Europa que se está a construir e para a qual ainda não foi dada nem encontrada a resposta adequada: “como pode a Europa assegurar a paz e a liberdade no continente europeu face às velhas e às novas ameaças e, consequentemente, conquistar o apoio dos eurocéticos para um novo sonho europeu?”.
Com a terrível simplicidade das coisas complexas – e só os verdadeiros génios conseguem reduzir à sua máxima simplicidade as questões verdadeiramente complexas – Beck pôs o dedo na ferida e identificou na perfeição aquele que é o verdadeiro desafio que a Europa, e sobretudo a Europa da União, tem pela frente: captar e conquistar para o seu projeto e para a sua causa todos aqueles que já nele descreem, que já nele não acreditam, que já dele desconfiam.
Este é o desafio que a União Europeia tem pela frente e para o qual urge encontrar uma resposta. De acordo com o velho princípio segundo o qual nenhum projeto político, nenhuma forma política de organização da sociedade, consegue estruturar-se “de cima para baixo”, da cúpula para a base, das elites para os cidadãos. Dito de outra forma: se a União Europeia – esta União tantas vezes apressadamente identificada como herdeira, sucessora ou continuadora do mítico projeto europeu do pós-segunda guerra mundial que nos anos cinquenta do século passado permitiu reconstruir o velho continente dos escombros, e outras vezes que tão rapidamente se pretende coincidente com toda a Europa – pretende permanecer como um projeto de esperança, paz e liberdade e uma referência para o Velho Continente, não pode suscitar a desconfiança e rejeição que continua a suscitar em largas franjas de cidadãos europeus.
Os tempos que se aproximam serão, inevitavelmente, tempos de escolha e de opção. E essas escolhas e opções não podem passar ao lado da questão central que serviu a Beck para elaborar o seu diagnóstico sobre a situação atual com que se debate a Europa e, dentro do velho continente, a Europa da União.
Também essa questão deverá marcar e ser central no debate que em breve se iniciará a propósito da campanha eleitoral para as próximas eleições para o Parlamento Europeu. O escrutínio a que os programas e as propostas que vão surgir vão ser sujeitos deverão, forçosamente incluir este tema nuclear – como pode a Europa assegurar a paz e a liberdade para os seus cidadãos no continente europeu face às velhas e às novas ameaças e, assim, ganhar os eurocéticos para a causa, o sonho e a nova utopia do projeto europeu?
A questão tem tanto de incontornável como de relevante. Da resposta que lhe for dada, nomeadamente por parte dos que vierem a ser eleitos para a próxima legislatura da assembleia de Estrasburgo, irá depender, em grande parte, o sucesso próximo desse mesmo projeto europeu.
by João Pedro Simões Dias | Abr 15, 2014 | Diário de Aveiro
Passou praticamente ao lado da atenção mesmo da comunicação social especializada o primeiro debate travado na passada semana entre os dois principais candidatos ao cargo de Presidente da Comissão Europeia: o luxemburguês Jean-Claude Junker – que foi durante quase 19 anos Primeiro Ministro do Luxemburgo e oito anos Presidente do Eurogrupo, apoiado pelos democratas-cristãos e conservadores do Partido Popular Europeu – e o alemão Martin Schulz – actual Presidente do Parlamento Europeu desde 2012, apoiado pelos socialistas e sociais-democratas do Partido Socialista Europeu.
Se a atenção que entre nós foi dada e dispensada ao primeiro debate entre os aspirantes àquele que, incontestavelmente, é reconhecido como um dos mais importantes e relevantes cargos internacionais que existem – o de Presidente da Comissão Europeia – corresponder ao interesse que as próximas eleições europeias vão suscitar entre os nossos concidadãos, teremos razões de sobra para temer muito seriamente sobre o índice de participação cívica no referido ato eleitoral. Decerto: não será nas próximas eleições europeias que será escolhido diretamente pelos europeus – como, penso, deveria suceder – o próximo Presidente da Comissão Europeia. Este, será eleito pelos membros do Parlamento Europeu que vão ser escolhidos no próximo dia 25 de maio após proposta que lhes será apresentada pelo Conselho Europeu. Serão pois, em primeira linha, os chefes de Estado e de governo dos 28 Estados-Membros da União Europeia quem apresentará à Assembleia Parlamentar europeia o nome do candidato a Presidente da Comissão, cabendo ao Parlamento Europeu aprovar (ou recusar) tal proposta. É um processo complexo – como complexos são, por regra, todos os processos decisórios europeus – em matéria onde devia imperar a simplicidade e a transparência. Infelizmente, a União Europeia ainda não atingiu tal grau de maturidade política. Adiante.
O debate em causa, porém, teve alguns contornos relevantes e que devem merecer reflexão e alguma meditação. Ao contrário do que se poderia supor, foram mais os pontos de convergência e de consenso do que os pontos de divergência ou de dissenso entre ambos os candidatos. Talvez com maior precisão e rigor: nos aspetos verdadeiramente fundamentais e estruturantes sobre a leitura da atual situação de crise e a visão para o futuro da União Europeia, foi evidente o acordo existente; os desacordos evidenciados foram remetidos para os aspetos secundários ou menos relevantes. De certa forma e por alguns momentos, assistindo ao debate em direto, recordei os tempos em que, historicamente, as duas grandes famílias político-ideológicas que recuperaram a Europa do cataclismo da segunda guerra mundial (a democracia-cristã e o socialismo democrático) tiveram de se colocar de acordo em prol da construção e da edificação do projeto europeu que no momento presente se encontra em fase de lenta agonia.
Duas questões, todavia, devem ser retidas de todo este processo conducente à escolha do próximo Presidente da Comissão Europeia: escutando os dois principias candidatos ao cargo, neste debate e nas restantes ações que têm promovido no quadro das suas campanhas, ficamos com a certeza que não será tão cedo que a Europa da União, que tem como um dos seus principais problemas o volume da dívida pública de muitos dos seus Estados.membros, dará o passo em frente decisivo no processo do seu aprofundamento no domínio económico-financeiro enveredando pelo caminho da partilha do risco dessas mesmas dívidas públicas, procedendo à respetiva mutualização (sob qualquer uma das diferentes possíveis modalidades que tal mutualização poderia revestir). Junker, que chegou a admitir tal possibilidade a médio prazo, veio agora, no Congresso da CDU alemã e na presença da Chanceler Angela Merkel, estender esse mesmo prazo e remeter para um futuro relativamente indefinido e incerto uma tal decisão. Schulz já afirmou não ser esse o caminho para a resolução do problema da crise das dívidas soberanas dos Estados-membros da União. Ou seja, desengane-se quem pense que, com Schulz ou com Junker, a futura Comissão Europeia irá pugnar pela mutualização das dívidas públicas dos Estados da União.
A segunda questão que, seguramente, não deixará de estar subjacente à escolha do próximo Presidente da Comissão Europeia será, incontornavelmente, a questão da nacionalidade. Pese embora o largo e amplo consenso evidenciado entre Junker e Schulz, não será a mesma coisa o executivo de Bruxelas ser liderado por um alemão ou por um luxemburguês. Mesmo que este luxemburguês seja, em muitos aspetos, um avalista das políticas e posições mais ortodoxas preconizadas pela chanceler Merkel (manda a verdade dizê-lo, decerto, que se assim não fosse também talvez não tivesse oportunidade de discutir a presidência da Comissão Europeia pelo Partido Popular Europeu….). Ter um alemão ou um luxemburguês à frente do executivo comunitário será, seguramente, diferente. E na sequência de todos os acontecimentos que se têm abatido sobre esta Europa da União, em marcha acelerada para a irrelevância política, que podemos considerar como absolutamente dispensáveis, a simples possibilidade de virmos a ter o executivo comunitário de Bruxelas liderado por um alemão não seria, por certo, das menos importantes. É critério que não poderá ser desconsiderado quando chegar o momento alfa.
by João Pedro Simões Dias | Abr 8, 2014 | Diário de Aveiro
Não chegasse ao Presidente francês, François Hollande, ter de se defrontar com a grave crise política resultante das últimas eleições autárquicas – que levou, inclusivamente, à remodelação governamental e à substituição de Jean-Marc Ayrault por Manuel Valls como Primeiro-Ministro – onde os socialistas franceses quase foram varridos do mapa autárquico gaulês nas cidades que verdadeiramente contam (com excepção de Paris) e a extrema-direita alcançou resultados nunca antes alcançados, os mais recentes dados conhecidos da economia francesa fizeram, igualmente, soar as campainhas de alarme tanto em Paris como em Bruxelas. Com a economia a crescer 0,3% no último trimestre, mas com o desemprego acima dos 11% e o buraco fiscal por resolver, o défice de 2013 foi de 4,3% do PIB, dois pontos acima da meta decidida por Bruxelas. E segundo as previsões da Comissão Europeia, se nada for feito, a diferença será ainda maior no final deste ano. Face a este cenário macroeconómico, o Presidente francês terá solicitado mais tempo a Bruxelas para cumprir as metas do défice público – mas tanto Olli Rehn, o liberal finlandês vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelas questões económicas, como Jeroen Dijsselbloem, o socialista holandês presidente do Eurogrupo, terão recusado liminarmente o pedido de Hollande, recordando que já tinham sido oferecidos à França dois anos para estancar o buraco fiscal e que o que agora faltava eram medidas efectivas para acelerar as reformas estruturais de que o país necessita. Em linguagem simples: enveredar pela adopção de políticas austeritárias, à semelhança das que já estão a ser impostas aos “relapsos incumpridores” do sul da Europa.
Pessoalmente, há muito tempo que sustento que essa política austeritária que os grandes da Europa e as próprias instituições europeias têm imposto aos Estados em dificuldade do Sul da Europa só mudará no dia em que essas mesmas grandes economias da Europa começarem a “provar do seu próprio veneno”, tendo de enveredar por políticas igualmente austeritárias e recessivas. Porque não creio ser possível existirem ilhas de progresso em oceanos de pobreza, ou algumas poucas economias europeias pujantes numa Europa em crise ou recessão económica e social, acredito que nesse dia o apelo aos valores europeus, da solidariedade, da partilha, da coesão, falem mais alto, se façam ouvir e se traduzam na adopção de medidas concretas que dêem forma e corpo a esses princípios. No fundo – quando a política voltar a prevalecer sobre a economia, os valores e os princípios voltarem a sobrepor-se às folhas de excel. Quando a Europa, e sobretudo a da União, voltar a ter líderes e lideranças do jaez das que já conheceu e que lhe abriu as portas do sonho, da ousadia, da própria utopia.
Mas para isso acontecer será inevitável que, antes, os ditos grandes tenham de sofrer na pele um pouco do que tem sido imposto – do que têm imposto e ajudado a impor – a muitos outros Estados e povos europeus. Note-se: sem que isso signifique laxismo nas contas públicas, défices orçamentais ou aumentos exponenciais de dívida pública, mas também sem uma obediência cega à teologia dos mercados e à ditadura das finanças e dos orçamentos, antes buscando uma sábia e prudente combinação de políticas que reúnam princípios e critérios de rigor e exigência com adequadas doses de estímulo ao crescimento económico e, sobretudo, de combate a esse flagelo social constituído pelo exército de desempregados que rouba a esperança a mais de 25 milhões de europeus. Sempre tendo presente que o Estado existe para as pessoas e não são estas que devem estar ao serviço do Estado. A França parece ser a primeira grande economia europeia a ter de se defrontar com esse problema.
Nessa medida, por paradoxal que possa parecer, ver um grande Estado europeu e uma grande economia europeia a atravessarem algumas dificuldades pode não ser, necessariamente, uma má notícia para a Europa. Mais: se tiver de ser o preço a pagar para a Europa da União e as suas instituições reverem práticas, políticas, objectivo e metas poderá ser, mesmo, o dia de vésperas de melhores dias para este velho continente, matriz dum ocidente sem bússola, sem valores, sem rumo.