Os novos suseranos da Europa

Mario Monti, o novo Primeiro-Ministro que os mercados impuseram aos italianos sem qualquer eleição, mas com a aquiescência do Parlamento de Roma, apresentou hoje as suas credenciais em Estrasburgo à dupla de suseranos de turno que chamou a si o encargo de governar a Europa, para lá de cuidarem dos países que lhes confiaram o voto. Começa a ser um ritual dos novos tempos os novos governantes irem ao beija-mão e prestarem vassalagem à Europa que já nem é do directório mas apenas da entente franco-alemã. E é essa entente cordial que anuncia para breve propostas de alterações aos tratados visando aperfeiçoar os mecanismos da governação económica. A ideia até seria louvável se a sua fonte ou origem não levantasse tantas suspeitas. Assim, resta aguardar para ver o que sairá das ditas propostas; sempre sem esquecer que, numa União que é uma comunidade de direito, quaisquer alterações aos tratados terão de ser aprovadas por todos os Estados-Membros.

O apelo de Durão Barroso

O apelo desesperado de Durão Barroso segundo o qual sem reformas será impossível manter o euro só peca por tardio e é uma acusação feita à sua própria Comissão Europeia, desaparecida do combate meses a fio a benefício da entente franco-alemã. Mas é também o reconhecimento explícito que a criação do euro não foi o êxito e o sucesso que muitos persistem em apregoar. A obra ficou a meio e incompleta – e de completar essa obra que agora se trata, Uma zona monetária pressupõe um conjunto de instrumentos que ainda não existem na zona euro. E que terão de ser criados como condição de viabilidade da própria moeda comum. Um tesouro europeu, obrigações europeias, harmonização fiscal, reforço do orçamento comunitário, aprofundamento das políticas económicas – são alguns desses instrumentos e mecanismos que terão de ser criados. Federalismo? Talvez, pouco importa. A denominação da coisa é o menos importante nesta fase do campeonato.

Colagem política

Pedro Passos Coelho não tinha necessidade de se colocar ostensivamente ao lado de Merkel na matéria dos eurobonds ou da mutualização das dívidas soberanas europeias. Sobretudo no dia em que Durão Barroso e a Comissão Europeia lançaram o debate sobre a sua introdução. Ao ficar ao lado de Merkel, colocou-se em oposição a Durão Barroso. Ora, nunca ninguém ousou afirmar que a introdução de eurobonds seria a solução imediata para a crise europeia. Mas cada vez há menos dúvidas que são instrumento que terá de integrar essa solução. Por outro lado, hostilizar a Comissão Europeia e o seu Presidente para ficar ao lado da chanceler alemã, é no mínimo discutível. Merkel não agradecerá; e Portugal ainda pode vir a precisar muito da Comissão Europeia.

A Cimeira que antes de ser já não era

Dia de Cimeira do Conselho Europeu que ainda antes de ser já não era. Não fosse o assunto sério e dramático e dir-se-ia que ía cómica esta União Europeia. Embora se deva admitir sempre a possibilidade de uma surpresa nos surpreender….. E sem deixar de pensar como vão longe os tempos em que o Conselho Europeu em vez de adiar…. decidia! Como aconteceu, por exemplo, com o célebre Conselho Europeu de Nice, em 2000, que durou 3 dias! Porque havia muito a decidir e quanto maiores eram os problemas, mais empenho se colocava na sua resolução. Hoje o paradigma é outro. As dificuldades estimulam os adiamentos e não as decisões. Só passaram 11 anos mas para a UE parece ter passado uma eternidade. O que mudou, então? Fundamentalmente – a qualidade dos dirigentes que nos governam e a respectiva crença no espírito e nas virtualidades do projecto europeu. Mais do que a natureza dos problemas que se colocam.

O desnorte e a falta de rumo

Em semana de Cimeira de Conselho Europeu, a Europa da União dá sinais de desunião e de desnorte, falta de rumo e liderança como até ao momento nunca havia dado. Se Merkel se apressou a pôr água na fervura das expectativas anunciando que nada de especial se deverá esperar do encontro do chefes de Estado e de Governo, Sarkozy demorou menos de 24 horas a retorquir que a crise europeia e das dívidas soberanas estará resolvida dentro de 10 dias. O directório europeu, esse eixo franco-alemão ou directório de facto que, sem mandato nem legitimidade, teima em determinar o rumo e os destinos da Europa da União, tornando os demais chefes de Estado e de governo, que integram o Conselho Europeu, bem como as próprias instituições comunitárias, numa espécie de reféns cativos do decidido em Paris e em Berlim. começou a evidenciar as suas mais profundas divergências e divisões em torno de alguns dos aspectos fundamentais que estarão em cima da mesa da Cimeira europeia. Essas divisões e divergências atingiram hoje o seu ponto mais relevante com a sucessão de notícias cruzadas e contraditórias que chegaram ao ponto de questionar a realização da própria Cimeira; de levar a chanceler a anular a comunicação agendada para amanhã no Bundestag sobre assuntos europeus; ou de detalhar as diferentes visões sobre o que deve ser o futuro do FEEF. E tudo culminou na decisão bizarra e completamente original tomada pelo directório desunido de convocar para a próxima semana nova cimeira dos chefes de Estado e de governo da zona euro quando ainda não se realizou o encontro do próximo domingo. Se se pretendesse esvaziar em absoluto a importância desta próxima Cimeira, seria difícil congeminar ou conceber estratégia mais perfeita do que convocar a Cimeira seguinte antes da realização da Cimeira que se segue. Daí que possamos afirmar, sem receio de grande contradita, que este é um dos momentos mais críticos da história do projecto europeu que já leva sessenta anos de existência. Não é só pela existência do directório sem mandato que se dá ao luxo e se permite decidir em nome da própria União, tornando o Conselho Europeu – órgão supremo de condução política da União – refém das suas próprias decisões, pouca margem tendo que não para ratificar o que foi decidido em incontáveis encontros bilaterais realizados em Paris ou em Berlim. É, também, para além disso, o constatar da divergência e do desencontro dentro desse directório que deixa a União e as suas instituições à beira dum ataque de nervos e os mercados internacionais a percepcionarem as graves clivagens que emergem do projecto europeu. Foram estas reflexões que, por gentileza da TSF, foram hoje partilhadas e que podem ser escutadas de forma sintética aqui ( http://www.tsf.pt/PaginaInicial/Economia/Interior.aspx?content_id=2070845 )

Mais uma cimeira bilateral

Mais uma cimeira bilateral franco-alemã entre Sarkozy e Merkel é anunciada para hoje. Por dever de ofício tentei contar as que já se realizaram. Tarefa quase impossível de realizar, tal o seu número. De comum entre todas, apenas um facto – a quase completa inutilidade e falta de resultados práticos, concretos e visíveis. Esta senhora e este senhor (pessoa e meia, para citar Freitas do Amaral) fazem lembrar a orquestra do Titanic – que não parou de tocar enquanto o navio se afundava. Também aqui a dupla, sem qualquer mandato e à margem de todas as instituições comunitárias, vai reunindo….. enquanto a União Europeia naufraga.