by João Pedro Simões Dias | Mar 15, 2014 | Diário
Estava e andava enganado quem pensava que quarenta – sim, quarenta! – anos após o 25 de Abril de 1974, os principais agentes e intervenientes no debate político e social já haviam absorvido na totalidade as regras e o respeito pelo mais elementar funcionamento da democracia. Parece não ser assim. A propósito de uma simples votação na Assembleia da República, não faltaram lamentáveis declarações que encerraram e revelaram profundo desrespeito por aquilo que o funcionamento normal das regras e princípios democráticos acabavam de ditar. Considerar o resultado de uma votação democrática como “absolutamente chocante” ou equiparar Portugal à “Rússia, Roménia e Ucrânia” diz-nos tudo sobre o respeito e a ética democráticas de quem assim atua e não se coíbe de expressar estes juízos de valor. Faltou, de facto, aos deputados que constituiram a maioria pedir desculpas formais à minoria pelo simples facto de, sendo mais, terem obtido ganho de causa numa determinada votação. Não haja dúvidas – há momentos em que as regras democráticas são muito aborrecidas, muito chatas. Deviam ser postergadas. Deviam triunfar os minoritários, quem tem menos votos. São ética e moralmente superiores. Estão do lado certo da história. Do lado do progresso, da vanguarda, à frente do seu tempo. Faltam-lhes apenas os votos. Mas isso são detalhes e pormenores. Irrelevâncias.
by João Pedro Simões Dias | Mar 14, 2014 | Diário
Ainda o célebre Manifesto….. vejo por aí que um dos argumentos mais invocados para derreter o texto prende-se com o facto de ele poder preconizar a transferência para as gerações seguintes de dívida que incumbiria às gerações atuais pagar. Creio ser dos argumentos mais sérios, graves e perigosos que podem ser invocados. Estamos a entrar em domínios perigosos. Estamos a arriscar afetar decisivamente a coesão nacional, feita dum contrato intergeracional que não pode nem deve ser posto em causa. Vamos deixar às gerações seguintes essa dívida e esse passivo? Com certeza que sim! Mas também lhes vamos deixar muitos activos de que vão usufruir e que não pagaram, tal como aconteceu com as gerações anteriores relativamente à nossa. Também nós usamos e fruímos de bens pagos pelas gerações anteriores e também estamos a pagar dívida que não contraímos. É perigoso enveredar-se por essa argumentação. E só recorre a ela quem não tem outro tipo de argumentos para apresentar e aduzir. A essência de uma Nação faz-se da coesão das suas múltiplas e sucessivas gerações e não pode ser construída a benefício de inventário, aceitando apenas aquilo que é positivo e recusando o que é negativo, custo ou encargo. É, de todos os argumentos que tenho escutado, perdoe-se-me a rudeza das palavras, o mais estúpido de todos. E além do mais, além de ser falso e destorcido, é perigoso em termos de coesão nacional. Este sim – contribui e potencia o tristemente célebre “cisma grisalho”.
by João Pedro Simões Dias | Mar 13, 2014 | Diário
Foram mais de 70, da esquerda à direita, que se atravessaram por uma ideia que muito irritou o senhor Primeiro-Ministro, que nem tentou esconder ou disfarçar o mal-estar: reestruturar a dívida pública portuguesa. Na extensa lista de signatários contam-se ex-Ministros da Finanças, de diversa origem e diferente proveniência política; não sendo suposto que a ideia de defesa do interesse nacional seja propriedade em exclusivo de alguns especialmente dotados e iluminados pela providência divina, talvez a forma mais inteligente de reagir ao manifesto fosse admiti-lo como ponto de partida para um diálogo intelectualmente sério e honesto e como primeira manifestação concreta do tal consenso que muitos andam reiteradamente a pedir e insistentemente a inconseguir. Em vez disso, exonerando ou aceitando pedidos de exoneração, foi o próprio Presidente da República a dar sinais de falta de abertura para o diálogo e para a discussão; e das mais variadas proveniências choveu argumentário pouco sério e intelectualmente desonesto. Querer assimilar ou equiparar os conceitos de “reestruturação de dívida” e de “perdão de dívida” foi só, talvez, o mais acabado exemplo dessa argumentação intelectualmente pouco séria, politicamente pouco honesta e, diz quem sabe, cientificamente pouco exacta. Nesses termos, não há debate que resista nem consenso que possa ser edificado. São expressões sem conteúdo e palavras destinadas a serem levadas pelo vento.
by João Pedro Simões Dias | Mar 13, 2014 | Diário
O peso da dívida pública em função do Produto Interno Bruto (PIB) terá atingido 128,7% do PIB em 2013, um dos valores mais altos de sempre, ficando acima das estimativas do Governo e do INE, diz a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO). Na nota mensal de fevereiro sobre a dívida pública, divulgada ontem no site do Parlamento, a equipa de especialistas calcula que o grau de endividamento do sector público “ter-se-á situado acima das projeções oficiais”. É disto, de um valor que em termos nominais andará pelos 213,4MM€, que estamos a falar quando discutimos a sua sustentabilidade. Não é de questões de masoquismo nem de oportunidade. É de um valor bem concreto e da forma de o pagarmos. Preferencialmente de uma forma que seja o menos dolorosa possível e o menos penalizadora possível para os nossos concidadãos, sobretudo para os que dispõem de menores rendimentos e menores recursos, nunca esquecendo que o Estado existe para as pessoas e cabe-lhe fazer uma opção preferencial pelos mais pobres. O contrário é que se afigura como opção política reveladora de autêntico masoquismo.
by João Pedro Simões Dias | Jan 28, 2012 | Diário
O Financial Times dá notícia de que o segundo plano de resgate financeiro à Grécia, acordado na Cimeira do Conselho Europeu do passado dia 9 de Dezembro, só se concretizará, por pressão alemã, se a Grécia abdicar da sua soberania orçamental e confiar nas mãos de um delegado das organizações internacionais responsáveis pelo segundo empréstimo de 130MM€ as principais decisões atinentes à sua política orçamental. A TSF tem a gentileza de me pedir um comentário à notícia que surge e o primeiro pensamento que me ocorre é o de que, para os Estados resgatados ou intervencionados, falar-se já hoje de «soberania orçamental» é um absoluto eufemismo. Os Estados que foram alvo de resgate internacional já perderam a sua soberania orçamental e esta já transitou dos representantes dos eleitores para os credores. E não é só na Grécia que isto que se passa…. Por outro lado, mesmo sem resgates financeiros internacionais, convém recordar que os semestres europeus já limitam de forma significativa a capacidade e autonomia dos Estados – e dos seus Parlamentos nacionais – em matéria orçamental. Não é, pois, de matéria virgem que estamos a falar; pode variar o grau da limitação, não muda a natureza da mesma. A confirmar-se a notícia avançada, porém, há outra ilacção que não pode deixar de ser tirada – a estratégia que tem estado a ser seguida para a Grécia estará muito longe de produzir os resultados desejados. Daí que novo empréstimo tenha de obedecer a novas regras e a novos princípios. Resta saber da viabilidade de tais princípios serem, efectivamente aplicados. Creio serem legítimas algumas dúvidas nessa matéria. Na crise actual, que surgiu na periferia e se vem estendendo para o centro da Europa, nenhum Estado-Membro da União se poderá dizer, verdadeiramente, a salvo dos seus efeitos. Daí que talvez se venha a registar alguma prudência na imposição destas limitações orçamentais. É que o que hoje diz respeito aos meus vizinhos, amanhã poder-me-á tocar a mim….
by João Pedro Simões Dias | Jan 25, 2012 | Diário
Começou hoje em Davos, na Suíça, mais uma edição do Fórum Económico Mundial, o encontro anual da elite política e económica global. “A Europa vai estar no centro do palco”, anota o The Times, que considera que “em economia, não há questão mais premente e importante do que encontrar uma solução duradoura para a crise do euro”. Esta é uma das novas sedes do poder político-económico de facto que gere e disciplina a sociedade internacional dos nossos dias. É da praxe e da ordem que cada época histórica concreta tenha a sua instituição ou entidade de referência, onde verdadeiramente se situa a sede do poder mundial. Entre as duas guerras foi a Sociedade das Nações que pretendeu desempenhar a função, só fracassando, entre outras razões, por os EUA a ela nunca terem aderido; após a segunda guerra mundial foi a Organização das Nações Unidas – o lugar, como repete Adriano Moreira, onde todos se encontram com todos – que desempenhou essa tarefa; após a queda do mudo de Berlim e o fim da guerra-fria e na sociedade internacional caracterizada pela desordem madura que nos é dado conhecer, com a crise do Estado soberano que também já é a crise do Estado nacional, a emergência dos novos poderes que ninguém elegeu, sufragou ou controla, e onde a democracia é conceito em vias de extinção, é em instituições como o G-20 ou este Fórum Económico Mundial que reúne anualmente em Davos, que está sediado o verdadeiro poder económico e político do mundo. É lá que os líderes europeus que contam se encontram, que prestam contas do que fazem e do que não fazem, consertam e acertam estratégias, firmam dependências e assinam lealdades e ouvem os conselhos dos peritos em voga. Mas não é por isso que a sua legitimação se consuma ou a democraticidade se impõe.