by João Pedro Simões Dias | Mai 4, 2016 | Diário Económico
As últimas eleições primárias nos Estados Unidos – naquela que foi uma “super-mini-terça-feira” tanto para republicanos como para democratas – deixaram praticamente definido, ou pelo menos definido com alto grau de probabilidade, os protagonistas finais do duelo presidencial do próximo mês de novembro, para escolha do sucessor de Barack Obama.
Do lado democrata, Hillary Clinton amealhou o número de delegados para a convenção democrata que lhe permite encarar com alguma confiança e segurança a reta final das primárias, nomeadamente o decisivo teste das primárias na Califórnia. Acresce que, pelas regras democratas, os delegados inerentes à convenção partidária, não eleitos e que representam parte significativa do aparelho político democrata, aparecem claramente identificados com a candidatura da ex-primeira dama e ex-Secretária de Estado. O que lhe dá um suplemento de conforto e alento para a referida reta final eleitoral. Clinton chegará à convenção de Filadélfia, em finais de julho, numa posição claramente privilegiada para a aclamação final, aquela que não logrou alcançar há oito anos quando foi cilindrada pelo candidato e futuro vencedor Barack Obama – como, de resto, a mesma conta em detalhe nas suas Memórias recém aparecidas e de leitura altamente recomendável para quem quiser perceber um pouco dos pilares da política externa norte-americana do Presidente Obama.
Do lado republicano, o panorama é significativamente mais complexo e mais confuso. Donald Trump segue acumulando e capitalizando votos populares nas eleições primárias já realizadas. Tem sido o responsável por dizer aquilo que uma parte importante do eleitorado republicano tem querido ouvir e escutar. Trump, preste-se-lhe essa justiça, tem tido esse engenho e essa arte – diz o que muitos republicanos dizem, verbaliza o que muitos norte-americanos desabafam e pouco parece importar-se que tais declarações caiam mal nas próprias elites do seu partido que, neste momento, mais do que derrotar Donald Trump, se afadigam é em obstaculizar a que o mesmo chegue à convenção de Cleveland com o número de eleitos que garantam a sua eleição, assim transformando a convenção numa Assembleia aberta, em que os eleitos deixam de estar vinculados a qualquer candidato e podem passar a dirigir o seu voto para uma candidatura que surja no âmbito da própria convenção.
Ora, quando um dos partidos do sistema político norte-americano se vê na contingência não de escolher um candidato à presidência mas de obstaculizar a que um dos seus membros seja nomeado candidato, apostando tudo no surgimento de uma qualquer terceira via capaz de concitar o voto popular republicano, isso diz-nos quase tudo da forma como, na metade direita do sistema político dos Estados Unidos, estas eleições presidenciais estão a ser vividas e experienciadas.
Face aos dados atualmente existentes, e às sondagens que diariamente vão sendo conhecidas e divulgadas nos sítios da especialidade, dir-se-ia não ser difícil prognosticar que, na eventualidade de um duelo final Clinton – Trump, a ex-Secretária de Estado logrará obter vitória folgada e (quase) garantida.
A menos que……
A menos que, subitamente, os norte-americanos resolvam surpreender o mundo e colocar o máximo poder político existente à face da terra nas mãos de …… Donald Trump. Tenhamos esperanças que, apesar de o mundo tender para o desajuízado, os norte-americanos ainda não terão ensandecido por completo….
Do lado de cá do Atlântico, a questão que se importa colocar é a de saber qual dos candidatos poderá potenciar um melhor entendimento com a Europa e relançar em novas e sustentáveis bases o diálogo e a parceria estratégica ocidental que se impõe seja reconstruída e refeita. A resposta parece óbvia e intuitiva – Clinton estará em muito melhor condição para prosseguir esse objetivo do que Trump (caso se confirme a sua candidatura). Até por uma questão filosófica, a postura republicana tende sempre para um maior isolacionismo dos EUA face às grandes questões mundiais. Paradoxalmente, porém, tem sido nas mãos de Presidentes republicanos (muitos deles eleitos em nome desse tal isolacionismo) que têm caído as maiores responsabilidades de gerir crises internacionais com participação norte-americana. George W. Bush que o diga.
Todavia, se é verdade que, comparativamente com Trump, Clinton é incomparavelmente muito mais confiável e muito mais conhecedora da realidade internacional do que o seu putativo opositor republicano, até pelo exercício anterior da função de secretária de Estado, não deixa de ser conveniente recordar e relembrar que foi a própria Sra Clinton quem fixou como orientação estratégica da sua política externa, a valorização da influência americana no Pacífico, em detrimento da opção atlântica. Nas suas Memórias, uma vez mais, Clinton explica detalhadamente a razão dessa opção consciente do seu mandato. Desenganem-se, pois, os que do lado de cá do Atlântico dão por garantida e assente que a subida da ex-secretária de Estado à Sala Oval da Casa Branca equivalerá, ipso facto, a um reforço dos laços entre a Europa e os EUA. Nesta matéria é utópico ter ilusões. Os EUA, sobretudo no mundo pós guerra-fria, sempre se viraram para a Europa apenas e só na exata dimensão dos seus específicos interesses. É em função desses específicos interesses que a Casa Branca continuará a pautar a sua atuação e a gerir o seu relacionamento com a Europa, especialmente a Europa da União.
Porque, infelizmente, a falta de uma visão integrada do ocidente que somos e que integramos – dotando-a duma eficaz estrutura política, económica e militar – não é um exclusivo dos governos de turno europeus.
by João Pedro Simões Dias | Abr 20, 2016 | Diário Económico
In memoriam de Francisco F. Encarnação Dias
Quem teve a possibilidade de assistir à longa maratona decorrida no passado fim de semana na Câmara de Deputados de Brasília, onde se votava o relatório da Comissão Especial sobre o início do processo formal de impedimento da Presidente Dilma Rousseff, não consegue calar a perplexidade nem a surpresa perante o espetáculo que teve hipótese de presenciar. Sobretudo porque da sala de sessões da Câmara de Deputados, circunstancialmente transformada em cenário de novela de baixo quilate, emanavam argumentos que qualquer observador constatava nada terem a ver, objetivamente, com a tramitação formal de um processo que, para ser iniciado, deveria ter como requisito primeiro a acusação de prática de “crime de responsabilidade” por parte da Presidente da República, crimes esses que a lei ordinária brasileira define como “atos do Presidente da República que atentarem contra a Constituição Federal”. De nada disto, porém, se curou quando os deputados federais brasileiros, em ambiente de feira semanal, iam desfilando e anunciando o sentido do respetivo voto e a razão determinante para o mesmo. Escutaram-se invocações de Deus, da família, de pais, de mães, de filhos, de netos, de nascidos e de nascituros, de amigos e de desconhecidos, de perseguições pessoais e ajustes de contas individuais, de ressentimentos e de ressabiamentos; invocaram-se e evocaram-se antigos Presidentes da República, páginas mais negras e menos dignas da história brasileira, lutas antigas feitas recentes, clamou-se contra a corrupção e contra o golpe. Mas ao essencial, pouco ou nada foi dito. E percebe-se porquê.
Basicamente porque a generalidade da atual classe política brasileira, independentemente da sua colocação partidária, aparece-nos indissociavelmente ligada a práticas menos claras de opacas ligações entre o mundo da política, o mundo dos interesses privados e o mundo dos negócios. Sob a generalidade da classe política brasileira paira um manto de suspeição que praticamente não permite, aos olhos dos brasileiros, que quem quer que a integre beneficie de uma presunção de seriedade e de honestidade. O que não pode augurar nada de bom nem de prometedor para os tempos mais recentes do nosso país-irmão.
Mas para este clima de suspeição e de descrença, reconheça-se, muito contribuiu a atuação dos principais dignitários da república, reféns de atos pouco edificantes e que envergonhariam qualquer democracia estabilizada deste nosso velho continente. Dois simples exemplos servem para atestar e comprovar esta desqualificação dos titulares dos mais altos cargos da República para o exercício dos mesmos. Em primeiro lugar – a incompreensível tentativa da Presidente Dilma Rousseff de nomear para Ministro Chefe da sua Casa Civil o seu antecessor no cargo, Lula da Silva, num ato onde ninguém conseguiu divisar qualquer outra finalidade que não garantir a este um foro privilegiado para os problemas que tem com a justiça na decorrência da mega-operação “Lava-Jacto”. É uma nomeação ainda pendente de decisão final da instância judicial federal mas que teve o condão de retirar à Presidente da República o pouco crédito que ainda lhe restava junto da sua base social de apoio. Em segundo lugar, e para nos continuarmos a centrar nas figuras de topo do Estado brasileiro – enquanto decorre o processo de destituição de Dilma Rousseff, o Vice-Presidente Michel Temer distribui pelos amigos um áudio do seu putativo discurso de posse como Presidente, dando a destituição de Dilma por adquirida e por certa a sua subida ao cargo. Na resposta, a ainda Presidente vem acusá-lo de ser um dos dois líderes do chamado “golpe”. Em termos de relacionamento entre Presidente e Vice-Presidente da República, estamos conversados….
Estes factos, porém, dignos duma “República de bananas” e que se teriam por impossíveis de suceder num Estado do primeiro mundo em pleno século XXI, para além da sua gravidade intrínseca que se prende com o funcionamento das próprias instituições constitucionais do Brasil, acarretam ainda um perigo suplementar – é conseguiram dividir praticamente ao meio um país, colocando meio Brasil contra a outra metade. E isso não prognostica nem augura nada de muito bom. Já não é só nos palácios de Brasília que se travam e se jogam as cartadas políticas. É também nas ruas e praças das cidades brasileiras. E sendo o Brasil, neste momento, muito mais do que o país-irmão que Portugal legou ao mundo, o verdadeiro eixo em torno do qual gira a Comunidade de Países de Língua Portuguesa (apesar do escasso investimento que nela sempre fizeram os governos de Dilma), o que por lá se passe não se pode considerar estranho nem alheio a Portugal. Sem quaisquer resquícios “neo-colonizadores” desprovidos de qualquer sentido mas, igualmente, sem qualquer indiferença de todo incompreendida. Impõe-se, pois, seguir com detalhada atenção e não menor preocupação a evolução da situação política brasileira. A mesma não se pode dizer que nos é estranha ou alheia.
É que este Brasil, de facto, visto do lado de cá do Atlântico, parece não existir nem ter emenda, e sobretudo não aprender nada com a sua própria História. E ou muda rapidamente, começando pela sua classe política – toda – ou pode estar na véspera de dias muito complicados e difíceis. A título de mera hipótese de trabalho, talvez os brasileiros tivessem mais a ganhar se preferissem a mudança radical dos seus eleitos e um acrescido escrutínio das suas escolhas eleitorais, às manifestações públicas tão do seu agrado.
by João Pedro Simões Dias | Abr 6, 2016 | Diário Económico
O mundo agitou-se com a divulgação dos chamados “Panama Papers” – um vastíssimo conjunto de mais de onze milhões de documentos divulgados por um consórcio internacional de jornais e jornalistas de investigação das mais diversas proveniências e origens e com base na firma de advocacia Mossack Fonseca, com sede no Panamá e especializada na gestão de capitais e de património e na criação de empresas sedeadas em algumas das principais praças offshores que existem espalhadas pelos quatro cantos do mundo.
O espanto e a perplexidade da divulgação não radicaram tanto na dimensão ou no volume da informação disponibilizada e tornada pública quanto no conhecimento da identidade e das responsabilidades públicas e políticas de muitos dos beneficiários das contas e operações bancárias ora reveladas. Encontrar, nessa listagem, nomes de principais dignitários, atuais e passados, de vários e importantes Estados que conhecemos na atualidade é um facto de gravidade sem precedentes. Permite inferir a ideia de existência de uma verdadeira “Internacional, a “VI Internacional”, a “Internacional de Malfeitores” que se dão ao luxo de atuarem à margem da lei e, sobretudo, de toda a postura ética, e que mesmo assim exercem o poder político em diferentes latitudes deste mundo sem regra nem norte.
É evidente que, em muitos dos casos revelados, é de verdadeiras questões de legalidade que estamos a falar. Em todos, porém, para além da citada dimensão legal, existe um incontornável plano de responsabilidade ética que foi, claramente, ultrapassado. E o critério ético não se afere por padrões nem de legalidade nem de justiça. Está muito para além de ambos.
A este propósito, porém, convém introduzir alguma racionalidade no debate e discernir duas situações diferentes que a voragem noticiosa nem sempre permite distinguir: o recurso a offshores para albergar património e ativos financeiros não é, em si mesmo, uma atividade ilícita ou condenável. Aliás, importa sublinhar que, na atualidade e num mundo onde o capital tende a circular de forma cada vez mais irrestrita, quanto maior for a propensão dos Estados para aumentar as cargas fiscais que impõem aos seus cidadãos, maior será a tendência para o recurso a territórios onde, praticamente, a fiscalidade não existe ou, existindo, é meramente residual. Coisa distinta, porém, e é dessa que curamos, é recorrer a offshores para ocultar ou esconder património e ativos financeiros, de duvidosa origem e proveniência desconhecida, na maior parte dos casos tendo, a montante, situações ilícitas relacionadas com corrupção, tráficos, ou outras atividades criminalmente relevantes. É precisamente aqui se coloca a questão e é sobre esta situação que o escândalo embrionário acabado de se conhecer nos deve convocar à reflexão. Porque, por muita capacidade argumentativa, ou inventiva, que possa existir, na esmagadora maioria dos casos e das situações relatadas ninguém em seu perfeito juízo é capaz de defender ou sustentar a licitude na acumulação dos patrimónios e fortunas reveladas. O que nos remete para o tal plano metajurídico – o plano da dimensão ética. Ficámos a saber, de forma inequívoca e em muitos casos confirmando suspeições pré-existentes, que parte significativa dos dirigentes que governam este mundo sem rumo evidenciam graves défices de atuação no plano ético e dos valores, acumulando riquezas impossíveis de explicar à luz de qualquer racionalidade e de qualquer atividade lícita, fortunas essas que são escondidas em territórios onde a fiscalidade é quase inexistente, a disposição para a cooperação judiciária internacional praticamente uma impossibilidade e o segredo a regra sagrada que quase não conhece exceções.
Mas também aqui não podemos perder de vista um dado relevante, não raro omitido. Se atentarmos na localização geográfica de muitas das offshores que permitem a ocultação destas fortunas insuscetíveis de acumulação fruto do trabalho honesto, chegamos à conclusão que uma grande parte delas se localizam em respeitadíssimos Estados desenvolvidos e do primeiro mundo, algumas, mesmo em Estados membros da União Europeia, outras em Estados ou territórios sob influência direta daqueles – e que é aí, à vista de todos mas segundo um regime de opacidade total, que opera a Internacional dos Malfeitores e que se dá guarida a muitas situações de ilegalidade evidente e a muitas mais de atuação desprovida de qualquer ética. Isto é, estes paraísos fiscais são, hoje em dia, importantes fatores de concorrência económica entre Estados irmanados noutras organizações, associados noutras instituições, mas que não deixam de querer concorrer entre si em matéria de atração de capitais financeiros, quaisquer que seja a respetiva proveniência ou a sua origem ou licitude. O que nos conduz, imediatamente, a uma conclusão que tem tanto de simples em enunciar como de difícil em concretizar: enquanto for tolerada a existência destes paraísos fiscais, dificilmente se poderá aspirar a uma saudável convivência económica internacional, num mundo que, também neste domínio, é cada vez mais competitivo e cada vez mais dominado por obscuras oligarquias financeiras que, à custa do seu poder económico, vão sedimentando e fortalecendo o seu poder político. A VI Internacional não é, apenas, expressão de quem foge às suas obrigações fiscais e oculta patrimónios e fortunas. É, também, a expressão de uma parte significativa de quem exerce hoje o poder político. Esse é o nosso drama. Nunca, até aos nossos dias, uma Internacional teve tanto poder económico-financeiro e exerceu tanto poder político.
by João Pedro Simões Dias | Mar 23, 2016 | Diário Económico
Rompendo um silêncio de quase 90 anos, tantos quantos os que distam da última visita de um Presidente norte-americano a Cuba, os Presidentes de Cuba e dos Estados Unidos encontraram-se em solo cubano no início desta semana. Foi um momento histórico que culminou a aproximação entre os dois Estados iniciada no ano passado quando ambos decidiram reabrir reciprocamente as suas Embaixadas. Não assinalou, ainda, a completa normalidade das relações entre os dois países, porquanto subsiste o embargo norte-americano que, há mais de meio século, penaliza Cuba na sequência da crise dos mísseis nucleares soviéticos. E, desde logo, foi uma deslocação que teve desigual importância para ambos os Estados.
Para Cuba, esta visita afigura-se de primordial importância. De há muitos anos a esta parte a dependência de Cuba de um suporte económico exterior afigura-se vital para a sua subsistência. Primeiro, foi a dependência da falecida URSS e de alguns dos seus satélites como Angola; depois, quando as condições económicas (e uma nova conceção política) levaram a nova Rússia a suspender esse auxílio à ilha de Castro, tal papel foi desempenhado, essencialmente, pela Venezuela de Hugo Chavez. A crise petrolífera e o desmoronamento económico da Venezuela, todavia, vieram ditar o fim das liberalidades para com a ilha. Terá sido isso, aliás, que escassos dias antes de Obama pisar solo cubano Nicolas Maduro terá ido transmitir a Raul Chavez, numa viagem que foi pouco noticiada, mas nem por isso de menor importância. Cuba necessita, assim, de encontrar quem alimente a sua economia – e os Estados Unidos e as grandes empresas norte-americanas estão, apenas, a 150 km de distância.
Para Barack Obama, porém, esta viagem é politicamente mais complexa. Apesar de ser das deslocações ao exterior geograficamente mais curtas efetuadas ao longo dos seus mandatos é, no plano político, das mais longas e mais complexas. Os curtos 150 km de distância geográfica transformam-se nuns intermináveis 150 km políticos. Desde logo por não ser pacífica nos próprios EUA, com a maioria republicana no Senado a criticá-la fortemente e a prometer vetar quaisquer acordos políticos que Obama queira negociar. Depois, porque não é bem-vista pela própria oposição interna cubana – que acusa o Presidente dos EUA a legitimar, com a sua presença, um regime despótico e ditatorial, um dos últimos bastiões dos “regimes do muro” e da guerra-fria que subsistem na atualidade. Também por ser na ilha que se encontra a célebre prisão de Guantánamo, que Obama prometeu encerrar na sua primeira campanha eleitoral, mas que ao fim de oito anos e dois mandatos presidenciais continua a ser asilo de terroristas aos quais os EUA não sabem o que fazer nem a que jurisdição submeterem. Finalmente, por se realizar a um país conhecido pelas constantes violações dos direitos humanos, bandeira que qualquer administração norte-americana gosta de brandir e exibir. E neste domínio, parece que a viagem de Obama estará condenada ao insucesso. Raul Castro, de resto, na conferência de imprensa conjunta que deu com o Presidente norte-americano, fez gáudio disso mesmo, de em linguagem ostensivamente provocatória negar a existência de presos políticos em Cuba e a violação de direitos humanos na ilha. Obama, por seu lado, parece apostado em que a abertura económica da ilha levará, necessariamente à sua abertura política e à reforma do seu sistema constitucional e de governo – fiel à crença de que as mutações económicas acabam por gerar transformações políticas. É um facto que em algumas latitudes assim tem sido; continua por demonstrar que essa é a regra que se aplica em todas as situações.
Por todas estas razões – e as expostas não são mais do que as mais relevantes de entre outras várias que se podiam mencionar – Barack Obama tem, nesta sua deslocação a Cuba uma viagem que é, paradoxalmente, das mais curtas dos seus mandatos no plano puramente geográfico, mas uma das mais distantes e longínquas que poderia efetuar no plano político. Se conseguir fazer com que a distância política entre Cuba e os Estados Unidos se aproxime, por pouco que seja, da sua distância geográfica, será caso para dizer que a deslocação valeu a pena. E creio ser esse, a final, o grande objetivo prosseguido pelo Presidente norte-americano.
Post-scriptum – escritas as linhas que antecedem, ocorreram os atentados de ontem em Bruxelas. Sobre eles uma única reflexão se impõe deixar e partilhar: é tempo de deixarmos de ser todos franceses, espanhóis, britânicos ou belgas. Perante as ameaças terroristas, temos de ser todos europeus na luta contra a carnificina, o crime e a barbárie. Porque está demonstrado que só uma profunda união entre os Estados europeus, uma intensificação da cooperação policial, um aumento da partilha de informações e um combate coordenado a esta praga poderá ser minimamente eficaz nesta luta. Desenganem-se os que pensam que Estado algum, individualmente e isoladamente, consegue defender a integridade do seu território. É de progresso e não de retrocesso que a Europa necessita e precisa.
by João Pedro Simões Dias | Mar 9, 2016 | Diário Económico
O processo de aproximação da Turquia à União Europeia constitui um dos mais paradigmáticos exemplos da incapacidade da União Europeia para tomar certas decisões politicamente difíceis e controvertidas. É um processo que se tem vindo a arrastar ao longo de quase trinta anos, desde o longínquo 14 de Abril de 1987, quando o governo de Ancara formalizou o seu pedido de adesão às Comunidades Europeias. Com os seus Estados-Membros profundamente divididos em matéria de inclusão do vizinho turco no espaço comunitário europeu, a União Europeia tem titubeado, hesitado e adiado uma posição final sobre a questão turca. Curiosa e paradoxalmente, são Estados de fora da União (como os Estados Unidos) ou Estados-Membros nada interessados no aprofundamento político europeu (caso do Reino Unido) quem frequentemente mais surge a preconizar a referida adesão. Percebe-se a razão-de-ser desta posição substancialmente realista. No polo oposto, Estados como a Áustria ou a Alemanha têm-se destacado na rejeição desse alargamento. Nem sempre pelas mesmas razões; nem sempre pelas melhores razões. Quase sempre por uma questão de poder relativo no quadro da União, indissociavelmente associado a uma vertente demográfica turca. No meio desta divisão, a União Europeia tem encontrado todos os argumentos ao alcance da mão para evitar tomar uma decisão – para frequente irritação do governo de Ancara que não tem regateado esforços no sentido de se juntar ao clube europeu.
Em diferentes alturas e diversos momentos já tivemos a possibilidade de defender e sustentar que são tantas e de tão variada natureza as diferenças que intercedem entre a União Europeia e a Turquia que, qualquer adesão, deveria ser preterida a benefício de um forte e sólido acordo de associação que ligue a União Europeia a Ancara. Seria uma forma eficaz de resolver um diferendo que, arrastando-se no tempo, arrisca a que os turcos a breve prazo não só não sejam europeus como venham a ser profundamente anti-europeus.
Porém, como a história nem sempre respeita o calculismo e as contingências da política internacional, eis atualmente a União Europeia confrontada com um problema humanitário de dimensão sem igual no pós-segunda guerra mundial para cuja resolução a colaboração com a Turquia se afigura absolutamente indispensável – a crise dos migrantes e refugiados provenientes, sobretudo, da Síria e Estados adjacentes.
Contudo, a cimeira UE-Turquia da passada segunda-feira constituiu, infelizmente, mais uma oportunidade perdida para progredir nas negociações euro-turcas sobre a resolução desta crise dos migrantes. Surpreendida com novas exigências turcas para reter no seu território os migrantes em busca do sonho europeu, a União Europeia e os seus Estados-Membros viram-se confrontados com a exigência de um novo envelope financeiro de 3 mil milhões de euros duplicando o já anteriormente concedido e, ainda, o reinício do processo negocial em vista da sua adesão ao clube europeu. Foi quanto bastou para que qualquer decisão fosse tomada. Foi o necessário para que o Espaço de Schengen não voltasse a ser respeitado pelos Estados aderentes, garantindo a livre circulação no espaço interno da União, mantendo-se as restrições em vigor. E como continua a ser apanágio deste método comunitário que adia em vez de decidir, voltaram as decisões a ser remetidas para a próxima cimeira do Conselho Europeu em meados deste mês.
Retira-se daqui uma conclusão óbvia – que transcende em muito a já complexa e imediata crise humanitária que reclama uma decisão célere. A conclusão que, mais tarde ou mais cedo, a União Europeia terá de conseguir e ser capaz de regularizar e resolver o seu relacionamento com esta Turquia com a qual terá, seguramente, várias questões partilhadas a trabalhar e a resolver em conjunto. Enquanto esse relacionamento não estiver estabilizado (e, repete-se, essa estabilização não tem, necessariamente, de passar por uma adesão da Turquia à União Europeia) dificilmente algumas questões pendentes que se colocam à União Europeia poderão ter solução. E cada dia que passe e que se atrase a estabilização desse relacionamento, é um dia que poderá aproximar cada vez mais a Turquia do islamismo radical. E nesse cenário, seria um problema a mais, e dos grandes, com que a UE teria de se defrontar – ter o radicalismo islâmico na sua fronteira externa. Um problema que se dispensa e que urge evitar a todo o custo.
by João Pedro Simões Dias | Fev 24, 2016 | Diário Económico
Durante muitos anos, aos meus alunos de Ciência Política, recomendei a leitura do livro “Animal Farm” (“O triunfo dos porcos” na tradução portuguesa de duvidoso gosto que ficou consagrada na nossa literatura), uma das mais emblemáticas e clássicas obras de George Orwell, publicada em 1945, logo a seguir ao fim da segunda guerra mundial, onde se criticava, de forma satírica mas implacável, o caminho e as opções do socialismo dito científico. Numa quinta perdida nos confins da Grã-Bretanha, os animais que a habitavam juntaram-se para expulsar o proprietário e os tratadores dos bichos que ali existiam, assumindo eles, os animais, o poder na quinta. Todos os animais. Todos até àquele fatídico dia em que os bichos acordaram e deram com um enorme mandamento escrito na parede do celeiro onde faziam os seus plenários: onde estava escrito “todos os animais são iguais”, numa manhã, pelo alvor da bicharada, apareceu acrescentada a expressão “mas uns são mais iguais que outros”. Ou seja, “todos os animais são iguais, mas uns são mais iguais do que outros”. E a partir desse dia, os porcos tomaram o poder na quinta, ficaram a mandar no resto da bicharada e acabaram por se revelar mais tiranos e mais déspotas do que os humanos que tratavam da quinta, fazendo a bicharada ter saudades dos seus antigos donos.
Por pura associação de ideias, ao ler o comunicado saído da reunião do Conselho Europeu do final da passada semana, dei comigo a lembrar-me de Orwell e do “Triunfo dos Porcos”. À medida que ia desfiando as concessões que os 27 Estados membros da União Europeia e as suas instituições fizeram a Londres, alínea a alínea, ia-me interrogando – então e os outros? E os restantes Estados? Vão ter direito às mesmas derrogações e exceções? Poderão suscitar novas leituras dos seus direitos e deveres face à União Europeia que contratualizaram no momento da sua adesão? Poderão ter a mesma oportunidade de aceitar umas políticas e recusar outras? Poderão, expressamente, desvincular-se do objetivo essencial enunciado no artigo 1º do Tratado da União Europeia que diz, taxativamente, que este Tratado “assinala uma nova etapa no processo de criação de uma União cada vez mais estreita entre os povos da Europa”? E que dizer do estabelecido no artigo 4º do mesmo Tratado que afirma que “a União respeita a igualdade dos Estados membros perante os Tratados” – continua a ser uma norma juridicamente vigente ou uma mera proclamação política desprovida de qualquer valor jurídico?
São dúvidas inquietantes, sobretudo para quem teima em ver a União Europeia como uma comunidade de direito, na esteira do que nos foi ensinado pelos pais fundadores. Decerto – os valores que estes nos transmitiram há muito que já forma postergados em variadíssimos domínios. Talvez, porém, nunca se tenha ido nem tão longe nem tão fundo quanto o foi esta última cimeira do Conselho Europeu. E tudo a troco e em nome de quê?
A troco e em nome de David Cameron se comprometer a fazer campanha eleitoral pela manutenção do Reino Unido na União no referendo que foi convocado para o próximo mês de junho. Só isso e nada mais do que isso. Chega? Basta? Para os chefes de Estado e de governo da União, parece que chegou. Para os britânicos, teremos de esperar pelo seu veredicto nas urnas. Ou seja – os governantes desta Europa da União erigiram George Orwell em novo inspirador desta União Europeia, consagrando o princípio da desigualdade entre os seus Estados membros a troco de uma simples e vaga promessa de um determinado voto a exprimir pelos britânicos.
Parece-me pouco, muito pouco, para tanta cedência e tanto desvirtuamento do projeto europeu.