by João Pedro Simões Dias | Set 28, 2016 | Jornal Económico
A última cimeira informal de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, ocorrida em Brastilava – com a particularidade de reunir apenas 27 dos 28 líderes europeus posto que, realizando-se para, supostamente, abordar o pós-Brexit, não contou com a presença da primeira-ministra May – surpreendeu a generalidade dos observadores quando, por forte influência de Hollande, resolveu erigir a questão da defesa comum europeia num dos temas centrais que ocupou os chefes de Estado e de Governo dos 27.
Não porque a questão da defesa europeia seja assunto menor ou tema irrelevante. Bem pelo contrário! Acontece, porém, que para a União Europeia se lançar numa tarefa de tal forma grandiosa e de tal magnitude como a de lançar as bases para a edificação de um projecto comum de defesa europeia, tal supõe a existência prévia de um consenso político que está muito longe de coincidir com aquele que a Europa da União actualmente conhece. Ocorre, aliás, recordar, que não é esta a primeira vez que a Europa tenta lançar e construir um projecto comum de defesa.
Durante a fase de negociações do que viria a ser o Tratado fundador da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Jean Monnet aproveitou para dirigir um pequeno memorando a René Pleven — entretanto nomeado Presidente do Conselho francês — onde se sugeria a federação da Europa em torno de um Plano Schuman desenvolvido que agisse de forma concertada com os Estados Unidos e com o império britânico para fazer face à ameaça militar que provinha do leste da Europa. Conjuntamente com uma equipa restrita de colaboradores diretos — nomeadamente Bernard Clappier, Paul Reuter, Etienne Hirsch, Pierre Uri e Hervé Alphand — Monnet deitou mão à tarefa de redigir um projeto de Tratado que contemplasse a criação de um exército europeu integrado sob comando único e que faria parte do dispositivo atlântico de defesa e segurança, dotado de um orçamento comum e colocado sob autoridade de um Ministro Europeu da Defesa que seria responsável ante um Conselho de Ministros e uma Assembleia Parlamentar europeia. Este projeto ambicioso viria a ser condenado ao fracasso às mãos e aos votos da própria Assembleia Nacional francesa quando, uma estranha aliança entre deputados gaullistas e comunistas, acabaria por rejeitar a aprovação do respetivo tratado institutivo, depois de o mesmo já ter sido aprovado por todos os parlamentos dos restantes Estados comunitários. Foi este, aliás, o primeiro de uma série de revezes que o projeto comunitário conheceria desde o seu início até aos dias de hoje, insucesso que o próprio Jean Monnet sentiu como um fracasso pessoal e determinou a sua demissão do cargo que desempenhava na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço — informando os seus colegas da Alta Autoridade, a 9 de Novembro de 1954, que não pretendia ser reconduzido no cargo.
Ora, no momento presente, em que a Europa da União demonstra a sua completa incapacidade em fazer frente aos principais desafios que tem pela frente – Brexit, migrantes, segurança, desemprego – introduzir na agenda política europeia o exigente e não consensual tema da defesa comum europeia, constitui óbvia manobra furtiva que demonstra que esta União Europeia tem aprendido muito pouco com a sua história e com os seus erros. Na impossibilidade de encontrar um consenso efetivo sobre temas concretos que atingem e preocupam os europeus, o Conselho Europeu (informal) optou pela “fuga em frente”: uma vez mais não perece ter sido o caminho mais prudente e mais avisado para enfrentar os reais problemas com a que o que resta da Europa da União de defronta e se debate.
by João Pedro Simões Dias | Set 7, 2016 | Diário Económico
As eleições estaduais alemãs do passado fim de semana, no Estado federado de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental constituíram um pequeno exemplo do ambiente político a que esta União Europeia sobrante tem estado a ser reconduzida, um pouco em todos os seus Estados. Os sociais-democratas tornaram-se no partido mais votado num Estado tradicionalmente democrata-cristão; a nova força do Altrenativa para a Alemanha (AfD) logrou alcançar o segundo lugar; e a CDU da chanceler Angela Merkel viu-se relegada para um inglório terceiro lugar na escolha dos eleitores, quando por regra este era um dos seus bastiões em toda a Alemanha.
A sensivelmente um ano das próximas eleições legislativas, estes resultados têm sido olhados com redobrada atenção e escalpelizados ao detalhe pelo estado-maior dos principais partidos germânicos, não faltando quem esteja a neles ver um ensaio importante para as próximas eleições gerais.
Dois dados resultam com particular evidência deste sufrágio – e devem merecer uma meditação mais aprofundada.
O primeiro tem a ver com a forte penalização da tradicional democracia-cristã da CDU, que de primeiro passa a terceiro partido no Estado. A generalidade dos comentadores que se debruçaram sobre estes resultados eleitorais foi unânime. Angela Merkel e a sua União Democrata-Cristã foram fortemente penalizados pela sua política europeia, com particular ênfase para a sua postura relativa aos refugiados e migrantes que têm demandado a Alemanha e se têm deparado, apesar de tudo, com uma política de acolhimento flexível e disposta a integrar um número significativo desta nova vaga de refugiados, política iniciada em setembro do ano passado, quando a chanceler decidiu não bloquear o caminho para os refugiados detidos na Hungria. Não faltaram, de então para cá, dentro e fora da Alemanha, vozes reclamando um endurecimento da política alemã face a estes migrantes e um endurecimento das leis federais que permitiam que os mesmos passassem e ficassem em território alemão. Da mesma forma que não faltaram os que associaram a esta vaga de migrantes o aumento da criminalidade e, sobretudo, o recrudescimento da onda terrorista que há muito a Alemanha já não conhecia. De todas as formas, sempre as questões atinentes à política europeia a justificarem esta queda eleitoral do partido da chanceler Merkel. Diga-se, já agora e à laia de parêntesis, terem sido muito poucos os que repararam nas fracas qualidades do candidato democrata-cristão à chefia do governo estadual; detalhes, apenas detalhes….
Por outro lado, a par com esta descida da CDU, os eleitores de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental optaram por beneficiar a extrema-direita populista da Alternativa para a Alemanha, guindando-a a um inesperado terceiro lugar no ranking eleitoral. Partido que se define como fora do sistema, populista e contrário à presença da Alemanha na União Europeia com tudo o que isso supõe (nomeadamente a pertença à zona euro, a aceitação da liberdade de circulação de pessoas, a política de assimilação de migrantes), o seu crescimento fez-se, também na Alemanha, à custa de um dos tradicionais partidos que moldaram o atual sistema político germânico (a CDU). Repetiu-se, com as devidas proporções, um fenómeno que já tínhamos visto acontecer em Espanha, na Grécia, no Reino Unido, em França, na Hungria, na Polónia. E que não está dito nem escrito em lado algum que se possa dar por terminado e encerrado.
A política europeia, em escalas e tonalidades diferentes, está, pois, a penalizar os clássicos e tradicionais partidos políticos que geriram os Estados europeus no pós-segunda guerra mundial, apadrinhando e criando condições propícias para a emergência de novas e desestruturadas propostas políticas, de matiz radical e sinais políticos contraditórios, que acabam por acolher e beneficiar de todo o descontentamento que as políticas europeias despertam e suscitam. A União Europeia, por sua vez, “põe-se a jeito”: em vez de construir um projeto político europeu, oferece políticas avulsas, dirigistas, regulamentadoras e não raro contraditórias entre si; em lugar de mostrar ao mundo lideranças inspiradoras e geradoras de confiança, contenta-se em escolher e substituir regularmente simples governantes de turno, que frequentemente nem são respeitados nem se dão ao respeito; à existência de uma opinião pública forte, consentânea com uma cidadania comum que pretende potenciar, convive com a existência de vinte e oito opiniões públicas nacionais onde o sentido de pertença a uma identidade comum que complete e complemente as identidades nacionais, está completamente ausente e não é estimulado nem alimentado.
Eis-nos, pois, perante um caldo de condições verdadeiramente potenciador de um atrofiamento capaz de constranger o aprofundamento e o desenvolvimento de um espírito europeu indispensável ao projeto que se pretendeu edificar sob a égide da União Europeia. Está nas mãos dos europeus impedir que este perigo potencial se transforme numa realidade triste e deplorável.
Se a Europa e os Estados europeus pretendem ter uma voz neste mundo cada vez mais globalizado e cada vez mais estruturado em torno de grandes espaços, urge que se organize e se institucionalizem para poderem ser ouvidos e escutados. Nenhum Estado europeu, por muito grande que seja, conseguirá sobreviver por si só neste mundo globalizado e de grandes espaços. Nem sobreviver, nem fazer-se ouvir. Nem os grandes, muito menos os pequenos e médios Estados. A União Europeia tem sido, até ao presente, essa estrutura mínima que almeja representar a Europa. Se não puder ser ela, que seja outra qualquer que venha a suceder-lhe. Mas o mundo, lá fora, não prescinde da Europa para se estruturar e se organizar. Mas se esta velha Europa não se apressar, esse mesmo mundo não ficará parado à espera dela.
by João Pedro Simões Dias | Ago 10, 2016 | Diário Económico
No quarto de século que se seguiu à queda do Muro de Berlim, à implosão do império soviético, ao readquirir da independência de uma série de Estados que estavam colocados sob dominação da União Soviética e, grosso modo, ao reencontro da Europa política com a sua dimensão geográfica, colocando um ponto final numa ordem pautada pela dualidade, a organização institucional da Europa tem girado em torno de três grandes organizações internacionais, sem prejuízo de outras de menor relevo ou inferior representatividade: no plano político, o Conselho da Europa; no plano político económico, a União Europeia; no plano militar, a NATO. Tem sido predominantemente em torno deste triângulo ou tripé que a Europa se tem apresentado ao mundo, tem dialogado com os outros grandes espaços também organizados no plano institucional, numa ordem instável, longe da perfeição, que por vezes mais tem parecido uma desordem madura em busca dos seus princípios e dos seus alicerces.
Porém, desde o referendo britânico que sufragou maioritariamente a saída do Reino Unido da União Europeia, tem sido travado, ainda que de forma incipiente, um diálogo entre diferentes observadores e historiadores do projeto europeu, por vezes refletido em páginas de alguns dos principais órgãos de comunicação social europeus, sobre as consequências do Brexit quer para a União Europeia, quer para as outras organizações internacionais de referência europeias, com especial relevo para o caso da Aliança Atlântica.
No que tange à União Europeia, seguramente aquela organização onde as consequências do Brexit se farão sentir de forma mais direta, é sabido que o resultado do referendo britânico constituiu um alento de alma para todos os que, em diversos Estados-Membros, começam a reclamar a realização de idênticos referendos como passo prévio à saída desses Estados da União. É uma bandeira e uma causa que vem sendo cavalgada por correntes populistas e nacionalistas que nunca souberam ou quiseram conviver com o projeto europeu e que, de um momento para o outro, se veem reforçadas nas suas intenções pelos resultados provenientes de Londres. Não será, assim, de admirar que, nos tempos mais próximos, de uma forma mais ou menos direta, mais ou menos explícita, alguns Estados europeus membros da UE possam ensaiar vias referendárias cujo objetivo será, em última instância, a secessão do bloco comunitário. Paradoxalmente, a lista dos Estados europeus que não fazem parte da União e continuam a demonstrar interesse em a ela aderirem não consta que tenha diminuído (excetuando aqui, nesta análise, o caso turco, que pelos seus contornos particulares mereceria tratamento autónomo). Ou seja, apesar do momento crítico em que se encontra e que está a atravessar, a União Europeia não perdeu o seu poder de atractibilidade para Estados que ainda não a integraram.
Mas ao lado da União Europeia, talvez seja prudente uma reflexão mais aprofundada sobre o que poderá vir a suceder com a Aliança Atlântica. A NATO tem sido o efetivo garante da paz na Europa nas sete décadas que passaram desde a segunda guerra mundial. Com o imprescindível apoio dos EUA, que se têm encarregado de suprir as lacunas dos europeus em matéria militar e de defesa, a NATO foi o verdadeiro seguro da Europa, da então dita Europa Ocidental, durante o período longo da guerra-fria. E mesmo depois de o Presidente George Bush ter “decretado” o fim da guerra-fria, a NATO começou por ser o guarda-chuva sob o qual se acolheram a generalidade dos Estados que se libertaram do jugo soviético depois da queda do Muro (relembre-se que estes Estados aderiram primeiro à Aliança Atlântica e só depois o fizeram à União Europeia, numa hierarquia de prioridades que não deixa de ser relevante e interessante). Inclusivamente quando se viu forçada a bombardear a Jugoslávia do ditador Milosevic em 1999 (primeira vez que a organização usou a força militar sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas), era da liberdade que se tratava e da libertação de um povo submetido à ditadura pós-comunista.
Ora, nesta fase de crise prolongada que a Europa conhece, não pode ser dado por adquirido que a Aliança Atlântica não venha a ser a “próxima vítima” do renascer das aspirações nacionalistas e isolacionistas que parece estarem em voga por vários países europeus. Decerto: tratando-se de uma aliança militar defensiva, será de crer que os anseios de saída da mesma sejam menos relevantes e menos assertivos do que os desejos de saída da União Europeia. Em todo o caso, não poderemos dar por adquirido que os mesmos não se venham a revelar e, eventualmente, de onde menos se possa esperar. Quem estiver atento a várias proclamações feitas por Donald Trump ao longo da sua campanha eleitoral, não se poderá dar por tranquilo e satisfeito com o que tem escutado. E o pior desafio que a Europa poderia vira a ter pela frente, neste período de crise e falta de rumo, seria ter de se preocupar em reconstruir a sua aliança defensiva – seja por motivos próprios seja por causas que lhe sejam estranhas. Era tudo o que a Europa menos precisava. Daí que, nos tempos mais próximos, talvez não seja perder tempo mantermo-nos atentos ao que, neste plano, também vier a ocorrer.
by João Pedro Simões Dias | Jul 13, 2016 | Diário Económico
Portugal ficou a saber ontem aquilo de que os portugueses e o próprio governo já suspeitavam há bastante tempo: a ultrapassagem do défice orçamental em 2015 em duas décimas percentuais vai-nos ficar cara e vai-nos, tendencialmente, direta e/ou indiretamente, custar muito dinheiro. De facto, a Comissão Europeia já tinha aconselhado os ministros das Finanças da União a aplicar sanções a Portugal (e a Espanha) e, agora, o ECOFIN validou essa recomendação, deu dez dias aos países visados para entregarem as suas observações escritas findos os quais a Comissão Europeia terá mais vinte dias para formular uma proposta de sanções que podem passar por uma multa financeira com o limite máximo de 0,2% do PIB e pelo congelamento dos fundos estruturais em 2017 no menor dos dois valores seguintes: 50% dos fundos europeus ou 0,5% do PIB.
Estas sanções, que têm sido formalmente apresentadas como sanções económicas, suscitam no imediato quatro comentários ou observações.
Em primeiro lugar, aplicar sanções a Portugal é uma estupidez tanto política quanto jurídica. Numa altura em que os europeus andam zangados com a União Europeia (como ainda agora se comprovou pelos resultados do recente referendo britânico) a quem atribuem a responsabilidade por todos os males e dificuldades que estão a atravessar, devido às políticas de forte recorte austeritário que a União tem forçado muitos países a seguirem, aplicar sanções a dois Estados europeus por estes não terem sido suficientemente rigorosos, revela enorme insensibilidade política. Significa dar mais um passo para a União Europeia perder definitivamente a batalha das opiniões públicas nacionais. E contra as opiniões públicas e os povos da Europa, não há projeto político que tenha qualquer futuro e que se possa salvar. É, por isso, uma estupidez política com duvidoso (para ser parcimonioso na adjetivação) fundamento legal.
Em segundo lugar, a aplicação destas sanções não pode ser censurada apenas às instâncias europeias. Constituem, também, uma óbvia derrota política, no que a Portugal diz respeito, quer do anterior quer do atual governo. O anterior governo deixou, incompreensivelmente, derrapar o défice orçamental para além dos 3%. Em ano eleitoral, cedo começou a abrir os cordões à bolsa e a gastar por conta…. A conta apareceu agora e não é barata. Mas o atual governo não se pode livrar de responsabilidades sobretudo por aquilo que não fez. António Costa fez uma campanha inteira afirmando e prometendo uma nova postura na política europeia de Portugal. Chegou a invocar o apoio e a relação privilegiada com muitos governantes socialistas europeus. Pois bem – chegada a altura de mostrar as suas credenciais, viu-se nada. Mais de metade dos ministros das finanças que votaram a aplicação destas sanções a Portugal são seus parceiros socialistas, trabalhistas ou sociais-democratas europeus. Serviu de alguma coisa? De nada. Apenas serve para que, doravante, não mais se possa recorrer ao discurso da tribo neo-liberal contra os defensores do Estado social. Como se vê, andam todos juntos e de mãos dadas.
Em terceiro lugar – o tipo de sanções anunciadas. A multa – ainda que seja a célebre “multa zero” de nenhum impacto financeiro direto no orçamento mas inquestionável dano reputacional e, por isso, também impacto orçamental ainda que indireto – e o congelamento dos fundos comunitários. Esta última muito mais danosa do que a multa financeira. Sabemos que o nosso crescimento económico abrandou e o pouco que se prevê alcançar será conseguido com base na procura interna e no consumo. Investimento, público ou privado, nem vê-lo. E o pouco que sobra, tem acentuada tendência para decrescer. Neste clima, será de todo importante a alavancagem que os fundos estruturais europeus possam dar à nossa economia, contribuindo para que ela cresça um pouco mais. Privá-la desse balão de oxigénio significa condenar-nos mais a uma maior e mais extensa penúria. Outra incongruência deste processo em que ninguém fica bem: Portugal é condenado por não cumprir e falhar objetivos consagrados nos tratados europeus e a sanção aplicada consiste em aplicar medidas que ainda vão dificultar mais esse mesmo cumprimento. Supremo paradoxo duma União onde o economicismo venceu, definitivamente, a política!
Finalmente, mas não menos importante, a aplicação destas medidas atesta na perfeição que a União deixou de ser uma organização de direito e passou a ser uma entidade onde predomina a discricionariedade e onda reina o casuísmo. Outros Estados houve que deram motivos vários à aplicação de sanções por incumprimento de outras disposições dos tratados, nomeadamente saldos orçamentais excessivos. Onde estão as sanções para eles? Quiçá na teoria de Orwell que nos ensinou que todos são iguais mas que uns são mais iguais do que outros…. Assim parede também acontecer na União Europeia. E esse é, inquestionavelmente, mais um passo dado no sentido da desagregação e descredibilização desta União Europeia em processo acelerado de desconstrução.
Por estas razões, e outras que se poderiam enunciar, parece um dado adquirido que as sanções que se anunciam a Portugal (e a Espanha) como sanções económicas, de económicas têm apenas o nome. Objetivamente são sanções políticas e é como sanções políticas e como um ajuste de contas político que podem e devem ser encaradas. E assim sendo, sem prejuízo da defesa jurídica que o governo português entenda dever fazer da posição do nosso país, é no terreno político que estas sanções ou este ajuste de contas devem merecer resposta e devem ser combatidas. E não nos limitemos a queixarmo-nos da sua aplicação porque, apesar de tudo, os tratados dão-nos vários instrumentos para o debate e o combate político que devem ser travados. Assim haja, para tanto, a necessária vontade política. E a necessária arte e engenho.
by João Pedro Simões Dias | Jun 29, 2016 | Diário Económico
Feito o referendo, contados os votos, apurados os resultados, sobram as perplexidades e restam as interrogações. O Reino votou, de uma forma cada vez menos unida, denunciando fraturas políticas absolutamente transversais e uma divisão que o comum dos mortais estava longe de imaginar. Ouso mesmo afirmar – que surpreendeu os próprios britânicos, muito deles convencidos de que, no momento final, tudo acabaria por ficar como dantes. O certo é que não ficou; o certo é que, fruto de uma improvável “coligação” de muitas esquerdas e de muitas direitas britânicas, abriu-se uma verdadeira caixa de Pandora. Que antecipadamente se sabia ser de dimensões e consequências imprevisíveis. Que talvez nunca se tivesse antecipado, todavia, que pudesse desde logo começar a ter as consequências que já evidencia.
A maior e mais surpreendente das consequências já evidenciadas pelo resultado do referendo tem a ver com a total e absoluta impreparação dos defensores do Brexit – e, por maioria de razão dos defensores do Remain, com David Cameron à cabeça – sobre o que fazer em caso de um resultado que desse a vitória ao “leave”. Já se passou quase uma semana sobre o dia do referendo e, até agora, inda ninguém se “chegou à frente”; ainda ninguém conseguiu apresentar um plano coerente e consistente sobre os passos subsequentes a serem dados, quer no estrito plano interno, quer no domínio das relações com as diferentes nacionalidades, com a Escócia à cabeça, quer, sobretudo, no âmbito das relações com Bruxelas e com a União sobrante. Cameron – que Felipe González muito bem qualificou como um político que vai ficar na história por razões menores, por ter ameaçado a integridade do Reino Unido e a coesão da União Europeia apenas para manter e afirmar o seu poder pessoal – bateu em deserção. Convocou o referendo depois de ameaçar a União Europeia e quando tomou consciência dos resultados do mesmo, desertou – para não ficar ligado ou associado ao processo de divórcio do Reino da União. Hoje, tal como na passada segunda-feira na Câmara dos Comuns, o que foi capaz de afirmar foi que será o Reino Unido a determinar o tempo da invocação do célebre artigo 50º do Tratado da União Europeia e as condições em que quererá negociar a saída da União. Ou seja, nem no memento do “leave”, o Reino perde a pose altiva e de superioridade com que sempre tratou Bruxelas e as questões atinentes à União Europeia. Mas se esta postura poderia ser mais ou menos esperada da parte dos defensores da permanência do Reino Unido, já da parte dos defensores do Brexit se esperaria algo mais. Uma ideia, um plano, um caminho, uma rota para a separação e a saída da União Europeia. Esperança vã. Já se percebeu que nada disso existe. Já se percebeu – Cameron afirmou-o – que terá de ser o novo governo e o novo primeiro-ministro a determinarem o caminho a seguir e as condições e exigências a fazerem a Bruxelas. Sim, porque parece que o Reino Unido, depois de 43 anos a fazer exigências a Bruxelas – exigências que lograram concretizar no cheque agrícola que Thatcher obteve das Comunidades, que Major conseguiu nos optin-outs negociados por ocasião do Tratado de Maastricht ou mesmo que Cameron alcançou com as medidas que foram aprovadas em fevereiro passado a troco de se empenhar na permanência do RU na EU – se prepara para continuar a fazer exigências na hora da saída. Quiçá, se tentando obter fora muito do que não conseguiu obter dentro. Com esta UE tudo é possível…. Mas para além de Cameron, nenhum outro político britânico emergiu ou se destacou propondo um programa para o divórcio. Por isso Londres tem insistido em que tudo se fará a seu tempo – para irritação e nervosismo de Bruxelas, de Paris e de Roma. Só Berlim (quem mais poderia ser?) deixou cair ténues indícios de respeitar o desejo britânico e compreender que seja Londres a escolher o seu tempo.
Esta foi, portanto, a primeira grande perplexidade associada ao resultado deste referendo: a impreparação dos vencedores para assumirem os resultados e as consequências da sua vitória.
Outras muitas consequências vão estar aí, à medida que o tempo for decorrendo e os assuntos e as matérias se forem colocando, exigindo a necessidade de celebração de um acordo que, em condições normais deverá ser obtido no espaço de dois anos a contar da notificação da saída. O tempo, aqui, corre claramente a favor do Reino Unido e pressiona a União Europeia e Bruxelas. Londres dá mostras de não ter pressa e de ter todo o tempo do mundo. Bruxelas exige celeridade e sabe que quanto mais o tema se arrastar em pior situação fica a economia dos 27. Os próximos tempos vão-nos dizer quanto tempo vale o tempo tanto para Londres como para Bruxelas.