by João Pedro Simões Dias | Fev 10, 2016 | Diário Económico
Por razões de política interna, quando Cameron ascendeu ao poder no RU comprometeu-se com a realização de um referendo sobre a presença do Reino na UE. Pretendia segurar a ala eurocética do seu partido, seduzida com o discurso de Nigel Farage, serenar o lib-dem seu parceiro de governo e tranquilizar os próprios trabalhistas. A primeira legislatura foi passada a preparar o terreno referendário e, nesta segunda, apesar de beneficiar de maioria absoluta em Westminster, Cameron não deixou cair a ideia e empenhou-se em colocá-la em prática até finais de 2017. Depois de alguma incredulidade inicial, Bruxelas admitiu que o assunto podia ser sério e dispôs-se a encetar conversações com o governo de Londres, para Cameron fazer campanha pelo sim no referendo.
Será na próxima cimeira do Conselho Europeu que o tema ocupará os chefes de Estado e de governo sabendo-se, de antemão, as quatro principais medidas que o Presidente Donald Tusk, secundado por Jean-Claude Juncker, se predispuseram a ceder a ceder a Cameron.
Em primeiro lugar, a atribuição ao RU de um “travão de segurança” que poderá ser usado quando se produza um fluxo de trabalhadores de outros Estados membros, de magnitude excecional e duração prolongada. Nestas situações, Londres poderá negar a esses cidadãos comunitários prestações sociais relativas ao emprego. Em segundo lugar, a atribuição a Londres de uma cláusula de salvaguarda para as situações em que o aprofundamento de medidas adotadas no âmbito da zona euro sejam suscetíveis de prejudicar o RU ou a City londrina enquanto centro financeiro mundial. Em terceiro lugar, consagrar o “cartão vermelho” que permitirá a 16 dos 28 Parlamentos nacionais bloquear definitivamente iniciativas legislativas europeias que considerem atentar contra os seus interesses nacionais. Finalmente, admite-se que o RU deixará de estar vinculado ao objetivo geral consagrado no Tratado da UE de esta avançar rumo a uma união cada vez mais estreita, assumindo-se que tal objetivo afeta a soberania do RU.
Tusk e Juncker já ofereceram isto; Cameron já se disse satisfeito mas acrescentou que ainda não chega. O Conselho Europeu dos próximos dias 18 e 19 poderá ajudar a esclarecer.
Sem embargo, são muitas as questões que se colocam neste processo. Desde logo, saber se estaremos a atuar no quadro dum processo de revisão formal dos tratados ou noutro qualquer de duvidosa legitimidade. Da mesma forma, seria curioso saber se, à luz do princípio da igualdade dos Estados membros, doravante qualquer outro dos 27 Estados da UE poderá rever e reescrever a forma como se vincula à União ou se isso é privilégio de Londres.
Em síntese, será este o “preço” a pagar para evitar o BRexit: acentuar o princípio da desigualdade entre os Estados membros da União; transmutar definitivamente a natureza da UE; questionar dois dos seus pilares fundamentais (liberdade de circulação de pessoas e não discriminação em razão da nacionalidade); hipotecar definitivamente a possibilidade da UE avançar para uma efetiva união política; consagrar e institucionalizar a Europa a várias velocidades.
Compensará pagar este preço? Com a contingência que supõe responder a esta questão cremos que, para quem quiser ver na UE uma grande zona de livre comércio europeu com um mínimo de integração política, seguramente que compensará. Quem, por outro lado, ansiar por uma UE que seja mais do que isso, nomeadamente um bloco geográfico politicamente integrado e com uma intervenção política no mundo proporcional ao seu peso económico, o “preço” a pagar a Londres revela-se demasiado caro, porventura nada compensador.
by João Pedro Simões Dias | Jan 27, 2016 | Diário Económico
O governo anunciou que no mês de fevereiro tenciona apresentar a candidatura de António Guterres ao cargo de Secretário-Geral da ONU. É uma excelente notícia para Portugal e uma ótima notícia para a ONU que poderá passar a ser liderada por um político experimentado, prestigiado e, sobretudo, um humanista cristão com provas dadas em matéria de direitos humanos, de apoio a refugiados e de lide com algumas das mais difíceis consequências das piores contendas que se têm travado no mundo. Será, decerto, um desafio estimulante para a nossa diplomacia guindar ao mais prestigiado cargo da cena internacional um português. A tarefa será árdua mas, acreditando-se no rigor destas decisões, não há razões para não acreditar que as continhas já não estejam todas muito bem feitas, a teia de solidariedades começada a tecer e as hipóteses de sucesso serem efetivas e concretas. Não poderia ser de outro modo.
O próximo Secretário-Geral da ONU irá ter pela frente uma agenda sobrecarregada onde, para além das questões de contingência que já estão lançadas e de outras que possam vir a surgir, não podem deixar de estar presentes as preocupações com a própria reforma da organização. A ONU é a instituição de referência do mundo que foi o do pós-segunda guerra mundial; a instituição pensada e criada pelos “vencedores” da segunda guerra mundial – que reservaram para o si o direito de veto no Conselho de Segurança – para enquadrar uma ordem internacional que era a do bipolarismo e da guerra-fria, que já desapareceu há um quarto de século, quando o muro ruiu, o império implodiu e o bipolarismo deu lugar a um uni-multipluralismo. Pese embora as alterações verificadas na sociedade internacional, a ONU não se renovou, não se reformou, não se adaptou aos novos tempos, não reconheceu novos poderes emergentes e novas potências em ascensão. Continua fiel ao mundo que brotou de 1945. Está por isso, manifestamente, desfasada da realidade e dos tempos que vivemos. Continua a ser a depositária de princípios universais mas faltam-lhe os meios para os operacionalizar. Muitas vezes o seu Secretário-Geral dá ao mundo a impressão de outro poder não ter para além do poder da palavra – que vai manejando com a arte e o engenho com que a Providência o dotou. É um poder fortíssimo; mas muitas vezes insuficiente.
Apesar de tudo – e para recorrermos ao ensinamento reiterado de Adriano Moreira – a ONU continua a ser o único lugar onde “todos se encontram com todos”; não só a sede da legitimidade internacional como a fonte das novas regras que devem presidir à ordem mundial em construção. Por isso da agenda do próximo Secretário-Geral não poderão estar ausentes as preocupações atinentes à reforma da instituição, por forma a adequá-la a este estranho e perigoso século XXI. Seria deveras gratificante que, uma vez mais, fosse daqui, deste quase cume da cabeça da Europa toda, Reino Lusitano, onde a terra se acaba e o mar começa, que pela mão de um nosso compatriota, fosse prestado mais esse serviço à causa da humanidade.
by João Pedro Simões Dias | Jan 14, 2016 | Diário Económico
2016 começou, infelizmente, com mais um trágico registo para o negro livro dos atentados que têm varrido a Europa e as suas zonas envolventes, protagonizados pelo daesh, empenhado em (re)construir o Califado a partir dum pretenso Estado Islâmico em construção. Foi mais uma manifestação sanguinária, repulsiva e condenável que desta vez teve por palco outro estado islâmico – essa Turquia cada vez menos previsível, em acelerada transmutação que, pese embora seja a única bandeira muçulmana içada ao lado das demais bandeiras dos Estados da Aliança Atlântica, e continue a proclamar a sua intenção de se juntar à União Europeia, não escapa à acusação de manter uma posição dúbia na guerra sem quartel que a coligação ocidental (estruturada principalmente em torno dos EUA, da França, da Rússia e do próprio Reino Unido) tem dirigido contra as bases de direção política e os campos de treino que o daesh mantém, sobretudo no território que outrora integrava a Síria e em zonas cada vez mais extensas do Iraque. Oscilando entre a condenação do Estado Islâmico e o terror que tem levado aos curdos – que continuam a ser aliados ocidentais na guerra contra os extremistas pese embora esse mesmo Ocidente nunca se tenha empenhado em dar-lhes a pátria que a nação curda reclama – a Turquia foi a vítima mais recente da barbárie hedionda e demoníaca.
O que nos veio recordar – se preciso fosse – que o terrorismo que mata em nome dum deus qualquer, está dentro e nas imediações desta União Europeia que por vezes dá mostras de caminhar aceleradamente num processo de desconstrução e de regressão. E se há matéria e domínio onde se impunha que a UE e os seus vizinhos concertassem uma efetiva política comum e de partenariado, o combate ao terrorismo afirma-se como o campo por excelência dessa luta sem quartel. Não só por ser o território onde nenhum Estado isoladamente consegue afirmar a sua superioridade como, sobretudo, por ser o plano onde se cruza uma opção fundamental que a cada dia que passa se afigura mais inevitável: a opção entre os valores da liberdade e da segurança. Dito de outra forma – é cada vez mais evidente que teremos que escolher o quantum de liberdade de que queremos ou estamos dispostos a abdicar para garantia da nossa segurança. Mas essa escolha, para ser consequente e eficaz, apenas pode ser feita no quadro duma entidade supranacional, dotada de efetivas competências, meios e determinação política para encetar o combate que é necessário travar. Se os acontecimentos não se encarregarem de destruir o que resta da UE, esta será a escolha que os governantes de turno, mais tarde ou mais cedo, serão chamados a efetuar. Veremos se a tanto chegará a coragem e a vontade políticas.
by João Pedro Simões Dias | Nov 15, 2015 | Diário Económico
O terrorismo voltou, em força, a atacar a Europa. A mais recente batalha desta “terceira guerra mundial em parcelas”, como lhe chamou Sua Santidade o Papa Francisco, voltou a ter Paris por palco e a França por alvo. Num ataque mais elaborado, mais planificado e portanto mais cobarde que os anteriores, o daesh voltou a trazer para a Europa e para a pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade a carnificina bárbara, a que já nos habituou.
Inevitavelmente o debate teria de se colocar – facilitará, a livre circulação de pessoas consagrada pelos acordos de Schengen no espaço europeu, a eclosão destes fenómenos?
A França começou por pensar que sim – uma das primeiras medidas tomadas na sequência dos atentados foi decretar a reposição de controles nas suas fronteiras. Outros países seguiram-lhe o exemplo. O debate está, portanto, relançado e é impossível fugir a ele.
A abolição dos controles fronteiriços internos na Europa, instituída pelos Acordos de Schengen, marca um dos momentos mais simbólicos do processo de construção da unidade europeia. Consagra plenamente o princípio da liberdade de circulação de pessoas, pilar fundamental e pedra angular do mercado comum europeu. Com igual carga simbólica, só mesmo a introdução do euro que traduzia a criação da união económica e monetária. Numa União Europeia burocratizada, na imensa maioria das vezes presa a decisões que pouco ou nada dizem aos seus cidadãos, a abolição das fronteiras internas e a criação de uma moeda comum significaram os dois momentos mais visíveis e mais tocantes para a vida dos cidadãos em concreto.
Com o euro, sabe-se o que se passou. Uma primeira crise económica e financeira à escala mundial chegou para evidenciar as omissões associadas à moeda única e as falhas na sua criação e na falta de instrumentos complementares à existência de uma moeda. À pressa e sob a pressão dos factos, houve que tentar remediar as omissões e suprir e integrar as lacunas.
Relativamente a Schengen teremos, provavelmente, chegado ao momento em que a reflexão terá de ser efetuada. Sobretudo porque, constata-se agora – apesar de alguns o terem denunciado, com pouco sucesso diga-se, no tempo certo – que o princípio da liberdade de circulação e da abolição de fronteiras repousa num equívoco que permanece sem resposta. O equívoco é o seguinte: a União Europeia determinou a abolição dos controles fronteiriços entre os Estados membros que aderiram a Schengen; porém, não curou de criar, a nível supranacional, um sistema eficaz de segurança das fronteiras, de vigilância e controle dos movimentos de cidadãos, da própria criminalidade transnacional. Na sua essência, essas tarefas continuaram entregues aos diferentes Estados nacionais – que perderam a possibilidade de controlar quem entra nos seus territórios mas permanecem responsáveis, em última instância, pela manutenção da segurança dentro das suas fronteiras. Enquanto tudo corre bem, estas omissões e deficiências sistémicas podem ser omitidas ou esquecidas. Quando as coisas começam a correr mal, olha-se para o sistema e repara-se nas suas omissões. O que acaba de ocorrer em Paris (como o que anteriormente acontecera em Madrid, em Londres e também em Paris) é um desses momentos. Um momento que, seguramente, vai obrigar a repensar as regras implementadas e o sistema vigente. E a tendência é para que assistamos a um reforço da componente securitária em matéria de segurança interna naqueles Estados que se considerem mais ameaçados ou mais vulneráveis.
Daí que, associado ao debate sobre o futuro de Schengen, vá aparecer inevitavelmente um outro: irão, a França e os restantes Estados europeus, ceder aos criminosos e reduzir drasticamente direitos e liberdades consagrados na nossa civilização, fazendo aquilo que os facínoras querem com estes atos de violência? Ou terão o discernimento para afirmarem as suas opções, intensificando o combate à barbárie, mas mantendo a afirmação dos nossos valores e forma de vida? Vamo-nos voltar a fechar sobre nós mesmos, como pretendem os terroristas, ou tentar uma presença civilizacional em várias partes do mundo, não cedendo ao medo nem à chantagem das armas? Mais coisa menos coisa, é isto que vai ter de ser discutido e irá estar subjacente a todas as discussões. Simplificando: como vamos conciliar as nossas liberdades e direitos, de que não queremos prescindir, com as exigências da nossa segurança que não poderemos deixar de reclamar? Também para este debate teremos de estar preparados.
Não sendo dos que pensam que a resposta nacional resolverá as questões do terrorismo a nível europeu, somos todavia dos que acreditam que o sistema vigente não resistirá à prova dos factos: e que Schengen, objetivamente, como o conhecemos, morreu a 13 de novembro de 2015. Foi enterrado nas ruas de Paris. Doravante, ou caminharemos na estrada da renacionalização das políticas de segurança nacionais ou assistiremos ao aprofundamento da dimensão comunitária nesta matéria e neste domínio, com a criação de mecanismos à escala europeia que permitam compensar a perda de soberania dos Estados europeus neste domínio. Esta seria, seguramente, a opção mais eficiente, mais eficaz e mais aconselhável. Se, para tanto, houvesse coragem política e lideranças de exceção. Como, uma vez mais, os factos acabarão por se impor, o mais provável é que assistamos à inflexão do caminho e ao retrocesso do pilar europeu da liberdade de circulação de pessoas. Não sendo um bom augúrio, é o que se afigura mais provável. Sobretudo nesta Europa e com estes governantes.