2º Pacote de ajuda financeira a Portugal

Na primeira entrevista que deu à RTP como Primeiro-Ministro, Pedro Passos Coelho alertou para as dificuldades que poderão advir para todo o continente europeu caso se verifique uma situação de défault ou incumprimento por parte da Grécia – situação que a cada dia que passa se antevê como mais provável. E, nesse quadro, adiantou o PM português, não poderá ser tido por excluído um reforço do pedido de auxílio financeiro português às instituições europeias e internacionais que já resgataram o país. No quadro duma entrevista muito positiva, a admissão dessa possibilidade constituiu o momento menos feliz da prestação do PM. Vamos atribui-lo a um simples deslize ou imprudência – que se dispensaria por não contribuir em nada para o reforço e credibilização da imagem do país que o governo está empenhado – e muito bem – em fazer passar para o exterior.

O regresso do velho método comunitário: decisão sobre resgate da Grécia adiada para outubro

Os ministros das Finanças da Zona Euro, reunidos em conselho informal em Wroclaw, na Polónia, em reunião que contou com a presença absolutamente extraordinária do Secretário do Tesouro norte-americano, adiaram para Outubro uma decisão sobre o plano de resgate da Grécia. É o regresso do velho método comunitário no seu esplendor: em vez de decidir, adia-se. Com a agravante de, sabendo-se da situação absolutamente caótica e de emergência que a Grécia vive, a meio passo da bancarrota e da cessação de pagamentos, este adiamento legitimar a dúvida: a União Europeia pretende efectivamente (como resulta das suas palavras) ou não (como parece resultar dos seus actos) salvar a Grécia do abismo e evitar o surgimento do primeiro caso de default na zona euro? A contradição entre as palavras e os actos mais do que nunca legitima a dúvida.

Por um pacto mediterrânico

Durante a ronda de preparação para o Conselho Europeu de amanhã e de sexta-feira, desta feita a cargo do MNE Paulo Portas, a delegação do CDS-PP sustentou que a União Europeia deve apertar o controlo das fronteiras europeias para travar as vagas de imigração e sugeriu mesmo que a União Europeia poderia fazer um pacto com os países de origem destes imigrantes.
A tese não é nova ou original mas não é por isso que deixa de ser sensata. No fundo, e numa altura em que a fronteira da pobreza marcha aceleradamente para norte e aproxima-se de nós, estamos perante a recuperação quer do velho processo de Barcelona quer, sobretudo, da sonhada mas pouco concretizada União Mediterrânica idealizada em 2008 por Sarkozy. Qualquer um destes processos já continham, entre as suas preocupações, a necessidade de regular os fluxos migratórios entre as duas margens do Mediterrâneo – tendo sempre presente que a capacidade de acolhimento da UE não é ilimitada e que em lugar de criar falsas esperanças ou prometer novos oásis aos cidadãos africanos e magrebinos, a UE deve empenhar-se fortemente em criar condições para que esses povos, muitos deles recém-libertos de regimes opressivos, permaneçam nos seus territórios de origem. De preferência a «boat—peoples» dos tempos modernos, que deixam ver a terra prometida mas apenas respondem com campos de refugiados ou repatriamentos imediatos.
Também isso significa estabelecer um maior controlo sobre as nossas fronteiras externas e uma maior seriação das pessoas que podem e não podem ficar no espaço europeu. Essa é, inquestionavelmente, a longo prazo, a única maneira de resolver este problema.
Mas é também a forma inteligente de evitar a sucessão de suspensões unilaterais dos Acordos de Schengen que nos últimos tempos começaram com a França, a Itália e já se estenderam à Dinamarca.
Quando a iniciativa política voltar à União Europeia e a Comissão Europeia retomar o papel que lhe incumbe por força dos Tratados, pode ser que a sugestão hoje apresentada faça o seu caminho e seja aproveitada.
Foi este, em síntese, a essência do comentário tecido aos microfones da TSF e que pode ser escutado aqui ( http://www.tsf.pt/paginainicial/Noticiarios.aspx?content_id=1885871 )

Elena Bonner. In memoriam

Elena Bonner lutou pela defesa dos direitos humanos na antiga União Soviética, esteve presa e exilada. Era viúva do físico nuclear e dissidente russo Andrei Sakharov, distinguido com o Nobel da Paz em 1975. Já tinha sido operada três vezes ao coração e morreu neste sábado em Boston, nos Estados Unidos, aos 88 anos.
Nascida na República soviética do Turquemenistão, em 1923, Bonner, enfermeira que chegou a ser condecorada pelos seus serviços de apoio ao Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, era uma crítica do regime desde finais dos anos 60. Nessa altura deixou as fileiras do Partido Comunista, depois de ver, durante a Primavera de Praga, a repressão das forças soviéticas na principal cidade da então Checoslováquia. Conheceu Andrei Sakharov em 1970 e os dois casaram em 1972. Ele foi físico nuclear, chegou a participar na criação da bomba de hidrogénio soviética mas depressa se juntou à contestação ao regime, por isso foi perseguido, submetido a um exílio interno na cidade de Gorki, a cerca de 400 quilómetros de Moscovo. Ela tornar-se-ia a sua voz no exterior, mas acabou por também ser expulsa para Gorki em 1984 por “agitação anti-soviética”. Um ano depois acabou por ser autorizada a deixar o país, partiu para Itália e mais tarde para Boston, onde vivia a sua mãe e a sua filha. Aí foi submetida à primeira intervenção cirúrgica ao coração. Até que, em 1986, foi autorizada a regressar a Moscovo, já Mikhail Gorbatchov procurava levar a cabo diversas reformas no regime. Sakharov também voltou, viria a morrer dois anos depois. E Bonner continuou envolvida na defesa dos direitos humanos e a ser uma das vozes mais críticas do regime. Críticas à guerra na Tchetchénia e a Putin Condenou com firmeza a intervenção militar russa na Tchetchénia, em 1994, guerra que qualificou como “genocídio do povo tchetcheno”. E como protesto renunciou ao cargo que ocupava na comissão de direitos humanos russa, era já Boris Ieltsin quem estava na presidência do país. Ieltsin, aliás, voltaria a ser alvo das suas críticas por ter promovido a ascensão do ex-agente do KGB Vladimir Putin a seu sucessor. Putin foi Presidente, é agora primeiro-ministro, e ainda no ano passado Bonner assinou uma petição na Internet contra ele, a condenar as violações de direitos humanos na Rússia. “A sua morte é uma grande perda, e não só para o movimento de defesa dos direitos humanos”, disse à agência Interfax a sua amiga e presidente do Grupo Helsinki, Lioudmila Alexeeva. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, prestou homenagem “à coragem de Bonner na sua luta pelas liberdades fundamentais e a dignidade humana”.

Quebrar o silêncio

A TSF esteve hoje de parabéns. Chamou ao seu Fórum diário as questões europeias para o debate da campanha eleitoral. Quase todos os líderes partidários participaram e entenderam responder às questões formuladas. Quase todos. Aquele que tinha mais obrigação de responder, não só pelo futuro que quer continuar a protagonizar como pelo pasado recente, resolveu omitir e calar. É pena; foi pena. Não só deixou por responder questões essenciais como desrespeitou o soberano nacional recusando-se a prestar as contas que, numa democracia, qualquer mandatário se acha obrigado a prestar.
Contribuímos com um depoimento inicial que pode ser escutado aqui, no qual procurámos elencar um conjunto de temas que vão estar na ordem do dia da agenda política europeia dos próximos tempos e sobre o qual o futuro governo português não pode deixar de se pronunciar. As notas que tirámos para esse depoimento ficam aqui registadas.
Pela gravíssima situação a que chegaram as nossas contas públicas, Portugal está transformado num quase protectorado, obrigado a cumprir um duríssimo e rigorosíssimo programa que lhe foi imposto do exterior e determinado pelos nossos credores. Um programa mais detalhado do que muitos programas de governo que já foram presentes à Assembleia da República e tão exigente que, para usarmos as palavras do ainda Ministro Teixeira dos Santos, fará com que os novos governantes nem tenham tempo de se sentar antes de começarem a trabalhar.
Curiosamente e paradoxalmente é neste clima e neste ambiente que decorre uma campanha eleitoral para umas eleiç?es legislativas da qual as quest?es europeias aparecem, estranha e incompreensivelmente, ausentes. Tanto as quest?es europeias que fazem parte da nossa agenda política interna como as quest?es que integram a própria agenda política europeia.Centrando-nos apenas nas quest?es da agenda política europeia, dentro do período de vigência da próxima legislatura é expectável que surjam uma série de assuntos sobre os quais o Conselho e o Conselho Europeu vão ter de se pronunciar mas sobre os quais não se ouve uma palavra dos principais partidos políticos portugueses. Só para dar alguns exemplos, nos próximos anos a UE, as suas instituições, os seus Estados,
1. vão ter de ensaiar uma espécie de refundação retornando aos seus valores essenciais e fundamentais sob pena de correrem o risco da desagregação, nomeadamente afastando as tendências do directório que já se sentem e se vislumbram e que se forem por diante arruinarão com o que resta do projecto e do ideal europeu,
2. vão ter de encontrar uma forma para lidar com a crise das dívidas soberanas que está a afectar os países periféricos do Sul e que alguns persistem em confundir com uma crise do euro, o que não é, factualmente, uma verdade ou uma evidência,
3. vão ter de renovar ou não o mandato do Presidente do Conselho Europeu,
4. vão ter de negociar as perspectivas financeiras plurianuais que vão reafectar fundos estruturais de que estamos a usufruir,
5. vão ter de rever a PAC,
6. vão ter de decidir sobre novos alargamentos (nomeadamente a zonas sensíveis como a dos Balcãs, com a Croácia à cabeça mas sem poderem ignorar a Sérvia),
7. vão ter de encontrar mecanismos estáveis e duradouros para a governação do euro,
8. vão ter de decidir sobre a transformação do FEEF num mecanismo permanente de auxílio a Estados em dificuldades após 2013, e
9. ou muito me engano ou vão ter de concertar posições relativamente a Estados que estão a ser intervencionados, auxiliados ou resgatados (conforme a terminologia que se prefira usar) e que apesar disso vão cair em situaç?es de incumprimento.
É verdade que em relação a muitas destas matérias os partidos políticos, os portugueses e os outros, têm a tendência para conformarem os seus votos com os partidos europeus em que se integram e de que são uma espécie de filiais nacionais, mas não deixa de ser verdade que muitas destas questões têm uma clara dimensão nacional cuja consideração não pode estar ausente no momento da decisão.
Sobre todas estas matérias quer o Conselho quer o Conselho Europeu, que são as instituiç?es onde se vão sentar os membros do governo português vão ter de se pronunciar. Incompreensivelmente quem se apresta a integrar esse mesmo governo é completamente omisso a discutir, a debater e a informar sobre o que fará perante estes assuntos se for chamado à governação. É a típica situação do silêncio ensurdecedor.
Nós sabemos que o exigente programa que a troika nos impôs – e que abrange o essencial da nossa agenda política interna – não vai deixar muito tempo livre aos nossos futuros governantes. Mas mesmo assim é preciso recordar que o programa da Troika não vai esgotar toda a actuação do futuro governo português e em domínios como a participação nacional nas instâncias comunitárias o programa não estabelece nenhuns constrangimentos nem quaisquer limitações, pelo que seria bom que neste período eleitoral os partidos que aspiram à governação nos pudessem dizer algo sobre a forma como se tencionam posicionar face aos principais assuntos que se depararão ao Conselho e ao Conselho Europeu nestes próximos tempos – sobretudo numa altura em que o nosso presente e o nosso futuro são decididos com a mesma importância tanto em Lisboa como em Bruxelas ou Estrasburgo.
Percebe-se que estes temas não sejam apelativos junto do eleitorado, que não rendam votos, que inclusivamente se revistam de alguma tecnicidade ou da sensação de que são assuntos distantes e longínquos, mas não é por isso que devem ser banidos duma campanha eleitoral, subtraídos da discussão pública ou, pura e simplesmente, omitidos do debate político – sobretudo quando sabemos que relativamente a alguns deles haverá fracturas e divergências entre os partidos concorrentes às próximas eleiç?es.