by João Pedro Simões Dias | Jan 14, 2014 | Diário de Aveiro
Um dos elementos mais preocupantes da grave crise que começou a afectar a União Europeia a partir de 2008 prendeu-se com os problemas estruturais que conheceu o sector bancário em muitos Estados da União e, também e sobretudo, a estreita ligação existente entre as dívidas bancárias e as dívidas soberanas ou dos Estados-Membros. Foi para quebrar esta relação estreita (responsável, por exemplo, pelos resgates mais ou menos encapotados a Espanha e ao Chipre) que desde cedo pareceu consensual a necessidade de concluir uma verdadeira união bancária, no âmbito da união económica e monetária. A união bancária assumiu-se, assim, como um pilar fundamental da UEM que se impunha desenvolver e concluir – que começou a ser negociada entre os Estados-Membros no quadro do Conselho para, de seguida, transitar para aprovação por parte do Parlamento Europeu. Ocorreu, todavia, o que era expectável e acabou por se confirmar – o acordo alcançado no quadro do Conselho, encerrando dura disputa entre a Alemanha, por um lado, e a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu, a França e a Itália, por outro, veio, na prática, consagrar em absoluto as teses defendidas pela Alemanha, em detrimento de uma visão mais integradora e comunitária perfilhada pela Assembleia de Estrasburgo.
Em causa está, essencialmente, um dos principais aspectos da referida união bancária: o novo mecanismo consensualizado pelos Ministros das Finanças para a resolução de bancos (terminologia do jargão comunitário que pretende abranger as situações de reestruturação ou liquidação de bancos falidos). Desde logo, no que diz respeito ao âmbito de aplicação do acordo alcançado, a Alemanha conseguiu um dos seus objectivos fundamentais – o mesmo apenas será aplicado a cerca de 130 bancos europeus (num universo que ultrapassa os 6000 bancos em toda a União), aqueles a quem se atribui uma importância “sistémica”, deixando de fora do processo de resolução europeia os seus bancos estaduais que continuarão a depender em exclusivo do seu controlo nacional.
Por outro lado, o acordo alcançado no âmbito do Conselho prevê a criação de um mecanismo europeu que suporte os custos resultantes da reestruturação ou liquidação de bancos falidos – que operará após responsabilização dos acionistas, dos credores preferenciais e dos grandes depositantes responderem por um mínimo de 8% do valor dos ativos do banco a reestruturar ou liquidar – que, todavia, apenas deverá estar integralmente realizado em 2026, altura em que será dotado de um capital de 55MM€. Até essa data, até o referido fundo estar dotado da totalidade do seu capital, se surgir alguma situação de risco com algum banco de um Estado-Membro, será o contributo com que cada Estado for contribuindo para o capital do mesmo que terá a responsabilidade de “responder” ou “salvar” o referido banco. Mostrando-se insuficiente a verba em causa, é ao Estado-Membro onde o mesmo se localizar que deverá que competirá alocar as verbas em causa, mesmo que à custa da sua dívida pública. Ora, com esta previsão, fica inviabilizada – pelo menos até 2026 – a quebra entre as dívidas bancárias e as dívidas soberanas. Aquele que era um dos principais objectivos da união bancária fica definitivamente comprometido. Por outro lado, este novo mecanismo, também por imposição alemã, assentará a sua estrutura de decisão num “conselho de resolução” onde estarão representados os representantes das autoridades nacionais e, em última análise, a palavra final sobre as suas decisões caberá sempre aos Ministros das Finanças da zona euro. E a sua matriz jurídica será prevista num tratado intergovernamental, a assinar pelos Estados-Membros da zona euro, à margem da legislação e do quadro jurídico comunitário – replicando o modelo já utilizado quer para o Tratado que instituiu o Mecanismo Europeu de Estabilidade quer para o Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na UEM. Ou seja, na sua essência, estaremos ante um processo eminentemente intergovernamental que se estruturará por completo à margem das instituições comunitárias. Parecendo questão de somenos e menor, há implicações técnicas e jurídicas de relevo resultantes da opção escolhida. Uma delas prender-se-á, naturalmente, com a possibilidade de o Tribunal de Justiça da União Europeia controlar, ou não, o respeito pelas normas do novo Tratado a negociar e a assinar.
No fundo e na prática, até 2026, o fundo de resolução bancária, supostamente pedra angular da união económica e monetária, mais não será do que a soma de um conjunto de fundos nacionais. Uma vez mais, a visão comunitária e integradora aparece-nos muito distante das decisões tomadas em Bruxelas, no quadro do Conselho da União Europeia.
E este facto veio permitir evidenciar um novo braço-de-ferro entre o Conselho da União e o Parlamento Europeu – donde, imediatamente, começaram a surgir os sinais indicativos da discordância da eurocâmara face ao que havia sido deliberado em sede de Conselho. Elisa Ferreira, a eurodeputada portuguesa que coordenou os trabalhos da Assembleia Parlamentar nesta matéria, foi assertiva: “O que queremos é que os contribuintes não sejam envolvidos nisto, mas também não queremos que um banco tenha diferentes condições de sobrevivência conforme está situado num Estado como o alemão ou holandês, português ou grego. Se temos uma supervisão única e um mercado interno [europeu], temos de ter condições semelhantes para operar uma resolução independentemente do sítio onde o banco está localizado. Senão estamos a regressar à estaca zero de onde quisemos sair”. Era difícil dizer mais e melhor.
Decerto – o facto de a decisão final sobre esta matéria depender do acordo do Parlamento Europeu deixa no ar a esperança de o projeto saído do Conselho da União poder ser alterado e corrigido. De contrário, a União terá perdido mais uma oportunidade num domínio tão sensível e tão determinante como a união bancária, pilar fundamental da união económica e monetária que já se viu carecer de urgente aperfeiçoamento. Uma vez mais será para o Parlamento Europeu que se virará a esperança de quem preconiza um modelo mais comunitário de aprofundamento do projeto europeu.
by João Pedro Simões Dias | Jan 6, 2014 | Diário de Aveiro
Terminado o ano de 2013, aqui se deixa a respectiva revista europeia (de A a Z) para efeitos de memória futura e com tudo o que de subjetivo e aleatório pode envolver uma escolha e um exercício desta natureza:
Alemanha – O gigante económico da Europa da União fortaleceu, a cada dia que passou, o seu poder político. Voluntária ou involuntariamente, é a um verdadeiro processo de germanização da Europa que assistimos, mais do que a um processo de europeização da Alemanha – enquanto os seus Estados parceiros oscilam entre o medo do fortalecimento desse poder e o receio de perderem o apoio que a Alemanha lhes pode dispensar. Contradição que 2013 não contribuiu em nada para resolver. Bem pelo contrário.
Barroso (José Manuel Durão) – Depois de um início de segundo mandato à frente da Comissão Europeia em que foi completamente ultrapassado pela lógica intergovernamental imposta pela Alemanha à União Europeia, recuperou algum protagonismo directamente proporcional à aproximação do fim do seu mandato. Se o sonho comanda a vida, o sonho de um inédito terceiro mandato pareceu comandar a sua actuação. Pode ter despertado tarde da sua letargia.
Chipre – Chipre constituiu o exemplo mais traumático de resgates efectuados pela troika, neste caso devido a grave crise do sector financeiro e bancário da ilha. Não pelo valor do empréstimo concedido mas pelas condicionantes impostas pelos credores, que obrigaram depositantes nos bancos a suportarem parte dos custos da respectiva recapitalização. Pela primeira vez na história da UE ultrapassou-se uma linha vermelha e abriu-se um precedente perigoso – os depósitos bancários passaram a poder ser confiscados para contribuir para pagar erros de gestão bancária. O Parlamento de Nicósia ainda ensaiou opor-se à medida, mas a força da realidade acabou por se impor.
Dijsselbloem (Jeroen) – O socialista holandês que sucedeu a Junker na presidência do Eurogrupo e que, não raro, se tem mostrado mais ortodoxo que os ortodoxos alemães em decisões concretas que têm sido tomadas – de que, talvez, o mecanismo de gestão de falências bancárias seja o exemplo mais acabado.
Eslovénia – A Eslovénia posiciona-se como um dos mais sérios candidatos a receber novo auxílio financeiro das instituições europeias quando, na sequência dos resultados dos testes de ‘stress’ supervisionados pela UE, se constata que as necessidades de recapitalização da banca do país ascende a 4,8MM€, até junho de 2014.
Federalismo – Por oposição ao trilho intergovernamental constitucionalizado com o Tratado de Lisboa, é cada vez mais o caminho alternativo que parece poder tirar a União da letargia para onde foi encaminhada. Durante muito tempo constituiu a palavra maldita e o conceito tabu do projecto europeu. Tão só porque ousaram equipará-lo a outros modelos federais existentes. Também aqui a UE deverá inovar – e optando por uma via federal será seguramente uma via original e não duplicada de qualquer outra existente. Terá como componente o necessário reforço das instituições comuns, a respectiva relegitimação democrática, a recusa do modelo do diretório, a afirmação da via supranacional e o respeito pelo princípio da subsidiariedade. Em 2013 prefigurou-se, sem complexos, como um dos (poucos) caminhos possíveis a seguir para se ultrapassar a crise que vivemos.
Grécia – Continuou a ser o país-problema da União Europeia. Com dois resgates e a caminho dum terceiro, cortes de dívida a credores particulares e enorme agitação social cabe-lhe entrar em 2014 a presidir ao Conselho da União – com a responsabilidade de demonstrar que um Estado pode estar em estado de emergência financeira sem que isso signifique que abdica das suas funções políticas no quadro da União.
Hollande (François) – Iniciou o seu mandato como a grande esperança da esquerda europeia contra o austeritarismo ortodoxo germânico e em nome das políticas de crescimento económico, como caminho que a própria Europa devia seguir; encerra 2013 com a França sujeita à mais elevada carga de austeridade fiscal da V República e os índices de popularidade mais baixos de qualquer chefe de Estado francês desde que há registos e medições dos mesmos. Pior saldo do ano – potencía o crescimento eleitoral da Frente Nacional de Marine Le Pen a patamares nunca antes vistos nem alcançados pela extrema-direita gaulesa.
Irlanda – Termina 2013 anunciando que, finalizado o seu resgate, quer ver-se livre da troika e das instituições europeias com uma “saída limpa”, sem depender dos humores dos burocratas de Bruxelas, sem segundo resgate ou, sequer, sem essa incógnita chamada programa cautelar. Decerto – os juros a dez anos na ordem dos 3%, uma almofada financeira de cerca de 25MM€ e as necessidades de financiamento garantidas até meados de 2015 ajudaram a tomar uma atitude que objectivamente espantou quase tudo e quase todos.
Junker (Jean-Claude) – O democrata-cristão decano dos líderes europeus, talvez o mais europeísta de todos eles, resto sobrante da geração de Kohl e Mitterrand, deixou de ser Presidente do Eurogrupo e Primeiro Ministro do Luxemburgo (apesar de aqui ter ganho as eleições legislativas, ainda que só com maioria relativa). Paradoxalmente, pode ser a oportunidade para um 2014 mais risonho, com a Presidência da Comissão Europeia ou a Presidência do Conselho Europeu.
Kenny (Enda) – O Taioseach (Primeiro-Ministro) irlandês viu-se catapultado para as luzes da ribalta europeia quando o plano de ajustamento que negociou e conseguiu impor à troika terminou com uma “saída limpa”, sem necessidade de qualquer programa cautelar. Com discrição mas firmeza, sem subserviências nem seguidismos provincianos, liderou um país sob resgate com prudência e bom-senso. Os resultados viram-se. Declarou prescindir de novos apoios internacionais e granjeou reputação e credibilidade suficiente para ser encarado como uma das mais fortes possibilidades para vir a suceder a Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. Resta saber se o desejará.
Letta (Enrico) – O democrata-cristão, membro do Partido Democrático de centro-esquerda, salta para a primeira linha da política europeia ao conseguir formar governo em Itália, baseado numa coligação instável com o Povo da Liberdade de Silvio Berlusconi. Teve o difícil encargo de suceder a Mario Monti, o eurocrata que liderou o governo de Roma entre Novembro de 2011 e Abril de 2013 restituindo-lhe a credibilidade perdida sob a liderança de Berlusconi. Apostou inequivocamente na via europeia para rumo dos primeiros meses da sua governação.
Merkel (Angela) – A chanceler alemã, que traiu Helmut Kohl e desonrou o seu legado europeísta, foi uma das grandes vencedoras de 2013. A sua política ortodoxa e austeritária face ao sul da Europa em provação e de germanização da UE foi amplamente sufragada pelos seus concidadãos em eleições internas. Cada vez mais governa mais a Europa sendo escolhida apenas pelos alemães. Nem a mudança de parceiro político lhe alterou os hábitos ou fez mudar o rumo. Nos sociais-democratas do SPD encontrou aliados para a sustentação de uma política europeia que ainda acredita que podem existir ilhas de prosperidade em mares de desesperança. Quando a desesperança der à costa da ilha germânica, o rumo será alterado. Até lá, vai mandando. Bruxelas e as demais capitais europeias vão obedecendo.
NATO – Ainda não foi em 2013 que a organização de defesa militar do ocidente logrou alcançar um nível de articulação satisfatório com a União Europeia em matérias de segurança e defesa. É um daqueles casos em que a responsabilidade não pode ser assacada à organização transatlântica. Se o pilar europeu da aliança não se mostra suficientemente sensibilizado para o tema nem se consegue articular e coordenar satisfatoriamente entre si, dificilmente a União que formam se pode entender com a organização de defesa que, paradoxalmente, quase todos integram.
Orban (Viktor) – A Hungria, liderada pelo Primeiro-Ministro Viktor Órban, conseguiu saldar a dívida de 20MM€ que tinha para com o Fundo Monetário Internacional desde 2008, sete meses antes do prazo previsto. Com uma liderança frequentemente criticada pelas suas opções conservadoras, o Governo de Órban considerou que a Hungria vai conseguir financiar-se nos mercados financeiros internacionais depois do que chamou “uma luta pela liberdade de atuação do país”.
Portugal – Exemplo acabado e consumado das políticas erráticas concebidas e impostas pela troika, inicialmente acolhidas com entusiasmo por parte do governo, entusiasmo que se foi perdendo à medida que o tempo foi passando. Quem se der ao trabalho de comparar os números previstos para final de 2013 no memorando de entendimento original e aqueles que, de facto, se atingiram (em termos de défice, dívida pública e desemprego, por exemplo) tem a noção clara da errância das referidas políticas austeritárias.
Quadro financeiro 2014-2020 – O Conselho e o Parlamento Europeu puseram-se de acordo relativamente ao quadro financeiro plurianual da UE. Denotou ambição pouca e ousadia nenhuma. Com orçamentos que continuam a ser inferiores a 1% do PIB comunitário não é possível ousar sonhar qualquer aprofundamento das políticas comuns. Enquanto a UE não se dotar de meios financeiros suficientemente capazes, as suas capacidades de intervenção estão limitadas e definitivamente cerceadas.
Rompuy (Herman Van) – O Presidente permanente do Conselho Europeu pareceu ganhar algum protagonismo à medida que a crise por que passou a UE em 2013 foi abrandando e foram surgindo ligeiros sinais de retoma económica. Pese embora esse facto, continuou por se perceber a utilidade do cargo e da função. E se o hábito não faz o monge, neste caso o monge não fez nem justificou uma função que veio, inequivocamente, introduzir um elemento de confusão na estabilidade institucional da União Europeia. Terminará o seu segundo mandato em 2014.
Secessionismos e Separatismos – Constituem o pior legado que 2013 deixa a 2014: a marcação de referendos independentistas e separatistas em 2014 para a Escócia e para a Catalunha podem obrigar a União Europeia a defrontar-se com um problema novo em mais de 60 anos de projecto europeu – o da integridade territorial dos seus Estados-membros, que é como quem diz, da sua própria integridade territorial. Mais grave que isso, os referendos prometidos, a realizarem-se, podem constituir precedente sério para outras aspirações independentistas que se encontram apenas adormecidas.
Troika – Os coordenadores dos principais grupos políticos na Comissão Económica e de Assuntos Monetários do Parlamento Europeu e, posteriormente, a própria eurocâmara, decidem lançar um processo de inquérito à actuação da troika nos planos de resgate lançados nos últimos três anos. A investigação pretende apurar, ainda, a “legitimação democrática das decisões tomadas” pela troika nesses processos.
Ucrânia – Não pertencendo à União, foi o palco onde se travou a última disputa entre a UE e a Rússia sobre as respectivas esferas de influência. Contra a vontade de milhares que se manifestaram nas ruas, o governo de Kiev deu sinais de tombar para o lado de Moscovo, recusando associar-se à parceria com Bruxelas. Território de fronteira e zona de influência ambicionada tanto pela Rússia como pela União Europeia, protagonizou o reavivar dos tempos da guerra-fria, onde a influência em cada palmo de terreno geoestratégico era disputada ao milímetro. Estando fora da União, por paradoxal que pareça, a Ucrânia pode vir a determinar muito do sucesso ou insucesso da sempre anunciada e nunca concretizada política externa e de segurança comum.
Vilnius – Foi na capital da Lituânia que ocorreu um dos maiores desaires da UE em matéria de política exterior comum no ano de 2013. A Cimeira da Parceria Oriental da UE com a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia, a Bielorrússia, a Arménia e o Azerbaijão ficou marcada pelo desacordo entre a Ucrânia – pressionada por Moscovo para não assinar qualquer acordo com a União – e a UE. Ao não assinar o acordo que marcaria a aproximação ucraniana à UE os resultados da Cimeira restringiram-se à assinatura duma primeira versão de acordo com a Geórgia e a Moldávia e um acordo de facilitação de vistos com o Azerbaijão. Foi pouco.
Xavier (Bettel) – O Presidente da Câmara da Cidade do Luxemburgo tornou-se o improvável Primeiro-Ministro do Grã-Ducado, após a realização de eleições legislativas em que Jean-Claude Juncker, apesar de liderar o partido mais votado, não logra alcançar a maioria absoluta, deixando o poder nas mãos de uma coligação governamental formada pelo Partido Democrático, o Partido Operário Socialista e Os Verdes.
Yousafzai (Malala) – Jovem paquistanesa de 16 anos que, baleada na cabeça pelos talibãs quando regressava da escola, recebeu o “Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Consciência” perante o plenário da eurocâmara de Estrasburgo, apelando de forma vigorosa ao direito das crianças à educação.
Wharton (James) – Deputado conservador britânico, autor de um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Comuns – numa sessão em que a oposição trabalhista apenas participou no debate e esteve ausente da votação – destinado à realização de um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE em 2017.
Zagreb – Foi nas ruas de Zagreb que os croatas assinalaram, em clima de festa, a 1 de Julho de 2013, a adesão do seu país à União que, assim, se tornou o 28º Estado-Membro da UE, numa altura em que esta atravessa a sua mais profunda crise desde a origem do projeto europeu.
by João Pedro Simões Dias | Dez 31, 2013 | Diário de Aveiro
As eleições para o Parlamento Europeu de 2014 ficarão marcadas por um facto novo, não verificado em nenhum ato eleitoral anteriormente efectuado para a eurocâmara (1979, 1984, 1989, 1994, 1999, 2004 e 2009) – os principais partidos políticos europeus, na decorrência do Tratado de Lisboa, comprometeram-se a apresentar, previamente ao ato eleitoral, a personalidade que proporão para o cargo de Presidente da Comissão Europeia. Este, nos termos dos Tratados, deverá ser eleito pelo Parlamento Europeu sob proposta do Conselho Europeu. Subjacente a estes dois momentos (a proposta do Conselho Europeu e a eleição pelo Parlamento Europeu) deverão estar, porém, os resultados das eleições para o Parlamento Europeu. Saúda-se, por isso, a inovação do prévio conhecimento da personalidade que cada partido político europeu tenciona apoiar para o cargo de Presidente da Comissão Europeia, sucedendo a Durão Barroso.
Fruto dessa decisão e deste compromisso, sabemos já que o grego Alexis Tsipras, líder do Syriza, foi designado candidato do Partido da Esquerda Europeia (PEE) à presidência da Comissão Europeia durante o 4º Congresso do Partido realizado em Madrid; que o grupo político dos Socialistas e Democratas escolheu o atual Presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, como o seu candidato ao mesmo cargo; que os liberais europeus escolherão entre o atual comissário europeu dos Assuntos Económicos, Olli Rehn, e Guy Verhofstadt, atual líder do Partido e antigo primeiro-ministro belga; e que o Partido Popular Europeu (PPE), atual força maioritária no Parlamento Europeu, escolherá no seu próximo Congresso, em Março próximo, o seu candidato de uma lista onde aparecem os atuais chefes de governo da Polónia, Donald Tusk, da Finlândia, Jyrki Katainen, e da Irlanda, Enda Kenny, o antigo Presidente do Eurogrupo e ex-primeiro-ministro luxemburguês, Jean-Claude Juncker, o atual comissário europeu do Mercado Interno, o francês Michel Barnier, e o antigo primeiro-ministro letão Valdis Dombrovskis, não se devendo dar por adquirido que Durão Barroso já tenha arrumado a ideia de um terceiro mandato à frente da Comissão Europeia, sucedendo a si próprio.
Assim, as próximas eleições para o Parlamento Europeu não se limitarão a servir para escolher apenas os eurodeputados que cada país elegerá para a eurocâmara. Servirão, também, ainda que indireta e mediatamente, para escolher a personalidade que presidirá à Comissão Europeia que iniciará o seu mandato em Novembro de 2014.
Decerto: pese embora a evolução registada, continuamos longe do cenário que melhor serviria o projeto europeu com todas as vicissitudes por que o mesmo passa no momento presente. Esse cenário exigiria, seguramente, um reforço do poder e das competências da Comissão Europeia, verdadeiro motor da integração europeia e autêntica guardiã dos tratados, uma valorização do pilar comunitário da União em detrimento da sua componente intergovernamental – e tudo isso deveria passar por uma profunda reforma institucional da União que contemplasse, designadamente, a eleição direta e por sufrágio universal do próprio Presidente da Comissão Europeia. Eleição que decorresse em simultâneo com a eleição do Parlamento Europeu. E eleição que, conferindo legitimidade democrática direta ao líder do executivo comunitário, não deixaria ver essa legitimidade estendida ao próprio órgão a que este preside. Num cenário desses, a Comissão Europeia apareceria relegitimada na sua própria democraticidade, os cidadãos europeus seriam chamados a uma participação acrescida no próprio projeto europeu e a democracia ao nível supranacional sairia claramente reforçada.
Não podemos esquecer, claro, que uma tal evolução passaria, necessariamente, por uma reforma dos Tratados atualmente em vigor. Angela Merkel – pese embora tenha sido a verdadeira autora material do Tratado de Lisboa vigente, preparado na presidência alemã de 2007, dando apenas a possibilidade a José Sócrates de o encerrar e ficar com os respectivos louros e a fotografia da praxe – já por diversas vezes tem sustentado a necessidade de uma revisão dos Tratados tal qual os mesmos se apresentam. Não haja, porém, nessa matéria, quaisquer dúvidas – não é duma “revisão alemã” dos Tratados que a União mais precisa. Uma revisão saída ou inspirada pela chancelaria de Berlim equivaleria, seguramente, a uma reforma que afirmaria a via intergovernamental europeia, que afirmaria a supremacia do poder dos Estados-membros sobre o poder das instituições comunitárias, que tenderia a fortalecer o papel e a atuação do Conselho e do Conselho Europeu em desfavor do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia, que criaria as condições para a afirmação do diretório europeu onde se afirma e privilegia o poder dos grandes Estados sobre os restantes (como ainda se viu, há poucos dias, com as linhas gerais da reforma do mecanismo de liquidação dos bancos, pedra angular da muito desejada mas pouco conseguida união bancária). A revisão dos Tratados que melhor servirá a União e o projeto que lhe está subjacente deverá apontar no sentido contrário, reforçando as instituições comunitárias, apostando na sua legitimação democrática, e aprofundar a dimensão supranacional da União.
Essa seria, em nossa opinião, a reforma que deveria ser encetada. Em nome do ideal europeu e do que resta do projeto dos pais fundadores que souberam mobilizar e catalizar vontades para edificar o maior projeto de paz e prosperidade que a Europa conheceu em toda a sua secular história.
Post-scriptum: para todos os leitores que semanalmente leem esta coluna, predominantemente consagrada às questões que fazem a atualidade europeia, votos de um excelente ano de 2014!
by João Pedro Simões Dias | Dez 24, 2013 | Diário de Aveiro
Ficou o país suspenso em torno da recente decisão do Tribunal Constitucional de julgar inconstitucional a lei de convergência de pensões que ia reduzir em 10% o valor das aposentações da CGA que já foram formadas e se encontram em efectivo pagamento quando, outro assunto igualmente importante, apareceu relegado para o domínio do esquecimento sem ter sido completamente esclarecido ou resolvido. Antecipando em algumas horas as decisões dos juízes do Palácio Ratton, e com isto prestando-lhes um inestimável favor ainda que involuntariamente, o Presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, veio declarar que, terminado este programa de assistência em vigor, Portugal não estaria em condições de se financiar autonomamente nos mercados internacionais e precisaria sempre dum programa cautelar de apoio ao seu financiamento externo. Em síntese, a “saída limpa” e à Irlandesa deveria ter-se por absolutamente excluída. A oposição interna veio, de imediato, exigir que o Primeiro-Ministro revelasse que contactos existem em vista da negociação desse programa cautelar. E Passos Coelho, no Parlamento, declarou solenemente que, de momento, não existem quaisquer negociações formais (sublinho, “formais”) visando a definição daquele programa cautelar. Numa apreciação sumária destas posições poderíamos ser levados a concluir que alguém estaria a faltar à verdade. Por uma vez, porém, creio não ser de excluir a hipótese e a possibilidade de todos estarem a falar verdade.
Mario Draghi limita-se a constatar o óbvio – com taxas de juro a dez anos sustentadamente acima dos 6%, é inviável o financiamento do Estado nos mercados internacionais. É uma taxa quase equivalente ao dobro daquela que é cobrada à Irlanda, a que acresce o facto de, contrariamente ao que acontece com o governo de Dublin, Portugal não ter uma almofada financeira de cerca de 25MM€ e o seu financiamento externo garantido até meados de 2015. Num cenário destes, é absolutamente compreensível que Draghi verbalizasse o óbvio. Portugal terá necessidade de continuar a ser apoiado para lá do fim do actual programa de assistência financeira. O BCE sabe isso e o governo português também o sabe. E sabendo-o é normal que diligencie no sentido de preparar o programa que sucederá ao fim do atual resgate. Quando a oposição reclama informações nesse sentido, está a pedir o óbvio – detalhes sobre um programa que se afigura inevitável e incontornável e que é normal que se comece a negociar ainda que de forma informal. Por isso, também o Primeiro Ministro pode estar a falar verdade quando afirma que, de momento, formalmente, não existem quaisquer negociações para a concepção de um programa cautelar que se suceda ao resgate em curso. Repare-se que, em momento algum, Passos Coelho negou conversações informais ou exploratórias que conduzam ao referido programa cautelar. Por uma vez, todos podem ter falado verdade e o que, aparentemente, seria contraditório, podem ser as duas faces duma mesma moeda.
E essa moeda pode ter por nome programa cautelar – aquela verdadeira incógnita que se sucederá ao programa de ajustamento que se concluirá em meados de 2014 e da qual, convenhamos, pouco ou quase nada se sabe. Pior – realidade que, pela vez primeira, será testada com Portugal. Como, certeiramente, afirmou o Ministro Marques Guedes quando lhe pediram para comentar a saída limpa anunciada por Dublin: o pior é que a partir de agora perderemos quaisquer referencias para negociar um programa cautelar. E como explicitou o Ministro irlandês da Irlanda quando veio recordar que o seu país não quis ficar mais à mercê das inovações (e invenções) das instituições europeias como foi acontecendo ao longo das avaliações do respectivo programa de ajustamento.
De uma coisa poderemos estar certos – não será com o fim do programa de ajustamento se colocará ponto final na era de austeridade que tem castigado o país. Mesmo que nos livremos de um segundo resgate internacional, traduzido na entrega de um envelope financeiro contra o compromisso de um conjunto de medidas de consolidação orçamental, o programa cautela que está ao virar da esquina, envolvendo apenas a União Europeia (através da Comissão Europeia) e o Banco Central Europeu – e já não o Fundo Monetário Internacional – consistirá no estabelecimento de uma rede de proteção que poderá ser accionada se e quando as condições dos mercados financeiros internacionais se mostrarem particularmente adversas, através dum específico programa de compra de dívida pública, mas nunca deixando de estar associado a um forte condicionalismo político e económico-financeiro. Por muitos relógios que se ponham a funcionar, pondo-os a andar de trás para frente e contando o tempo ao contrário, exige-se verdade e transparência em quem tem o encargo de nos governar. E essa verdade e essa transparência mandam e obrigam a não enganar os incautos nem contar a realidade de forma distorcida. Transmitir a ideia que a partida da troika significará o fim da austeridade ou o recuperar integral de uma soberania pretensamente perdida quando nos colocámos nos braços das instituições internacionais, não corresponde à verdade, não é correcto nem é exacto.
Infelizmente, para todos nós, à troika suceder-se-á, na melhor das hipóteses, a assinatura dum programa cautelar que é um mar de interrogações e uma imensa incógnita, que conhecerá as suas especificidades igualmente dramáticas, os seus condicionalismos seguramente recessivos e manter-nos-á num estado de permanente vigilância e observação. Dessa realidade dificilmente escaparemos. E este é um daqueles casos em que a troca de argumentação é, de todo, desnecessária. O tempo, principal e inapelável juiz, se encarregará de confirmar ou infirmar a previsão que aqui deixamos.
by João Pedro Simões Dias | Dez 12, 2013 | Diário de Aveiro
Vão conturbados e agitados, e não raro paradoxais, os tempos por esta Europa que teima em afirmar-se como sendo a da União, mas onde os sinais mais visíveis parece apontarem em sentido radicalmente diferente, de desunião e de crise, de marcha acentuada para o empobrecimento, de inversão do caminho da história. Esta crise que afecta o continente europeu, de resto, mais não é do que a expressão mais evidente da crise que afecta o Ocidente – de que a Europa foi durante muito tempo o rosto mais expressivo – neste tempo de “outono e falta de bússola”, para parafrasearmos o título da mais recente obra que nos é legada por Adriano Moreira. Falta de bússola que equivale a uma dramática ausência de uma escala de valores perceptível e compreensível e à proliferação de teses e teorias relativistas, sempre dispostas a tudo questionar e a tudo pôr em causa. Um dos mais recentes perigos com que esta Europa se está a defrontar provém dos riscos e dos perigos do fenómeno secessionista que parece querer pôr em causa a unidade de muitos Estados tal como os conhecemos no momento presente.
Na passada semana o Presidente da Generalitat – o governo autonómico da Catalunha –, Artur Mas, anunciou à Espanha e ao mundo que, no dia 9 de Novembro de 2014, o seu governo tenciona promover um referendo aos catalães cuja primeira pergunta será: “Quer que a Catalunha seja um Estado?”. E a que, em caso afirmativo, se seguirá uma segunda questão: “Quer que a Catalunha seja um Estado independente?”. Não há memória, nos tempos recentes, de este movimento autonomista/independentista ter chegado tão longe e ter causado tamanha proporção. Decerto – as autoridades espanholas – com o Presidente do Governo, Mariano Rajoy, secundado pelo líder da oposição, Alfredo Pérez-Rubalcaba – vieram, de imediato, declarar que o referendo não se realizaria, por evidente e flagrante violação da Constituição espanhola que defende a unidade do Estado autonómico e chega ao ponto de ficcionar a existência de uma “Nação espanhola”, mormente no seu artigo 2º, que tem uma redação tão abrangente quanto controversa quando afirma que “La Constitución se fundamenta en la indisoluble unidad de la Nación española, patria común e indivisible de todos los españoles, y reconoce y garantiza el derecho a la autonomía de las nacionalidades y regiones que la integran y la solidaridad entre todas ellas”. A questão que merece, todavia, ficar para reflexão prende-se com as sementes que a iniciativa pode deixar e com o grau de germinação que podem alcançar. Mas o facto não é inédito nem original.
Três semanas antes, a 26 de novembro, em Glasgow, o líder do governo escocês, Alex Salmond, apresentou o seu livro branco sobre a independência da Escócia, tendo por referência o referendo sobre a independência do país, marcado para 18 de setembro de 2014. Alex Salmond, que é a favor do “sim” ao referendo, veio garantir que a Escócia tem “um grande potencial” enquanto país, ressalvando sempre, porém, que o mesmo teria de passar sempre por uma pertença à União Europeia. Curiosamente, ou talvez não, foi o Presidente do Governo espanhol, Mariano Rajoy, quem se apressou a vir declarar que se oporá à adesão da Escócia à União Europeia caso os escoceses optem pela independência. Como parece óbvio, dirigia-se a Glasgow mas falava para Barcelona.
Num ponto, porém, os discursos catalão e escocês convergem – ambos anseiam por se separar dos Estados onde estão integrados explicitando, porém, a respectiva vinculação ao ideal e ao projecto europeu corporizado na União Europeia. Como já algumas vezes tivemos oportunidade de anotar, este é um dos mais fascinantes paradoxos do nosso tempo: pese embora a profundíssima crise que atravessa, seguramente a maior desde a sua fundação, o projecto comunitário continua a exercer enorme fascínio e imensa capacidade de atracão relativamente aos Estados que não o integram. E mesmo relativamente àqueles que, ainda não sendo Estados, aspiram a sê-lo e veem a pertença à União Europeia como um verdadeiro seguro ou caução que assegure e mantenha essas independências ansiadas. Fenómeno, de resto, que não é novo – quando ruiu o Muro e implodiu a influência soviética no leste europeu, foi sob a protecção das organizações ocidentais (primeiro a NATO, logo depois a União Europeia) que as recém-recuperadas soberanias se quiseram acolher. As novas democracias foram protegidas mas o projecto europeu ficou imensamente debilitado.
Decerto – quem recordar o passado recente não poderá deixar de lembrar que a própria União Europeia, e a esmagadora maioria dos seus Estados membros, muito por influência directa dos Estados Unidos (que na sua guerra contra o terrorismo queriam deixar transparecer que a mesma não era contra os Estados islâmicos), abriram as portas de par em par a este caminho perigoso quando reconheceram a independência do Kosovo, separando-o da Sérvia com base unicamente na uniformidade étnica, sem curar de averiguar nem da viabilidade do novo Estado (militarmente defendido pelos norte-americanos e economicamente sustentado pela União Europeia) nem do potencial efeito contagio que tal independência podia suscitar.
Mas como a realidade se nos impõe, eis a Europa de 2014 confrontada, no mínimo, com duas crises secessionistas que poderão servir de rastilho para outras, semelhantes e não menos legítimas aspirações independentistas – do País Basco ao desmembramento da Bélgica, da Sicília à Sardenha, passando por outras incontáveis aspirações nacionalistas que se encontram adormecidas um pouco por essa Europa fora, com particular ênfase nos territórios do antigo poder imperial soviético. Era, diria, o último problema com a Europa da União se deveria preocupar e confrontar nos tempos de emergência que atravessa. Paradoxalmente, porém, tudo leva a crer que será mais um dos problemas com que teremos de nos defrontar, a somar aos muitos já existentes.