by João Pedro Simões Dias | Jul 10, 2007 | O Diabo
1. A primeira semana da terceira presidência portuguesa da União Europeia – presumivelmente a última a ser exercida por Portugal nos moldes que actualmente se processa em vista da expectável alteração de regras por parte do próximo Tratado Reformador que, na esteira da defunta Constituição Europeia, substituirá as presidências rotativas (pelo menos do Conselho Europeu) por uma personalidade eleita para mandatos de dois anos e meio – conheceu já alguns tópicos e algumas características que, supostamente, identificarão e caracterizarão a generalidade do semestre português. Em primeiro lugar e desde logo – a questão do Tratado europeu. É sabido que, ao último Conselho Europeu, José Sócrates pediu um mandato claro e inequívoco que lhe permitisse convocar, com razoável probabilidade de sucesso, uma CIG para negociar e aprovar o novo texto que desatasse o nó institucional em que a Europa da União se acha enredada. Com generosidade e boa-vontade os homólogos de Sócrates deram-lhe mais do que o que foi pedido – deram-lhe um Tratado praticamente semi-redigido, em que a generalidade dos artigos respeitantes às questões mais polémicas e controversas nos aparece já redigida e fechada. Só assim, de resto, com muito trabalho de casa já feito, se percebe e se compreende o calendário que a presidência portuguesa tenciona cumprir relativamente a esta CIG – que será inaugurada ainda este mês para ser encerrada já no próximo mês de Outubro. Três meses para redigir um Tratado europeu com a complexidade daquele que é suposto que venha a substituir a Constituição Europeia só será conseguido na perspectiva de o mesmo já se encontrar em adiantada fase de gestação. Sócrates deve esse trabalho e esse contributo à senhora Merkel. Nunca, em nenhuma outra CIG, houve algum mandato que, em termos de rigor, precisão e conteúdo se assemelhasse ao que acabou por ser conferido à presidência portuguesa. E, numa altura em que o acordo sobre o futuro Tratado europeu se erigiu em critério de sucesso da própria presidência portuguesa, dir-se-á que para esta ser plenamente conseguida «bastará» que se reúnam duas condições – que nenhum líder que esteve presente no último Conselho Europeu mude de ideias ou queira reabrir dossiers e acordos já consensualizados em Bruxelas, voltando a discutir temas e assuntos dados por encerrados; e que, por seu lado, a própria presidência, durante a vigência da CIG, não estrague ou desvirtue nenhum dos consensos alcançados na cimeira do Conselho Europeu. Se esta condição nos parece praticamente assegurada, face à proficiência da diplomacia portuguesa, haverá que seguir com atenção a evolução política europeia, posto que não cremos que se possa dar por adquirido que não haja tentações de vol-tar a abrir dossiers e discussões que já se julgavam definitivamente encerrados. Quer o Presidente do Conselho Europeu quer o próprio Presidente da Comissão Europeia, comentando declarações de dirigentes polacos, não deixaram de se referir a esta possibilidade, ainda que para a refutar, num discurso que seguramente teve destinatários bem identificados.
2. Para além das questões político-institucionais de matriz jurídica, porém, a primeira semana da presidência portuguesa deu-nos, também, o primeiro exemplo de um domínio onde as atenções da União passarão a estar centralizadas durante este semestre – o domínio das relações externas da União, traduzido na celebração de uma série de cimeiras bilaterais com os seus principais parceiros político-económicos. A ronda dos encontros bilaterais iniciou-se com o Brasil e, numa altura em que a mediatização da política tende a valer quase tanto como o seu conteúdo, dificilmente o encontro poderia ter corrido mal. Em boa verdade, porém, também seria difícil ir mais além do que se terá ido. Três aspectos merecem uma nota especial. Em primeiro lugar o facto de ter ficado agendada para o segundo semestre do próximo ano, quando a União for liderada por Sarkozy, a realização da segunda cimeira, na altura a reunir no Brasil. Se se pretende incluir estes encontros na agenda regular da União, é imprescindível que os respectivos agendamentos sejam atempadamente efectuados, à semelhança do que ocorre com idênticos encontros periodicamente realizados com outras potências regionais. Em segundo lugar, foi importante assumir a assinatura de uma parceria estratégica entre a UE e o Brasil nessa segunda cimeira. Foi, talvez, o mais evidente e concreto resultado prático que saiu deste encontro de Lisboa. Se, efectivamente, a União pretende solidificar o seu relacionamento com a América latina, é fundamental que esteja alicerçada numa parceria estratégica com a potência regional dominante. A assinatura desse acordo é, pois, um resultado evidente e positivo desta Cimeira. Em terceiro lugar, resultou do encontro de Lisboa uma declaração de empenho de ambos os participantes no sucesso da ronda de Doha, visando a liberalização do comércio mundial no quadro da OMC – o que só será possível de concretizar se os diferentes blocos regionais se entenderem entre si e derem efectivas mostras e sinais de estarem dispostos a abdicar de algo em troca do necessário acordo que a todos aproveite. A declaração de intenções era expectável – resta saber como, a nível técnico, a mesma poderá ser concretizada e operacionalizada, posto que frequentemente é aí que se deparam os pequenos-grandes obstá-culos que se encarregam de impedir a concretização das grandes e solenes proclamações políticas. Em todo o caso, a cimeira deu uma ideia clara de uma prioridade política da presidência portuguesa e que nos próximos meses se irá repetir, na altura em que se realizarem as cimeiras já marcadas para este semestre (China, Rússia, Ucrânia e, sobretudo, África).
3. Mas a primeira semana desta terceira presidência portuguesa também teve o seu momento de contestação e também provocou a descida à rua de manifestantes em protesto fundamentalmente contra a tão propalada «flexisegurança» ou «flexigurança» – aconteceu em Guimarães e teve como motivo próximo a reunião informal dos Ministros dos Assuntos Sociais dos 27 Estados-membros da União. O tema requer uma reflexão e uma meditação mais desenvolvida porquanto na sua base e subjacente ao mesmo encontra-se a grande questão de saber até que ponto é viável, nos dias que correm, a manutenção do tão comentado «modelo social europeu» – sobretudo num momento em que os efeitos da globalização colocam em concorrência directa economias assimétricas e diferentes níveis de protecção social. O «modelo social europeu» foi construído predominantemente numa lógica «assistencialista» que era a que caracterizou o imediato pós-segunda guerra mundial – mas que pouco já tem a ver com a realidade económico-social deste alvor do século XXI. O recurso ao conceito nórdico de «flexisegurança» mais não é do que o implícito reconhecimento da impossibilidade de manutenção de um modelo social baseado na referida lógica assistencialista que tudo reclama do Estado – dum Estado cada vez mais desprovido de recursos e cada vez mais vinculado ao cumprimento de rigorosas regras orçamentais. Nem sempre é recordado, porém, que os modelos sociais dificilmente podem ser objecto de importações e de aplicações em ambientes diferentes daqueles em que foram criados – o que legitima as maiores dúvidas e as mais sérias reservas à respectiva aplicação fora do que poderíamos convencionar como os seus ambientes naturais. Nessa medida, mas apenas nessa medida, se poderá perceber e compreender a motivação que fez descer às ruas da «cidade-berço» inusitado número de manifestantes que faziam ouvir a sua voz junto dos Ministros dos Assuntos Sociais dos 27. Já não se perceberá, todavia, a reacção contra o que se tem por inevitável – a profunda reflexão requerida sobre o referido modelo social europeu que, mais tarde ou mais cedo, terá de ser promovida e realizada no quadro dos Estados-membros da União. Mas essa será, seguramente, uma agenda política futura, porquanto de fractura e de ruptura – e tais atributos podem ser tidos, seguramente, por excluídos das prioridades da agenda política desta presidência portuguesa da União Europeia.
by João Pedro Simões Dias | Jul 3, 2007 | O Diabo
A terceira presidência portuguesa da UE, à luz das regras que se anunciam, poderá vir a ser a última que Portugal exerce, pelo menos em termos do Conselho Europeu – que passará a contar em breve com um Presidente efectivo (adivinha-se o nome de Tony Blair para a função quando a mesma for instituída) eleito para um mandato de dois anos e meio – permanecendo a dúvida sobre qual será o regime das presidências do Conselho (de Ministros) da União. Parece fora de qualquer dúvida que esta presidência será dominada pelas negociações que, no quadro da CIG, procurarão concretizar o mandato outorgado pelo último Conselho Europeu à presidência portuguesa. Seria redutor, porém, esgotar o exercício dessa presidência nas negociações visando a obtenção do acordo que permita a aprovação do (esperado) Tratado de Lisboa. Sem grande risco de erro, cremos poder divisar 3 grandes objectivos no programa da presidência portuguesa. Em primeiro lugar, as questões do poder – a repartição do poder entre as instituições da UE, a repartição das competências entre os Estados membros e a própria UE, a forma de exercício do poder dentro da União ao nível dos procedimentos de decisão, a determinação do peso de cada Estado membro no quadro das instituições (número de votos no Conselho, número de deputados no Parlamento Europeu, número de membros da Comissão Europeia inferior ao número de Estados membros da União).
Será a estas questões que o esperado Tratado de Lisboa – até agora apenas anunciado Tratado Reformador – poderá e deverá dar resposta. Sob pena de, não alcançando tal desiderato, a Europa da União se aprestar a ser lançada numa voragem rumo ao estertor final (ou quase). Em segundo lugar, a agenda política externa da União. Fruto, em alguns casos (Brasil e África), de opções políticas claramente assumidas pela presidência portuguesa e, noutros casos (China, Rússia e Ucrânia, por exemplo) das contingências do calendário, o semestre da presidência portuguesa assistirá à realização de um conjunto de importantes Cimeiras entre a UE e alguns dos seus principais parceiros político-económicos. Serão, certamente, momentos de visibilidade acrescida e de riscos políticos diminutos, onde o sucesso estará seguramente garantido e exposição pública e mediática da presidência perfeitamente adquirida. Outras questões da agenda externa da União – Kosovo, conflito israelo-palestiniano, Darfur, Turquia – não estarão condenadas a idêntico sucesso e seguramente prosseguirão na agenda política europeia.
Em terceiro lugar, finalmente, e para lá dos imprevistos que possam surgir, as questões «rotineiras» já constantes da agenda política da própria UE e que, transitando da presidência alemã, tenderão a ser geridas em vista do seu endosso à presidência subsequente (eslovena). Estão nesta categoria, por exemplo, as questões ambientais, da ajuda humanitária, do combate à criminalidade organizada e violenta, da aplicação do quadro orçamental em vigor, da estratégia de Lisboa, etc.
É pacífico, porém, o entendimento de que será no sucesso ou insucesso dos trabalhos conducentes à assinatura do Tratado de Lisboa que se jogará o êxito ou o inêxito desta presidência portuguesa. As expectativas depositadas em torno da resolução da crise institucional europeia aparecem-nos, assim, erigidas em critério de êxito ou de sucesso de uma presidência indelevelmente associada às negociações de mais um Tratado europeu.
Tratado que – exceptuando a questão semântica da sua denominação, a questão da retirada dos símbolos da União (o hino, a bandeira, a divisa e a moeda), a designação do Ministro dos Negócios Estrangeiros que passará a chamar-se Alto Representante para a Política Externa e de Segurança mas manterá o essencial das suas competências – não se afastará substancialmente da defunta Constituição Europeia em muito do que esta tinha de essencial mas também de controvertido – a personalidade jurídica da União, o fim das presidências rotativas do Conselho, a Presidência única do Conselho Europeu, o número de Comissários inferior ao número de Estados membros, a existência do Ministro dos Negócios Estrangeiros da União rebaptizado, a eficácia jurídica da Carta dos Direitos Fundamentais, etc). E assim sendo será impossível não se concluir que se perdeu demasiado tempo para tão poucas (anunciadas) alterações.
by João Pedro Simões Dias | Jun 13, 2006 | O Diabo
Nas próximas quinta e sexta-feira – assinalando o termo da presidência austríaca da União Europeia e nas vésperas da liderança de turno passar a ser desempenhada pela Finlândia – os chefes de Estado e de governo da União voltarão a reunir-se em Conselho Europeu, praticamente um ano após a histórica cimeira que, reflectindo sobre os «nãos» francês e holandês ao Tratado que estabelecia uma Constituição para a Europa, decretou um período de «euro-reflexão» de um ano, agora prestes a findar, no qual seria suposto a União desenvolver a aprofundar os mecanismos de reflexão que se viessem a mostrar convenientes para superar a crise institucional emergente das referidas recusas de ratificação daquele Tratado constitucional. A antevisão do que poderá vir a ser a Cimeira de Bruxelas foi-nos dada, já, pelo encontro preparatório tido em Viena de Áustria há cerca de duas semanas pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros onde, em cima da mesa de trabalho dos 25 chefes da diplomacia da União, para além da questão do período de «euro-reflexão», esteve a decisão sobre o que fazer com o tratado constitucional, sendo certo que as alternativas não abundavam. Decretar a sua morte definitiva – como pretendia o Reino Unido? Decretar o seu renascimento – como pretendia a Alemanha? Decretar a continuação do período de «coma vegetativo» – como pretendia a França? As alternativas, apesar de claras, não eram, pois, muitas. Ora, face às divergências registadas, a opção tomada acabou por ser um pouco a que já se esperava – constatando-se a inexistência de um acordo sobre o que fazer com e ao defunto Tratado, optou-se pelo mais simples e pelo mais fácil – prolongar por mais um ano o período de «euro-reflexão» iniciado no ano passado. Mais do que lançar novas políticas comuns, reflectir sobre algumas das políticas comunitárias ou equacionar questões relacionadas com as consequências do eventual alargamento da União à Bulgária e à Roménia já em 1 de Janeiro próximo, esta será, em princípio, a decisão que virá a ser tomada na próxima cimeira do Conselho Europeu e que foi já preparada na referida reunião dos chefes da diplomacia europeia. A confirmar-se, que dizer da sua essência? Apenas que, apesar de esperada, não será necessariamente a melhor decisão. Pelo contrário, poderemos estar apenas confrontados com o recurso a mais um expediente dilatório que nada vai resolver para além de fazer adiar e protelar qualquer decisão. Quem olhar para o estado da discussão e do problema nos dias de hoje e há um ano atrás verá que estamos exactamente no mesmo sítio. O que equivale a dizer que este ano de «euro-reflexão» foi um ano absolutamente perdido. Não se elevou o estado geral do debate sobre as questões europeias como se pretendeu fazer crer há um ano que iria suceder; não foram apresentadas novas sugestões e novas soluções para contornar a crise institucional instalada na sequência dos resultados dos referendos como se desejou que acontecesse; não foram ensaiados novos passos no sentido da consolidação dos tratados comunitários como se torna cada vez mais necessário que aconteça. Em suma – perdeu-se um ano. Ora, decretando o prolongamento do período de «euro-reflexão» por mais doze meses, os líderes desta Europa da União correm o risco sério de prolongar o limbo e o pântano institucional, nada fazendo crer que será neste futuro mais imediato que algo de novo possa surgir na agenda política europeia. E isto por duas razões essenciais.
Em primeiro lugar porque, mais do que nunca, essa agenda política europeia parece refém das agendas políticas internas – com especial relevo para o que acontecerá em França e na Holanda, que conhecerão importantes eleições presidenciais e legislativas em meados de 2007.
Em segundo lugar pela manifesta e evidente crise de lideranças que corre a Europa de lés-a-lés. A Europa da União, neste momento, é governada pela geração nascida no imediato pós-guerra, pela geração que amadureceu e se tornou adulta no período de recuperação económica europeia da segunda guerra mundial, pela geração que não viveu nem conheceu de perto as provações derivadas do conflito. Ora, esta terceira geração de governantes do pós-guerra nada tem a ver com a geração dos «pais fundadores» – a geração de Schuman, de Gasperi, Adenauer… que sentiram na pele o drama do conflito e viram no processo de integração europeia a garantia contra a repetição do cataclismo – nem com a geração seguinte – a geração de Kohl, Mitterrand, Schmidt, … que nasceram durante a guerra, ainda sentiram os efeitos da mesma e perceberam o quão importante era o processo comunitário para travar os desmandos ocasionais geradores de conflitos potenciais. Os governantes de turno da hora que passa – a geração de Merkl, de Blair, de Zapatero, de Sócrates… – não tendo conhecido nem sentido o drama da guerra civil europeia, mostram-se naturalmente menos propensos e menos sensíveis aos apelos da integração política, tendendo a ouvir essencialmente os chamamentos do mercado e da economia. Daí não ser de esperar que do seu seio surja, com o necessário arrojo, o ansiado «golpe de asa» indispensável para o relançamento do projecto comunitário em novas e renovadas bases políticas. Curiosamente – ou talvez não…. – a existir, talvez seja muito mais expectável que o mesmo provenha de algum dos novos Estados membros da União, de algum dos Estados do alar-gamento integrantes do ex-bloco soviético, do que de qualquer uma das clássicas democracias ocidentais. Não faltam indícios seguros de que os Estados da ex-cortina de ferro permanecem, neste momento, muito mais sensíveis para o aprofundamento político da União Europeia do que os seus parceiros há mais tempo membros da União. O que também se percebe: ainda se lembram das provações e do sofrimento a que o despotismo vermelho os condenou e vêem na Europa da União o seguro de caução contra a repetição da barbárie.
Ora, é neste contexto em que a União Europeia conhece uma grave crise de lideranças e em que nos surge como refém das agendas políticas nacionais, que se pode abrir uma janela de oportunidade para a «Comissão Barroso» – a oportunidade de liderar e definir a agenda da União Europeia, subtraindo-a às agendas nacionais (que o mesmo é dizer: aos específicos interesses dos Estados membros), evitando que a resolução das questões político-institucionais pendentes se arrastem penosamente no tempo para lá de 2009, isto é, para além do horizonte temporal do respectivo mandato. Se o conseguir fazer, se se conseguir emancipar das agendas nacionais, a Comissão Europeia prestará um novo e relevante contributo à causa europeia, recuperando o protagonismo já tido em tempos que começam a ficar distantes na memória. E – quem sabe? – Durão Barroso poderá começar a entreabrir as portas para a recondução num segundo mandato, aproveitando e beneficiando da efectiva falta de lideranças fortes e carismáticas nos diferentes Estados membros. Se não aproveitar a oportunidade de pilotar o debate e a liderança política que se impõem, decerto veremos a Comissão Barroso enfileirar ao lado daquelas – que começam a ser muitas – que nos tempos mais recentes pairaram sobre Bruxelas, sob as lideranças de Santer ou Prodi. Que não deixaram marca digna de registo.
Curiosa e paradoxalmente, a Comissão Barroso poderá vir a ser a grande beneficiária pelo prolongamento deste período de «euro-reflexão» caracterizado pela falta de lideranças politicamente fortes e carismáticas nesta Europa da União do alvor do terceiro milénio. Mister é que saiba aproveitar a oportunidade. O Conselho Europeu da próxima semana poderá começar a responder à dúvida que permanece.
by João Pedro Simões Dias | Jan 24, 2006 | O Diabo
Na passada semana o Parlamento Europeu rejeitou o acordo político alcançado na última cimeira do Conselho Europeu sobre as perspectivas financeiras da União Europeia para o período 2007/2013. Não se tendo tratado de uma rejeição do referido orçamento, tratou-se da recusa do acordo político que permitiu que o Conselho Europeu aprovasse o referido orçamento plurianual e com base no qual, agora, a Comissão Europeia deveria apresentar as propostas legislativas que consubstanciassem o verdadeiro orçamento da União (sobre o qual, formalmente, o Parlamento Europeu terá de se pronunciar, espera-se, no próximo mês de Maio). Contrariamente ao que se poderia pensar, não se tratou de uma surpresa completa. No início dos trabalhos da referida cimeira do Conselho Europeu, o Presidente do Parlamento Europeu já havia antecipado que, se se chegasse a algum acordo (como se chegou) na base que estava a ser negociada (como aconteceu), a hipótese mais provável seria a Assembleia de Estrasburgo refutar tal acordo político. O que acabou por acontecer – remetendo, agora, os intervenientes para a reabertura dum processo negocial em que a margem de manobra dos Estados membros (através da presidência austríaca) para renegociar e alterar o que foi acordado em Dezembro é extremamente reduzida.
O Presidente em exercício da UE, o chanceler austríaco Schussel, já se apressou a fazer saber que a sua margem de negociação é escassa: não deverá ultrapassar 1,4 mil milhões de euros – verba pouco significativa quer em face do valor global do orçamento estimado em mais de 800 mil milhões de euros quer em face da dimensão das críticas e observações feitas pelos eurodeputados ao acordo político a que se chegou em Dezembro. Assim sendo, os meses que se aproximam prometem negociação extrema e dura entre os Estados membros e entre estes e a Comissão Europeia (que poderá vir a ser chamada a desempenhar um papel de relevo em toda a negociação que se aproxima) a qual poderá vir a ter no Parlamento Europeu um aliado incondicional para as suas pretensões e anseios.
A essência profunda deste já previsível desacordo, porém, radica numa realidade mais complexa: a escassez de recursos da UE para fazer face às políticas existentes e ainda àquelas que os eurodeputados pretendem que sejam lançadas. Ora, ciclicamente, quando a União se dá conta da escassez dos seus próprios recursos, salta sempre à discussão a hipótese de, a prazo, poder vir a ser lançado um verdadeiro imposto europeu, que aumente os recursos próprios da União. É essa hipótese que não pode ser ignorada e, num exercício de cidadania, deve começar a ser discutida e equacionada para, sobre ela, a opinião pública poder começar a estruturar a sua própria posição. Esse será, seguramente, um dos temas-chave da agenda política europeia dos tempos que se avizinham. Calar essa possibilidade ou negar essa hipótese será alinhar no campo de todos quantos têm horror à discussão pública e participada das coisas da Europa.
Ora, numa altura em que se afirmam as virtualidades do próprio conceito de cidadania europeia, a dimensão participativa inerente a essa mesma cidadania impõe a mais ampla e alargada discussão pública sobre todos os temas constantes da agenda política da União – e a questão do eventual imposto europeu está, seguramente, entre os mais importantes de esses temas. Antecipar a discussão do tema não significa perder tempo ou desperdiçá-lo de forma inútil.
by João Pedro Simões Dias | Dez 20, 2005 | O Diabo
A recente cimeira do Conselho Europeu que decorreu no final da última semana em Bruxelas constituiu o mais recente exemplo do quão mal preparado e precipitado foi o último mega-alargamento da União Europeia. Em situações normais seria expectável que, apenas ano e meio volvido sobre a entrada de dez novos Estados para o clube da União, não fosse tema central de debate e controvérsia saber quem iria pagar – e em que proporção – a factura própria desse mesmo alargamento. Seria de presumir que, no decurso do processo de alargamento, sabendo-se da proximidade da negociação de um novo quadro comunitário plurianual, estivessem já definidas e fixadas as regras inerentes ao financiamento desse mesmo alargamento. Infelizmente nada disso ficou definido: a pressão política que reclamava o alargamento imediato sobrepôs-se à razão técnica que aconselharia uma negociação mais cuidada e por isso mais alongada no tempo. E escassos dezoito meses volvidos sobre o acolhimento dado aos novos Estados do ex-leste europeu, eis a Europa da União a dar a triste imagem de discutir entre os seus membros quem pagaria a factura da inclusão dos novos Estados. Paradoxalmente, porém, esta discussão também teve o outro lado da questão: também permitiu evidenciar algumas das principais debilidades da própria União em matéria orçamental, a saber: o verdadeiro contra-senso desse insólito cheque britânico que permite a Londres reaver ou recuperar uma parte daquilo com que contribui para o orçamento comum e o excessivo peso (cerca de 43%) da política agrícola comum no orçamento comunitário – PAC que eventualmente se justificaria nos anos cinquenta ou sessenta mas que hoje carece de qualquer sentido, pelo menos nos termos em que está estruturada e com os índices de financiamento que exige, convertendo-se numa manifestação de proteccionismo da União face a outros blocos económicos mundiais, pelo qual usualmente Bruxelas tem de responder e (tentar) demonstrar que os princípios que proclama no seu interior são igualmente válidos para as suas relações económicas externas.
Do estrito ponto de vista nacional, Portugal, nesta permanente mesa de jogo europeu, acabou por ser dos Estados com menores razões de queixa. Contas feitas serão 23,8 mil milhões de euros no período 2007/2013. Com algumas particularidades importantes, como a possibilidade de beneficiar de uma taxa de co-financiamento comunitária de 85 por cento (em vez de 80 actualmente) nos projectos dos Estruturais (FEDER e Fundo Social Europeu) e do Fundo de Coesão; ou a possibilidade de utilização das verbas comunitárias durante três anos depois da sua autorização orçamental, em vez dos actuais dois, findos os quais teria que devolver os fundos à União; bem como a autorização para a inclusão do IVA não dedutível nas despesas elegíveis para co-financiamento comunitário. Se, no plano ideal ou dos princípios, teria sido possível alcançar um melhor acordo, atendendo ao circunstancialismo própria duma negociação multilateral em que a reciprocidade das cedências é indispensável para se alcançar um consenso, Portugal não se poderá queixar da «fatia do bolo» que lhe coube em sorte nesta noite de Bruxelas.
Estas duas reflexões, nos planos europeu e nacional, deixam-nos, contudo, em aberto duas questões que importará não perder de vista: a primeira é a de saber se, enquanto Estado, saberemos ser suficientemente capazes para aproveitar na sua plenitude a imensidão das verbas colocadas à nossa disposição por este quadro comunitário; a segunda, talvez mais inquietante ainda, a de saber se, bom ou aceitável para todos os 25 Estados membros da União, este será, mesmo, um bom orçamento para a própria União Europeia no seu conjunto. Insuspeitas e reconhecidas vozes da cena europeia, libertas dos individualismos egoísticos nacionais, já começaram a expressar as suas dúvidas e as suas reservas.