by João Pedro Simões Dias | Ago 16, 2017 | Jornal Económico
Tem passado significativamente ao lado quer da nossa opinião pública quer da nossa opi nião publicada a verdadeira querela autonómica-constitucional que, por estes dias, se vai travando aqui ao lado, em Espanha, a propósito do referendo autonómico que a Generali tat da Catalunha convocou unilateralmente para o próximo dia 1 de outubro e que o governo central de Madrid tem contestado e ameaça impedir por todos os meios ao seu alcance. A pergunta que será colocada aos catalães é a seguinte: “Está de acordo com um Estado Independente sob a forma de República?” Se o “sim” vencer, a independência será declarada no parlamento catalão 48 horas depois do referendo. Se perder, serão convocadas novas eleições autonómicas. E se o Governo espanhol impedir a realização desse referendo, a secessão será proclamada de forma automática e imedi ata pelo mesmo parlamento.
Esta disputa em torno da marcação e eventual realização deste referendo autonómico e independentista tem dominado todo o debate político em Espanha e tem vindo em cres cendo de radicalização, com as duas partes envolvidas a recorrerem a todos os meios ao seu alcance para conseguir a realização do sufrágio ou para impedir a sua concretiza ção. A ponto de, em boa verdade, nenhuma delas ter, já, margem de recuo ou de negociação sob pena de perder irremediavelmente a face. E é esta radicalização já atingida no clima político da Catalunha que tornam o processo referendário em curso num momento potencialmente perigoso, tanto para o Estado espanhol como para a pró pria Catalunha.
No que à Catalunha diz respeito, a generalidade dos estudos sociológicos encarrega-se de demonstrar uma realidade iniludível: a Catalunha está partida em dois blocos pratica mente iguais. Significa isto que o referendo de 1 de outubro, a realizar-se e concretizar-se, ameaça assim tornar-se numa verdadeira batalha de catalães contra catalães. Com ou tra agravante: o próprio bloco nacionalista catalão está longe de possuir uma estru tura homogénea ou coerente, com uma agenda coesa e coerente. A coligação Juntos pelo Sim – formada pela Esquerda Republicana da Catalunha e o Partido Democrata Euro peu da Catalunha (PDeCAT, antiga Convergência) – e a CUP – Candidatura de Uni dade Popular – convergem no apoio parlamentar ao governo autonómico catalão, na de fesa da independência da Catalunha, mas não têm uma base doutrinária homogénea e comum.
Mas também do lado do bloco nacionalista espanhol – dominado pelo Partido Popular, pelo Partido Socialista e pelos Cidadãos – as divergências são profundas e assinaláveis. Une-os a recusa do referendo independentista, a negação da possibilidade de autodetermina ção de qualquer autonomia espanhola e pouco mais. Entre estas forma ções partidárias, porém, não se divisa uma coesão ou uma homogeneidade de visões so bre o futuro territorial daquilo que é a Espanha dos nossos dias. Nesse plano, aliás, es tará do lado do Partido Socialista espanhol – sobretudo muito por efeito da renovada lide rança de Pedro Sanchez – a abordagem doutrinária e dogmática mais consistente dessa mesma realidade da Espanha dos nossos dias, definindo-a como uma “Nação de Na ções”. É uma perspetiva e uma abordagem, cremos, muito mais consentânea com a reali dade do que aquela, por exemplo, que é sustentada pelo Partido Popular e por Mari ano Rajoy – que embarcam no mito e no sofisma que a Constituição espanhola consa gra, ao criar e referir-se a uma “nação espanhola”, realidade absolutamente mí tica, inexistente quer no plano dos princípios quer no domínio dos factos.
É assim, uma Catalunha profundamente dividida no quadro duma Espanha minada pelas suas contradições territoriais, que se apresta a ter uma palavra decisiva sobre o seu futuro no próximo dia 1 de outubro. Se o referendo se realizar, o dia 2 de outubro será uma incógnita tremenda. Com ondas de choque que não se limitarão a Espanha e que poderão fazer-se sentir em vários territórios da União Europeia que anseiam pelos momentos de, igualmente, se poderem expressar sobre as suas autodeterminações. Se a vontade – e a força – de Madrid se impuserem e ganharem o braço-de-ferro com Barcelona, as consequências também não se adivinham fáceis de antecipar, atendendo, sobretudo, à divisão reinante na Catalunha.
O dia 1 de outubro marcará, assim, o confronto do Estado (dotado do acervo de competências que lhe restaram) com a sua Autonomia (que busca disputar uma parcela significativa daquele acervo). Saber quem levará a melhor neste braço-de-ferro pode ser determinante para o futuro não só da Catalunha, não só de Espanha, mas também de muitos outros territórios europeus. Por isso, toda a atenção que lhe dediquemos, não será demais.
by João Pedro Simões Dias | Jul 16, 2017 | Diário
[Magaluf, Palma de Maiorca] Triste, verdadeiramente triste, com a notícia do falecimento de Gaspar Melo Albino. Conheci-o desde sempre como um grande amigo de meu Pai (o seu “amigo António!”, como o saudava quando o encontrava). Vim a conhecê-lo mais a fundo a partir de 1997, quando aceitou ser nº 2 da candidatura que liderei à Assembleia Municipal de Aveiro, dele só tendo recebido manifestações de estima e consideração – onde o seu peso específico próprio lhe permitiu sempre actuar apenas em função da sua consciência, coisa rara entre nós e só ao alcance dos grandes espíritos e dos espíritos verdadeiramente livres. O seu espírito e o seu amor tinham um nome: Aveiro! Era a sua causa, era o seu amor. Mais tarde apreciei o seu envolvimento no movimento lionistico português, e militando eu na concorrência rotária, foram muitas as horas que passámos não a discutir divergências, mas a assinalar as convergências dos nossos movimentos. Com o Gaspar Albino, era assim: era mais importante identificar o que o unia do que o que separava. Aveiro e a sua cultura, bem como muitas associações do nosso concelho, vão ficar mais pobres. E todos nós também. Vemos irem-se as figuras de referência da nossa cidade sem vermos outras nascerem. Descanse em paz, amigo Gaspar Albino.
by João Pedro Simões Dias | Jul 11, 2017 | Diário de Aveiro
O passado fim de semana, na Alemanha e na Europa, foi dominado pela realização, em Hamburgo, da cimeira anual do G20 – o grupo das 20 maiores economias do mundo – e pelo regresso da violência urbana que lhe andou associada e que já há algum tempo não se via na Europa. Em nome do protesto contra o capitalismo e a globalização, mais de 800 grupos, grupinhos e grupelhos manifestaram-se nos arredores da cimeira e levaram o caos e a violência às ruas de Hamburgo.
O G20 é, hoje, eventualmente, a instância de cooperação político-económica multilateral que mais e melhor representa a sociedade internacional dos nossos dias. É sabido que, em cada momento histórico, a sociedade internacional tem uma instância que tende a representá-la e a refletir o equilíbrio de poderes que nela existem. No imediato pós segunda guerra mundial pretendeu-se que essa instância fosse a ONU, a única organização onde todos falam com todos, nas sempre bem lembradas palavras do Professor Adriano Moreira; durou pouco, porém, essa crença na organização de Nova Iorque, e o eclodir do período da guerra-fria e do mundo dual fez com que fossem as cimeiras entre as duas superpotências liderantes dos dois blocos político-militares (EUA e URSS) quem decidia dos destinos do mundo e onde quase todo o mundo se sentia representado, ou por uns, ou por outros; a queda do Muro e a implosão da URSS ditaram nova alteração desta realidade – passaram a ser as 7 maiores economias do mundo (Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido), o G7 constituído anos antes pelos meados da década de setenta, quem assumiu a liderança e a representação dos maiores do mundo. G7 que, por cortesia, passaria a G8 quando a Rússia se reergueu dos escombros da defunta URSS e foi admitida à mesa das conversações. Mas foi por pouco tempo. O acelerar do processo de globalização e o reforço das economias emergentes encarregaram-se de demonstrar serem muitos os que continuavam de fora. E o G8 evoluiu, naturalmente, para o atual G20, a tal instância de cooperação político-económica multilateral que mais e melhor representa a sociedade internacional dos nossos dias. A instância que gere e regula, informalmente, a globalização e o dito capitalismo – e contra a qual se realizaram, em Hamburgo, no final da passada semana, mais de 800 (!) manifestações que originaram os tumultos conhecidos.
Pergunta-se: verdadeiramente, contra o que se manifestaram estes manifestantes? Contra a globalização e o capitalismo, dir-se-á. Desejosos, portanto, de um mundo menos globalizado, do regresso ao mundo das fronteiras fechadas, como se o progresso e o avanço, desde logo, da ciência e da técnica, permitissem que isso fosse possível! Mas parece que era este o anseio dos manifestantes de Hamburgo. Bem como, evidentemente, a luta contra o capitalismo. Em nome de quê? Provavelmente de um qualquer sistema político-económico que garantisse, para todos, amanhãs que cantam, ignorando o sofrimento que esses sistemas já causaram em milhões e milhões de europeus, que pela força do seu poder o derrubaram e o remeteram para o caixote do lixo da história.
Acontece, todavia, e ainda, que se é verdade que cada época histórica tem a sua instância de referência, aquela que tendencialmente a representa e na qual a sociedade internacional de cada tempo se revê, então teremos de aceitar que nunca, como hoje, essa representação foi tão democrática, tão abrangente, nunca envolveu tantos países e tantos Estados (África do Sul, Argentina, Brasil, Canadá, EUA, México, China, Japão, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, Alemanha, França, Itália, Rússia, Reino Unido, Austrália e União Europeia), representando mais de 90% do PIB mundial, mais de 80% do comércio mundial e mais de dois terços da população mundial. À exceção da descredibilizada ONU, nenhuma outra instância internacional (nem o Conselho de Segurança da ONU) pode reclamar tão ampla representação. Mas foi também contra esta forma de “governo” político-económico mundial que os representantes das ruas de Hamburgo se sublevaram. Com saudades, provavelmente, do tempo e da era que que tudo se tratava bilateralmente, “a dois”, entre as duas superpotências emergentes da segunda guerra mundial, cujas decisões eram, posteriormente, adotadas por todos os restantes Estados da sociedade internacional. Porque, em bom rigor, outro motivo não se vislumbra para os protestos contra a cimeira da instância mais ampla, democrática e abrangente que em mais de um século assumiu as principais tarefas de regulação de um mundo já de si tão desregulado e desgovernado. Valham-nos, apesar de tudo, estas cimeiras como instâncias de regulação mínima de uma sociedade internacional que, sem elas, correria o risco de andar definitivamente à deriva e, ainda mais, em busca do seu norte. É certo que não constitui o modelo ideal de governação do mundo. Mas à falta de outro e de melhor, louvemo-nos na sua existência e nos documentos que vai aprovando.
Claro, como se viu em Hamburgo, há sempre quem tenha saudades de um mundo já passado, de uma ordem já acabada, de uma história já vivida. Gente definitivamente ultrapassada que ainda nem sequer compreendeu os tempos em que vive.
by João Pedro Simões Dias | Jul 5, 2017 | Jornal Económico
Devido aos seus insondáveis desígnios, em pouco mais de duas semanas a Divina Providência levou-nos duas figuras de relevo na construção do projecto europeu de unificação da Europa do pós-segunda guerra mundial; duas personalidades de exceção nos respetivos países que foram, justamente, a Alemanha e a França, isto é, aqueles Estados cuja ligação o tal projecto europeu começou por afirmar que era preciso aprofundar como condição prévia à manutenção da paz no continente europeu, evitando a repetição de chacinas como aquelas que, nos 75 anos anteriores, por três vezes praticamente haviam destruído este nosso velho continente; dois exemplos de integridade cívica e moral que o foram e, decerto, continuarão a ser, não só para os seus contemporâneos como, também, para as gerações vindouras, que nas suas vidas não deixarão de identificar o exemplo a seguir e a imitar.
Helmut Kohl e Simone Veil deixaram-nos num curto intervalo de tempo, mas os exemplos das suas vidas perdurarão por muito e longo tempo para além da sua morte.
De Helmut Kohl já tudo ou quase tudo foi dito, escrito e recordado. Detenhamo-nos um pouco sobre Simone Veil, cuja vida e obra nunca tiveram a mesma repercussão e dimensão pública de Kohl, o que não significa que tenham tido menor importância.
Nascida a 13 de julho de 1927, em Nice, no seio de uma família judia e laica, foi vítima, na sua infância, dos horrores de Auschwitz. Aliás, toda a sua família foi deportada em 1944 para campos de concentração: o seu pai e o seu irmão, Jean, para a Lituânia, uma das irmãs para Ravensbruck, e ela, a sua mãe e uma segunda irmã foram deportadas para Auschwitz. Tornou-se advogada e subiu a pulso na vida política francesa, onde chegou a ser Ministra por várias vezes (com a eleição de Valéry Giscard d’Estaing para a Presidência da República francesa em 1974, foi nomeada Ministra da Saúde no governo liderado por Jacques Chirac, cargo que conservou nos governos seguintes de Raymond Barre até julho de 1979).
Após os primeiros passos do projecto europeu do pós-segunda guerra mundial, empenha-se activamente na causa do europeísmo militante. Tornou-se deputada ao Parlamento Europeu em 1979 presidindo a esta instituição entre 1979 e 1982 (foi a primeira mulher a presidir à Assembleia de Estrasburgo). Entre 1984 e 1989 liderou o Grupo Liberal e Democrático do mesmo Parlamento. Ficaram célebres as suas expressões em que afirmava ser uma optimista mas, desde 1945, já não ter ilusões. Ou aqueloutra onde afirmava que “o facto de ter feito a Europa reconciliou-me com o século XX”. Foi uma protagonista de excepção desta causa europeia, à qual emprestou a sua credibilidade e a sua honorabilidade.
Terminada a sua passagem pelas instituições europeias, voltou à vida política ativa na sua pátria – em Março de 1993, com Jacques Chirac na Presidência da República, foi nomeada Ministra de Estado, Ministra dos Assuntos Sociais e da Cidade no governo liderado por Édouard Balladur, cargo que desempenhou até Julho de 1995). Em 1998 foi nomeada membro do Conselho Constitucional de França onde permaneceu até 2007, ano em que terminou seu mandato, abandonando as suas funções públicas com o apoio à eleição presidencial de Nicolas Sarkozy.
A consagração do se percurso de vida, tanto no plano político como nos planos académico e cultural, é coroada em 2008 com a sua eleição para a Academia Francesa, tornando-se a sexagésima mulher a pertencer à instituição.
A sua voz tornou-se, gradualmente, uma das mais escutadas, em França e na Europa, sendo-lhe reconhecida, unanimemente, uma enorme integridade moral e uma profunda auctoritas. Poderíamos aplicar-lhe, na íntegra, a velha figura de retórica regularmente utilizada pelo Professor Adriano Moreira: a Europa acaba de perder uma daquelas raras vozes encantatórias, destinadas a falarem ao ouvido dos príncipes. E com isto a Europa acaba de ficar mais pobre; e todos nós com ela.
Ficámos, aliás, duplamente mais pobres – com a perda de Helmut Kohl e de Simone Veil são dois dos símbolos da construção do ideal europeu que nos deixam, não se vislumbrando, de momento, que possa ser o legatário dos seus exemplos, dos seus valores e das suas convicções. Ambos personificaram estadistas e valores europeus, coisa que, infelizmente, nos nossos dias, vai rareando e escasseando.
Louvemo-nos nestes dois exemplos que nos foram legados e tentemos apreender o essencial do que nos deixaram. Será a melhor forma de suprirmos a perda que a sua partida nos proporcionou.
by João Pedro Simões Dias | Jul 5, 2017 | Diário de Aveiro
Foi o Professor Adriano Moreira quem, pelo início dos anos oitenta do século passado, trouxe para o nosso vocabulário político e promoveu a divulgação da expressão “Estado exíguo”, com ela querendo significar ou ilustrar um Estado incapaz de cumprir as suas tarefas mais básicas, aquele mínimo de atribuições que justificam a sua existência e que a clássica ciência política ensina como sendo a segurança, a justiça e o bem estar e bem comum dos seus cidadãos. Um Estado que não seja capaz de cumprir e dar resposta a esses objetivos ou finalidades, é um Estado que não tem razão de existir, que não cumpre as finalidades para as quais é criado, que não desempenha o mínimo indispensável de tarefas que os seus cidadãos lhe confiam por meio do contrato social em que o mesmo Estado se funda. Chamava, na altura, o Professor Adriano Moreira a atenção para o facto de, nesses idos do século passado, Portugal caminhar assustadora e vertiginosa mente para essa condição de Estado exíguo, incapaz de desempenhar o mínimo de tarefas essenciais que os cidadãos dele esperavam e para as quais abdicaram de uma parcela da sua liberdade individual e dos seus direitos para os confiarem a esse mesmo Estado.
Pese embora tenha introduzido o conceito pelos anos oitenta do século passado, o que o nosso querido Mestre nunca terá, por certo, imaginado foi a situação que este nosso País viveu nas últimas duas semanas e que, salvo outra e melhor opinião, veio ilustrar na perfeição o exemplo de um verdadeiro Estado exíguo, incapaz de prover às mais elementares necessidades dos seus cidadãos, falhando rotundamente onde não seria su posto que um Estado, na plenitude das suas competências, pudesse falhar.
Em primeiro lugar foi a tragédia de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes. Não, não foi o Estado e o seu aparelho político-administrativo que foram responsáveis pelo eclodir dos incêndios. Mas já não podemos subscrever idêntico juízo absolvedor relativamente à forma como esse mesmo aparelho político-administrativo (não) reagiu ao eclodir da tragédia. A multiplicidade de serviços, agências e corporações que foram convocadas para (não) responderem à catástrofe, não só nos evidenciam a completa e desorganizada dispersão do poder por inúmeros organismos e entidades como, mais importante que tudo, demonstram à saciedade a total desorganização e a completa falta de coordenação entre todos esses serviços dependentes de um mesmo e único Estado. Entre entidades convocadas para a previsão do fenómeno meteorológico até entidades responsáveis pela prevenção dos incêndios, pelo combate, pelo socorro, pelo policiamento, pela segurança, pela assistência, pelas comunicações – contam-se mais de uma dezena os serviços públicos, de variada natureza e diversa finalidade que, chamados a actuarem, fizeram o melhor que puderam sem embargo de se reconhecer, hoje, que esse melhor possível ficou muito distante do mínimo exigido. Ou seja, perante um fenómeno natural de magnitude sem precedente, que ninguém exigiria que o Estado pudesse antecipar ou evitar, constatou-se impreparação das entidades públicas para atenuarem os seus efeitos e curarem das suas consequências. Em matéria de segurança e proteção da vida e dos bens dos seus cidadãos, o Estado, o nosso Estado, falhou e demonstrou-se impreparado para o cumprimento da sua missão. O auxílio e recurso a meios externos para o cumprimento de uma missão que devia ser, em primeiro lugar, nacional, não determina a exiguidade do Estado. Mas ajuda a perceber que o Estado se assumiu como um verdadeiro “Estado exíguo”. 64 vidas humanas foi o preço a pagar pela impreparação dos diferentes serviços e agências da nossa administração e do nosso poder político.
Mal refeitos da tragédia incendiária, fomos confrontados, na passada semana, com um assalto a um dos principais depósitos de armamento militar do país, em Tancos, donde foram furtados (porque nem de roubo se tratou…) material capaz de espoletar um conflito militar em qualquer parte do mundo. Pela imprensa espanhola (!), soubemos que o furto abrangeu um verdadeiro arsenal (1450 cartuchos de 9 mm; 22 Bobinas ativadoras por tração; 1 Disparador de descompressão; 24 Disparadores de tração lateral multidimensional inerte; 6 Granadas de mão de gás lacrimogéneo CS / MOD M7; 10 Granadas de mão de gás lacrimogéneo CM Antimotim; 2 Granadas de mão de gás lacrimogéneo Triplex CS; 90 Granadas de mão ofensivas M321; 30 Granadas de mão ofensivas M962; 30 Granadas de mão ofensivas M321; 44 Grana das foguete antitanque carro 66 mm com espoleta; 264 Unidades de explosivo plás tico PE4A; 30 CCD10 (Carga de corte); 57 CCD20 (Carga de corte); 15 CCD30 (Carga de corte); 60 Iniciadores IKS; 30,5 Lâminas Explosivas KSL), Numa Europa sem fronteiras, ou de fronteiras transparentes, poderemos imaginar onde o mesmo já estará. E poderemos, também, aquilatar com facilitar as insónias que este furto em Portugal terá provocado em todos os nossos aliados, numa época em que o combate ao terrorismo é fim erigido em prioridade máxima por (quase) toda a comunidade internacional. Da dimensão do facto e listagem de todo o material furtado, viemos a ter notícia pela imprensa espanhola – certamente a partir da notificação efetuada pelas autoridades nacionais. Ficámos a conhecer a dimensão do facto mas não pudemos ficar a confiar nas autoridades espanholas. Ao divulgarem, ou ao não saberem proteger, informação confidencial relativa a material reservado de um seu parceiro e aliado demonstraram que não são de confiança. Devem-nos, inequivocamente, um pedido de desculpas. Mas independentemente disso (que não é pouco), Portugal voltou a dar outro exemplo de impreparação para o desempenho duma tarefa essencial da sua função soberana (ou daquilo que resta dela). Ao não saber guardar e proteger o seu material militar, colocou em causa a defesa, a segurança e o bem-estar dos seus nacionais e, por extensão, daqueles a quem estamos ligados por trata dos de associação. São acontecimentos ou eventos que apenas esperamos ver em filmes de TV ou em Estados-falhados. Nunca em Estados do dito primeiro mundo, países membros duma Aliança Atlântica, aspirando a participar numa qualquer força europeia de defesa que se possa vir a criar. Também aqui demonstrámos o quão perto estamos de resvalar para a condição de “Estado-exíguo”.
Infelizmente, mesmo face a todos estes acontecimentos, o poder parece que meteu férias. Fez algumas perguntas, demitiu alguns oficiais, constituiu uma comissão de inquérito e foi, tranquilamente, gozar a vilegiatura. O país, ainda que caminhando aceleradamente para a condição de “Estado-exíguo”, pode esperar.
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