by João Pedro Simões Dias | Dez 11, 2007 | O Diabo
Tentando encarar a recente Cimeira UE – África, bem como os seus resultados, para lá do que a simples mediatização do acontecimento pretendeu que se visse ou que fosse visto, alguns aspectos não podem deixar de ser evidenciados.
Se é verdade que a simples realização da Cimeira é crédito inquestionável que não pode deixar de ser levado a benefício da presidência portuguesa da UE – que neste capítulo consegue fazer o pleno das suas ambições a caminho de um balanço que não poderá deixar de ser considerado globalmente muito positivo – que desde sempre apostou forte na sua concretização mesmo quando os obstáculos pareciam ser intransponíveis, poder-se-á afirmar sem grande risco de contradita que tudo decorreu mais ou menos dentro do que seria expectável. Isto é: registaram-se acordos e convergências onde era suposto que os mesmos existissem e constataram-se óbvias diferenças e indisfarçáveis divergências onde não seria de esperar a verificação de qualquer consenso.
Sendo verdadeiro o esforço europeu para encetar um novo tipo de diálogo com o continente africano – sem que daí possamos chegar ao extremo de concluir, como o fez Louis Michel, o Comissário Europeu responsável pelo pelouro do Desenvolvimento, que estaríamos face à definitiva viragem de página do Congresso de Berlim de 1883-1885 que se caracterizou pela partilha do Continente africano por parte das potências colonizadoras europeias – baseado numa relação de partenariado em lugar de uma visão tipicamente assistencialista, era natural que a chamada do continente africano ao primeiro plano das relações internacionais fosse objecto de consenso e acordo. Ainda que, para o efeito, a própria União Africana tenha tido necessidade de reconhecer o óbvio – e o óbvio consistiu no reconhecimento da frequente violação dos direitos humanos em muitos dos seus Estados membros, na denegação do Estado de Direito em muitos outros, na preterição das regras e dos princípios democráticos em não poucos de entre eles, nas más práticas de governança e de emprego de bens públicos em outros mais. Sem falar, por exemplo, na incapacidade para a resolução de autênticas situações de catástrofe humanitária – de que o Darfur é o exemplo mais visível, que não infelizmente o único – que legitima e funda a emergência de um novo direito internacional de ingerência em nome de valores e princípios que se devem hoje ter como património comum de toda a Humanidade. Todos estes problemas, de forma mais ou menos explícita, foram aceites e reconhecidos pelos próprios Estados africanos que os consensualizaram com a Europa da União numa base de cooperação em vista da sua superação. Na certeza de que só à medida que os mesmos forem sendo erradicados o diálogo Europa – África poderá frutificar e desenvolver-se lenta e gradualmente de uma forma mútua e reciprocamente vantajosa, materializando a relação de partenariado subscrita em Lisboa.
Já no domínio económico-comercial, porém, como também se esperava, os resultados ficaram aquém do desejado. E, por paradoxal que pareça, foram os africanos a vir à Europa explicar aos europeus e à União Europeia o contra-senso da sua posição comercial no mundo – em que a UE promove internamente a mais ampla liberalização das trocas comerciais mas assume uma posição de significativo proteccionismo no que concerne às suas relações comerciais com o resto do mundo. E perante tal contradição, vieram de África as vozes que anotaram que um acordo de liberalização das trocas comerciais iria destruir a pouca indústria africana ainda existente, inundar os países de África de produtos europeus produzidos a preços subvencionados e privar os respectivos governos de importantes receitas alfandegárias. Neste dossier, pois, só com grande dose de utopia se poderia esperar qualquer acordo na Cimeira da Lisboa. E, obviamente, o mesmo não aconteceu. Neste domínio específico, Lisboa não foi a cidade da utopia. Foi, antes, a cidade da dura realidade, da contradição e do paradoxo evidentes.
Uma nota final não pode, porém, deixar de ficar exarada ainda que sob a forma de uma perturbadora e angustiada dúvida – se é verdade, como foi publicamente afirmado sem ciência de qualquer desmentido oficial, que a Senhora Ângela Merkel falou em nome dos 27, interpretando o sentir e exprimindo a posição da União Europeia quando se dirigiu ao ditador Mugabe apontando-lhe alguns dos crimes pelos quais um dia o ditador do Zimbabué terá de ser julgado, por que razão não foi essa intervenção e não foram essas críticas protagonizadas e verbalizadas pelo próprio Presidente em exercício do Conselho Europeu da União Europeia? Ter-lhe-ia ficado bem….
by João Pedro Simões Dias | Nov 13, 2007 | O Diabo
1. Ainda os 27 chefes de Estado e de governo dos Estados-membros da União Europeia se felicitavam mútua e reciprocamente sobre o sucesso em torno do Tratado reformador das instituições europeias alcançado na Cimeira informal do Conselho Europeu de Lisboa do passado mês de Outubro e já grande parte da atenção dos analistas e comentadores se concentrava na forma ou no método que iria ser utilizado nos diferentes Estados para promover a sua ratificação. Verdade se diga que para esse recentrar das atenções em torno mais do processo de ratificação do Tratado do que do Tratado em si mesmo, muito contribuiu uma declaração (pouco comentada, por sinal) do senhor Gordon Brown, ainda antes de começarem os trabalhos da Cimeira, segundo a qual existiria já um gentlemen agreement entre os 26 chefes de Estado e de governo da União – com excepção do Primeiro-Ministro irlandês, constitucionalmente obrigado a ratificar o Tratado por via referendária – no sentido de evitarem a ratificação do tratado através de referendo, escapando assim à auscultação directa dos cidadãos da União. Curiosamente – ou talvez não – nenhum outro chefe de Estado ou de governo desmentiu a existência do tal acordo de cavalheiros a que se referiu o líder do governo inglês. O que, em lugar de acalmar os ânimos, apenas serviu para fornecer um novo argumento a quem pretendeu colocar a ênfase da discussão mais no processo de ratificação do Tratado do que na sua específica materialidade e nas diferentes soluções e inovações que o mesmo preconizou.
2. Ora, Portugal não fugiu à regra – e desde a Cimeira de Lisboa as atenções têm estado mais concentradas na forma e no método de promover a ratificação do Tratado do que, propriamente, no Tratado em si mesmo. A este respeito, quanto à forma de ratificação do futuro Tratado de Lisboa, convirá dar por adquirida a idêntica legitimidade jurídica quer da ratificação por via parlamentar quer da ratificação por via referendária. Face ao normativo constitucional vigente nenhuma disposição nos autoriza a conferir maior dignidade ou qualquer supremacia a uma forma de ratificação relativamente à outra. Dito isto, convirá recolocar a questão no seu terreno próprio e esse é o político. É que se do ponto de vista jurídico existe uma completa igualdade quanto a uma ratificação por via parlamentar ou a uma ratificação por via referendária, será que do ponto de vista político a opção por uma ou por outra via têm idêntico valor e igual legitimidade? A resposta a esta questão remete-nos inevitavelmente para as últimas eleições legislativas para a Assembleia da República onde a generalidade dos partidos com assento parlamentar se comprometeu a promover a ratificação do Tratado europeu então em fase de ratificações por essa Europa fora recorrendo à realização de um referendo popular. Acontece, porém, que o Tratado europeu de que então se falava era outro que não o Tratado de Lisboa; era o Tratado constitucional, o tal que pretendia estabelecer uma Constituição para a União Europeia. E, apesar de uma esmagadora maioria das soluções materiais consagradas na anterior e defunta Constituição Europeia haver transitado ipsis verbis para o novo Tratado de Lisboa, a primeira e fundamental questão que se coloca é a de saber se as promessas eleitorais relativas à forma de ratificação da anterior Constituição Europeia se devem transferir automaticamente para o modo de ratificação do novo Tratado de Lisboa, considerando sobretudo a sua grande semelhança material. Ora, salvo outra e melhor opinião, não devem. E não devem porquanto apesar de possuírem grandes semelhanças materiais há uma diferença fundamental entre a defunta Constituição Europeia e o novo Tratado de Lisboa, diferença essa que não passa pelo facto de aquela consolidar e substituir todos os Tratados comunitários e da União por um único documento jurídico. A diferença fundamental é que aquela, a ter entrado em vigor, teria assinalado uma profunda alteração matricial do que era e seria a União Europeia, conferindo-lhe uma significativa dimensão “estadual” ou “para-estadual”, enquanto organização política dotada de uma Constituição como é típico dos Estados, o que afectaria indelevelmente a sua natureza jurídica. Ora, o Tratado de Lisboa, pelo contrário, não aspira a tanto, não ousa tanto, não mexe na matriz jurídica da União Europeia, não altera a sua natureza de organização internacional sui generis. Limita-se a reformar o modo de funcionamento das suas instituições e, na esteira de anteriores e idênticos Tratados internacionais promover alguns aprofundamentos do processo de integração – aprofundamentos que se traduzem, por exemplo, na substituição da regra da unanimidade pela regra da maioria qualificada para aprovação de uma série de actos normativos diferentes políticas já comunitarizadas ou que passarão a sê-lo. Nessa linha é um Tratado absolutamente igual a todos quantos já foram aprovados e que alteraram os tratados fundadores (excepção ao Tratado da União Europeia o qual, tendo criado a União, alterou geneticamente a natureza dos anteriores Tratados comunitários e, nessa medida, deveria ter sido submetido a referendo popular) e que foram ratificados por via parlamentar.
3. Porém, na fase em que a Europa da União se encontra e no momento que conhece o processo de integração da Europa, há uma escolha fundamental que não pode deixar de ser feita, sob pena de poder condenar definitivamente esse mesmo processo – «democratiza-se» o processo europeu convocando os cidadãos para uma efectiva participação nas principais deliberações que têm de ser tomadas, desde logo em homenagem à densificação do próprio conceito de cidadania da União, ou permanece-se na postura de reservar tal processo e as suas principais decisões apenas para uma elite bem-pensante, supostamente bem informada e cultivada, capaz de ler para além da segunda página de um projecto de Tratado europeu, legitimada pelo conforto da democracia representativa ou dos graus académicos e universitários? Esta é, sem subterfúgios, a escolha que tem de ser feita. E a resposta à questão colocada não me suscita qualquer dúvida: ou o processo europeu se democratiza e convoca o soberano popular a nele participar mais do que na simples eleição do Parlamento de Estrasburgo a cada quinquénio, ou esse mesmo processo se descredibiliza, se distancia dos cidadãos, se restringe a pseudo-elites. Pela minha parte opto incondicionalmente pela primeira hipótese, em nome de um projecto europeu que ou é sentido e vivido pelos cidadãos da Europa ou arrisca-se a não ser coisa nenhuma.
Surge-nos, então, quiçá, a dúvida principal a que há que dar resposta – como conciliar a premissa que aceita a ratificação do Tratado de Lisboa por via parlamentar, com a exigência de um maior grau de democraticidade da própria União, que exige o chamamento dos cidadãos a uma participação efectiva e por via referendária desde logo no envolvimento nacional no projecto europeu?
4. Só aparentemente, porém, a resposta a ambas as questões será paradoxal ou incompatível. De facto, na actual fase do processo europeu e levando em consideração a forma como se vem processando o diálogo sobre as questões europeias em Portugal, crê-se ser possível compatibilizar o princípio da ratificação parlamentar do Tratado de Lisboa com a ambição de envolver os cidadãos no próprio projecto europeu. De que forma? Fazendo suceder a ratificação parlamentar do referido Tratado da realização de um referendo popular onde se pergunte aos cidadãos, de forma simples e clara – concorda com a participação de Portugal na União Europeia funcionando esta nos termos fixados pelo Tratado de Lisboa? Sem subterfúgios, sem capciosismos como os que estavam subjacentes à última pergunta aprovada pela Assembleia da República e julgada – e muito bem! – inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Uma pergunta simples como manda a Constituição, séria, que convoque a cidadania para um amplo debate sobre a presença portuguesa na União Europeia permitindo, tudo o indica, (i) discutir de forma séria a União Europeia; (ii) evidenciar o amplo consenso popular em torno da participação de Portugal na Europa da União; (iii) aos partidos políticos do arco da governabilidade manterem-se fiéis à promessa eleitoral de realizarem um referendo sobre questões europeias (não, obviamente, sobre a Constituição Europeia pois a mesma já pertence à história); (iv) separar, definitivamente, as águas em matéria de opção europeia do país, obrigando a que se pronunciassem sobre tal opção os sectores radicais da sociedade, mas também os neo-soberanistas, os neo-nacionalistas, neo-liberais e os comunistas de ontem e de antanho, bem como as demais franjas que ora são a favor da Europa dos fundos como se manifestam contra a Europa política conforme se lhes afigura mais vantajoso para o debate político interno. A democracia portuguesa agradeceria se este referendo fosse convocado; a legitimação da participação de Portugal na Europa da União sairia de sobremaneira reforçada; a classe política sairia redignificada pelo cumprimento de promessas feitas em tempo eleitoral. E «a Europa» poderia ser discutida e explicada de forma clara sem ser em ambientes de crise que são aqueles em que – infelizmente – mais protagonismo adquire o debate europeu em Portugal.
by João Pedro Simões Dias | Jul 17, 2007 | O Diabo
Na sua segunda semana de presidência da União Europeia, começaram a surgir os primeiros engulhos no caminho de José Sócrates. O protagonista da semana europeia foi outro que não o Presidente em exercício do Conselho Europeu e este, no que lhe foi dado participar, para além de ter apresentado aos eurodeputados do Parlamento Europeu os objectivos da presidência portuguesa, viu o novo Primeiro-Ministro britânico, Gordon Brown, declarar a sua oposição à realização da Cimeira UE-África caso se confirme o convite a Robert Mugabe, o ditador do Zimbabué, para participar no evento. Trata-se, objectivamente, de um possível revés político de assinalável dimensão na agenda política europeia de Sócrates, sabido como é o empenho pessoal por si colocado na realização da referida Cimeira bilateral. Mas se a semana da presidência portuguesa não começou da melhor forma para o chefe do governo português, o seu decurso permitiu assistir a um protagonismo inusitado que teve outro intérprete que, à sua maneira, marcou e definiu a agenda política da própria União Europeia.
Quando Nicolas Sarkozy venceu as eleições presidenciais francesas, causou algum furor nos corredores da diplomacia europeia a sua proclamação de que «a França estava de regresso à Europa». Por um lado o candidato vencedor não se deu ao trabalho de precisar e de explicitar por onde tinha, até então, andado a República francesa. Por outro lado, em termos muito objectivos, crítica mais feroz e mais veemente, quiçá mesmo mais certeira, à política externa seguida pelo seu antecessor dificilmente poderia ser concebida e apresentada. Em todo o caso, a dúvida ficou instalada e a curiosidade despertou a atenção dos observadores – como iria a França regressar à Europa? Em que termos se processaria tal regresso anunciado? Não foi preciso esperar muito para começarmos a ter as primeiras respostas às dúvidas – para alguns, inquietações – formuladas. Logo na Cimeira do Conselho Europeu que pôs fim à presidência alemã, as crónicas não escritas do que por lá se passou atribuem ao presidente francês um papel de relevo e determinante na obtenção do consenso alcançado, pese embora os louros públicos do acordo atingido tenham repousado quase por inteiro na acção da senhora Merkel. Foi o primeiro sinal do regresso da França à Europa. A semana que acaba evidenciou-nos mais três sinais relevantíssimos do que deve ser entendido por esse regresso gaulês ao quadro europeu.
Num acto pleno de originalidade e de simbolismo, e de enorme carga política, o novo Presidente francês deslocou-se à reunião do Eurogrupo, composta pelos Ministros das Finanças dos Estados da União que aderiram ao euro – onde anteriormente nunca nenhum chefe de Estado se havia deslocado, desautorizando obviamente a sua Ministra das Finanças mas deixando bem claro, ao mesmo tempo, onde reside e qual é a verdadeira sede do poder em Paris – para comunicar e explicar aos Ministros das Finanças da zona euro por que iria a França diminuir o seu esforço de combate ao défice orçamental, adiando de 2010 para 2012 a data do previsto equilíbrio das suas contas públicas, e por que iria apostar fortemente numa redução fiscal no quadro de uma vastíssima reforma das políticas públicas francesas. A iniciativa não deixou de causar óbvia perplexidade. Tecnicamente, Sarkozy não violou nenhuma regra do Pacto de Estabilidade e Crescimento – na sua interpretação actual – posto que Paris não se encontra numa situação de «défice excessivo» e não foi o adiamento de uma resolução de «défice excessivo» que foi anunciada. Apenas se limitou a anunciar que a meta do completo equilíbrio orçamental das suas contas públicas seria adiada por dois anos, fundamentando habilmente a deliberação no próprio espírito revisto do mesmo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Ao mesmo tempo, e para indisfarçável desagrado do governo de Berlim, foi taxativo e assertivo na afirmação de que o Banco Central Europeu devia ver revista a sua completa autonomia no âmbito da política monetária europeia, porventura em nome de uma dependência das instâncias monetárias da União – leia-se, dos governos dos Estados-membros, reunidos quer no âmbito do Eurogrupo quer do ECOFIN. Se se recordar que a estrutura institucional do Banco Central Europeu – e nomeadamente a sua autonomia em termos de política monetária da União – é fortemente tributária do modelo do Bundesbank alemão, perceber-se-á com facilidade o quanto as opiniões de Sarkozy terão incomodado Berlim, para quem uma condição indispensável ao sucesso do euro e à estabilidade da moeda europeia passa, justamente, pela sua subtracção ao controle político dos Ministros das Finanças e a sua exclusiva dependência da tecnocracia do Conselho dos Governadores dos Bancos Centrais europeus…
Acresce que, em termos de equilíbrio institucional da própria União Europeia, não poderá deixar de ser equacionado e invocado o princípio da completa igualdade jurídica entre todos os seus Estados-membros quando se analisam e interpretam estas iniciativas do novo Presidente francês. Teriam, acaso, quaisquer outros Estados da União, a oportunidade de, unilateralmente, prorrogarem e adiarem o cumprimento de compromissos a que se achassem vinculados, ante a completa passividade, nomeadamente, das instituições comunitárias, maxime da Comissão Europeia? Cremos ser legítima a dúvida; e igualmente óbvia a resposta…
Em segundo lugar, na mesma deslocação a Bruxelas, Sarkozy conseguiu o acordo do ECOFIN – que reúne os 27 Ministros das Finanças de todos os estados-membros da UE – para a candidatura do ex-Ministro socialista francês Dominique Strauss-Kahn para o cargo de Director-Geral do FMI, substituindo o espanhol Rodrigo Rato recém-demissionário por questões pessoais e familiares.
Finalmente, aproveitando a comemoração do Dia Nacional francês, houve ainda tempo para o Presidente Sarkozy conferir lugar de destaque à União Europeia (nas pessoas do Presidente em exercício do Conselho Europeu e do Presidente da Comissão Europeia) nos desfiles militares que ocorreram em Paris – numa mensagem subliminar de que não poderá haver defesa europeia consequente sem a França e de que a França está preparada e disposta a arcar com as suas responsabilidades nessa matéria.
Eis, pois, o começo da densificação do conceito de «regresso da França à Europa» enunciado por Sarkozy: afirmação – unilateral se necessário for – do interesse francês não submetido a prazos considerados de interesse mais comunitário que nacional, francês no caso (reminiscências das posturas chiraquianas de má memória); prevalência do princípio politique d’abord em matéria de política monetária europeia e de funcionamento do respectivo Banco Central Europeu, mesmo que isso tenha custos no funcionamento do «eixo Paris-Berlim»; colocação de nacionais franceses em cargos-chave e de relevo internacionais; disponibilidade para aprofundamento do compromisso francês com as políticas de segurança e de defesa da União Europeia. Para uma semana apenas, não se pode dizer que não tenham sido mensagens suficientemente relevantes do que, doravante, poderemos passar a esperar da postura francesa em termos de Europa da União. A uma tal luz, de facto, temos a França de volta à Europa e, agora melhor do que na altura em que o conceito foi proclamado, começa-se a perceber com clareza o que tal pode significar.
by João Pedro Simões Dias | Jul 10, 2007 | O Diabo
1. A primeira semana da terceira presidência portuguesa da União Europeia – presumivelmente a última a ser exercida por Portugal nos moldes que actualmente se processa em vista da expectável alteração de regras por parte do próximo Tratado Reformador que, na esteira da defunta Constituição Europeia, substituirá as presidências rotativas (pelo menos do Conselho Europeu) por uma personalidade eleita para mandatos de dois anos e meio – conheceu já alguns tópicos e algumas características que, supostamente, identificarão e caracterizarão a generalidade do semestre português. Em primeiro lugar e desde logo – a questão do Tratado europeu. É sabido que, ao último Conselho Europeu, José Sócrates pediu um mandato claro e inequívoco que lhe permitisse convocar, com razoável probabilidade de sucesso, uma CIG para negociar e aprovar o novo texto que desatasse o nó institucional em que a Europa da União se acha enredada. Com generosidade e boa-vontade os homólogos de Sócrates deram-lhe mais do que o que foi pedido – deram-lhe um Tratado praticamente semi-redigido, em que a generalidade dos artigos respeitantes às questões mais polémicas e controversas nos aparece já redigida e fechada. Só assim, de resto, com muito trabalho de casa já feito, se percebe e se compreende o calendário que a presidência portuguesa tenciona cumprir relativamente a esta CIG – que será inaugurada ainda este mês para ser encerrada já no próximo mês de Outubro. Três meses para redigir um Tratado europeu com a complexidade daquele que é suposto que venha a substituir a Constituição Europeia só será conseguido na perspectiva de o mesmo já se encontrar em adiantada fase de gestação. Sócrates deve esse trabalho e esse contributo à senhora Merkel. Nunca, em nenhuma outra CIG, houve algum mandato que, em termos de rigor, precisão e conteúdo se assemelhasse ao que acabou por ser conferido à presidência portuguesa. E, numa altura em que o acordo sobre o futuro Tratado europeu se erigiu em critério de sucesso da própria presidência portuguesa, dir-se-á que para esta ser plenamente conseguida «bastará» que se reúnam duas condições – que nenhum líder que esteve presente no último Conselho Europeu mude de ideias ou queira reabrir dossiers e acordos já consensualizados em Bruxelas, voltando a discutir temas e assuntos dados por encerrados; e que, por seu lado, a própria presidência, durante a vigência da CIG, não estrague ou desvirtue nenhum dos consensos alcançados na cimeira do Conselho Europeu. Se esta condição nos parece praticamente assegurada, face à proficiência da diplomacia portuguesa, haverá que seguir com atenção a evolução política europeia, posto que não cremos que se possa dar por adquirido que não haja tentações de vol-tar a abrir dossiers e discussões que já se julgavam definitivamente encerrados. Quer o Presidente do Conselho Europeu quer o próprio Presidente da Comissão Europeia, comentando declarações de dirigentes polacos, não deixaram de se referir a esta possibilidade, ainda que para a refutar, num discurso que seguramente teve destinatários bem identificados.
2. Para além das questões político-institucionais de matriz jurídica, porém, a primeira semana da presidência portuguesa deu-nos, também, o primeiro exemplo de um domínio onde as atenções da União passarão a estar centralizadas durante este semestre – o domínio das relações externas da União, traduzido na celebração de uma série de cimeiras bilaterais com os seus principais parceiros político-económicos. A ronda dos encontros bilaterais iniciou-se com o Brasil e, numa altura em que a mediatização da política tende a valer quase tanto como o seu conteúdo, dificilmente o encontro poderia ter corrido mal. Em boa verdade, porém, também seria difícil ir mais além do que se terá ido. Três aspectos merecem uma nota especial. Em primeiro lugar o facto de ter ficado agendada para o segundo semestre do próximo ano, quando a União for liderada por Sarkozy, a realização da segunda cimeira, na altura a reunir no Brasil. Se se pretende incluir estes encontros na agenda regular da União, é imprescindível que os respectivos agendamentos sejam atempadamente efectuados, à semelhança do que ocorre com idênticos encontros periodicamente realizados com outras potências regionais. Em segundo lugar, foi importante assumir a assinatura de uma parceria estratégica entre a UE e o Brasil nessa segunda cimeira. Foi, talvez, o mais evidente e concreto resultado prático que saiu deste encontro de Lisboa. Se, efectivamente, a União pretende solidificar o seu relacionamento com a América latina, é fundamental que esteja alicerçada numa parceria estratégica com a potência regional dominante. A assinatura desse acordo é, pois, um resultado evidente e positivo desta Cimeira. Em terceiro lugar, resultou do encontro de Lisboa uma declaração de empenho de ambos os participantes no sucesso da ronda de Doha, visando a liberalização do comércio mundial no quadro da OMC – o que só será possível de concretizar se os diferentes blocos regionais se entenderem entre si e derem efectivas mostras e sinais de estarem dispostos a abdicar de algo em troca do necessário acordo que a todos aproveite. A declaração de intenções era expectável – resta saber como, a nível técnico, a mesma poderá ser concretizada e operacionalizada, posto que frequentemente é aí que se deparam os pequenos-grandes obstá-culos que se encarregam de impedir a concretização das grandes e solenes proclamações políticas. Em todo o caso, a cimeira deu uma ideia clara de uma prioridade política da presidência portuguesa e que nos próximos meses se irá repetir, na altura em que se realizarem as cimeiras já marcadas para este semestre (China, Rússia, Ucrânia e, sobretudo, África).
3. Mas a primeira semana desta terceira presidência portuguesa também teve o seu momento de contestação e também provocou a descida à rua de manifestantes em protesto fundamentalmente contra a tão propalada «flexisegurança» ou «flexigurança» – aconteceu em Guimarães e teve como motivo próximo a reunião informal dos Ministros dos Assuntos Sociais dos 27 Estados-membros da União. O tema requer uma reflexão e uma meditação mais desenvolvida porquanto na sua base e subjacente ao mesmo encontra-se a grande questão de saber até que ponto é viável, nos dias que correm, a manutenção do tão comentado «modelo social europeu» – sobretudo num momento em que os efeitos da globalização colocam em concorrência directa economias assimétricas e diferentes níveis de protecção social. O «modelo social europeu» foi construído predominantemente numa lógica «assistencialista» que era a que caracterizou o imediato pós-segunda guerra mundial – mas que pouco já tem a ver com a realidade económico-social deste alvor do século XXI. O recurso ao conceito nórdico de «flexisegurança» mais não é do que o implícito reconhecimento da impossibilidade de manutenção de um modelo social baseado na referida lógica assistencialista que tudo reclama do Estado – dum Estado cada vez mais desprovido de recursos e cada vez mais vinculado ao cumprimento de rigorosas regras orçamentais. Nem sempre é recordado, porém, que os modelos sociais dificilmente podem ser objecto de importações e de aplicações em ambientes diferentes daqueles em que foram criados – o que legitima as maiores dúvidas e as mais sérias reservas à respectiva aplicação fora do que poderíamos convencionar como os seus ambientes naturais. Nessa medida, mas apenas nessa medida, se poderá perceber e compreender a motivação que fez descer às ruas da «cidade-berço» inusitado número de manifestantes que faziam ouvir a sua voz junto dos Ministros dos Assuntos Sociais dos 27. Já não se perceberá, todavia, a reacção contra o que se tem por inevitável – a profunda reflexão requerida sobre o referido modelo social europeu que, mais tarde ou mais cedo, terá de ser promovida e realizada no quadro dos Estados-membros da União. Mas essa será, seguramente, uma agenda política futura, porquanto de fractura e de ruptura – e tais atributos podem ser tidos, seguramente, por excluídos das prioridades da agenda política desta presidência portuguesa da União Europeia.
by João Pedro Simões Dias | Jul 3, 2007 | O Diabo
A terceira presidência portuguesa da UE, à luz das regras que se anunciam, poderá vir a ser a última que Portugal exerce, pelo menos em termos do Conselho Europeu – que passará a contar em breve com um Presidente efectivo (adivinha-se o nome de Tony Blair para a função quando a mesma for instituída) eleito para um mandato de dois anos e meio – permanecendo a dúvida sobre qual será o regime das presidências do Conselho (de Ministros) da União. Parece fora de qualquer dúvida que esta presidência será dominada pelas negociações que, no quadro da CIG, procurarão concretizar o mandato outorgado pelo último Conselho Europeu à presidência portuguesa. Seria redutor, porém, esgotar o exercício dessa presidência nas negociações visando a obtenção do acordo que permita a aprovação do (esperado) Tratado de Lisboa. Sem grande risco de erro, cremos poder divisar 3 grandes objectivos no programa da presidência portuguesa. Em primeiro lugar, as questões do poder – a repartição do poder entre as instituições da UE, a repartição das competências entre os Estados membros e a própria UE, a forma de exercício do poder dentro da União ao nível dos procedimentos de decisão, a determinação do peso de cada Estado membro no quadro das instituições (número de votos no Conselho, número de deputados no Parlamento Europeu, número de membros da Comissão Europeia inferior ao número de Estados membros da União).
Será a estas questões que o esperado Tratado de Lisboa – até agora apenas anunciado Tratado Reformador – poderá e deverá dar resposta. Sob pena de, não alcançando tal desiderato, a Europa da União se aprestar a ser lançada numa voragem rumo ao estertor final (ou quase). Em segundo lugar, a agenda política externa da União. Fruto, em alguns casos (Brasil e África), de opções políticas claramente assumidas pela presidência portuguesa e, noutros casos (China, Rússia e Ucrânia, por exemplo) das contingências do calendário, o semestre da presidência portuguesa assistirá à realização de um conjunto de importantes Cimeiras entre a UE e alguns dos seus principais parceiros político-económicos. Serão, certamente, momentos de visibilidade acrescida e de riscos políticos diminutos, onde o sucesso estará seguramente garantido e exposição pública e mediática da presidência perfeitamente adquirida. Outras questões da agenda externa da União – Kosovo, conflito israelo-palestiniano, Darfur, Turquia – não estarão condenadas a idêntico sucesso e seguramente prosseguirão na agenda política europeia.
Em terceiro lugar, finalmente, e para lá dos imprevistos que possam surgir, as questões «rotineiras» já constantes da agenda política da própria UE e que, transitando da presidência alemã, tenderão a ser geridas em vista do seu endosso à presidência subsequente (eslovena). Estão nesta categoria, por exemplo, as questões ambientais, da ajuda humanitária, do combate à criminalidade organizada e violenta, da aplicação do quadro orçamental em vigor, da estratégia de Lisboa, etc.
É pacífico, porém, o entendimento de que será no sucesso ou insucesso dos trabalhos conducentes à assinatura do Tratado de Lisboa que se jogará o êxito ou o inêxito desta presidência portuguesa. As expectativas depositadas em torno da resolução da crise institucional europeia aparecem-nos, assim, erigidas em critério de êxito ou de sucesso de uma presidência indelevelmente associada às negociações de mais um Tratado europeu.
Tratado que – exceptuando a questão semântica da sua denominação, a questão da retirada dos símbolos da União (o hino, a bandeira, a divisa e a moeda), a designação do Ministro dos Negócios Estrangeiros que passará a chamar-se Alto Representante para a Política Externa e de Segurança mas manterá o essencial das suas competências – não se afastará substancialmente da defunta Constituição Europeia em muito do que esta tinha de essencial mas também de controvertido – a personalidade jurídica da União, o fim das presidências rotativas do Conselho, a Presidência única do Conselho Europeu, o número de Comissários inferior ao número de Estados membros, a existência do Ministro dos Negócios Estrangeiros da União rebaptizado, a eficácia jurídica da Carta dos Direitos Fundamentais, etc). E assim sendo será impossível não se concluir que se perdeu demasiado tempo para tão poucas (anunciadas) alterações.
by João Pedro Simões Dias | Jun 13, 2006 | O Diabo
Nas próximas quinta e sexta-feira – assinalando o termo da presidência austríaca da União Europeia e nas vésperas da liderança de turno passar a ser desempenhada pela Finlândia – os chefes de Estado e de governo da União voltarão a reunir-se em Conselho Europeu, praticamente um ano após a histórica cimeira que, reflectindo sobre os «nãos» francês e holandês ao Tratado que estabelecia uma Constituição para a Europa, decretou um período de «euro-reflexão» de um ano, agora prestes a findar, no qual seria suposto a União desenvolver a aprofundar os mecanismos de reflexão que se viessem a mostrar convenientes para superar a crise institucional emergente das referidas recusas de ratificação daquele Tratado constitucional. A antevisão do que poderá vir a ser a Cimeira de Bruxelas foi-nos dada, já, pelo encontro preparatório tido em Viena de Áustria há cerca de duas semanas pelos Ministros dos Negócios Estrangeiros onde, em cima da mesa de trabalho dos 25 chefes da diplomacia da União, para além da questão do período de «euro-reflexão», esteve a decisão sobre o que fazer com o tratado constitucional, sendo certo que as alternativas não abundavam. Decretar a sua morte definitiva – como pretendia o Reino Unido? Decretar o seu renascimento – como pretendia a Alemanha? Decretar a continuação do período de «coma vegetativo» – como pretendia a França? As alternativas, apesar de claras, não eram, pois, muitas. Ora, face às divergências registadas, a opção tomada acabou por ser um pouco a que já se esperava – constatando-se a inexistência de um acordo sobre o que fazer com e ao defunto Tratado, optou-se pelo mais simples e pelo mais fácil – prolongar por mais um ano o período de «euro-reflexão» iniciado no ano passado. Mais do que lançar novas políticas comuns, reflectir sobre algumas das políticas comunitárias ou equacionar questões relacionadas com as consequências do eventual alargamento da União à Bulgária e à Roménia já em 1 de Janeiro próximo, esta será, em princípio, a decisão que virá a ser tomada na próxima cimeira do Conselho Europeu e que foi já preparada na referida reunião dos chefes da diplomacia europeia. A confirmar-se, que dizer da sua essência? Apenas que, apesar de esperada, não será necessariamente a melhor decisão. Pelo contrário, poderemos estar apenas confrontados com o recurso a mais um expediente dilatório que nada vai resolver para além de fazer adiar e protelar qualquer decisão. Quem olhar para o estado da discussão e do problema nos dias de hoje e há um ano atrás verá que estamos exactamente no mesmo sítio. O que equivale a dizer que este ano de «euro-reflexão» foi um ano absolutamente perdido. Não se elevou o estado geral do debate sobre as questões europeias como se pretendeu fazer crer há um ano que iria suceder; não foram apresentadas novas sugestões e novas soluções para contornar a crise institucional instalada na sequência dos resultados dos referendos como se desejou que acontecesse; não foram ensaiados novos passos no sentido da consolidação dos tratados comunitários como se torna cada vez mais necessário que aconteça. Em suma – perdeu-se um ano. Ora, decretando o prolongamento do período de «euro-reflexão» por mais doze meses, os líderes desta Europa da União correm o risco sério de prolongar o limbo e o pântano institucional, nada fazendo crer que será neste futuro mais imediato que algo de novo possa surgir na agenda política europeia. E isto por duas razões essenciais.
Em primeiro lugar porque, mais do que nunca, essa agenda política europeia parece refém das agendas políticas internas – com especial relevo para o que acontecerá em França e na Holanda, que conhecerão importantes eleições presidenciais e legislativas em meados de 2007.
Em segundo lugar pela manifesta e evidente crise de lideranças que corre a Europa de lés-a-lés. A Europa da União, neste momento, é governada pela geração nascida no imediato pós-guerra, pela geração que amadureceu e se tornou adulta no período de recuperação económica europeia da segunda guerra mundial, pela geração que não viveu nem conheceu de perto as provações derivadas do conflito. Ora, esta terceira geração de governantes do pós-guerra nada tem a ver com a geração dos «pais fundadores» – a geração de Schuman, de Gasperi, Adenauer… que sentiram na pele o drama do conflito e viram no processo de integração europeia a garantia contra a repetição do cataclismo – nem com a geração seguinte – a geração de Kohl, Mitterrand, Schmidt, … que nasceram durante a guerra, ainda sentiram os efeitos da mesma e perceberam o quão importante era o processo comunitário para travar os desmandos ocasionais geradores de conflitos potenciais. Os governantes de turno da hora que passa – a geração de Merkl, de Blair, de Zapatero, de Sócrates… – não tendo conhecido nem sentido o drama da guerra civil europeia, mostram-se naturalmente menos propensos e menos sensíveis aos apelos da integração política, tendendo a ouvir essencialmente os chamamentos do mercado e da economia. Daí não ser de esperar que do seu seio surja, com o necessário arrojo, o ansiado «golpe de asa» indispensável para o relançamento do projecto comunitário em novas e renovadas bases políticas. Curiosamente – ou talvez não…. – a existir, talvez seja muito mais expectável que o mesmo provenha de algum dos novos Estados membros da União, de algum dos Estados do alar-gamento integrantes do ex-bloco soviético, do que de qualquer uma das clássicas democracias ocidentais. Não faltam indícios seguros de que os Estados da ex-cortina de ferro permanecem, neste momento, muito mais sensíveis para o aprofundamento político da União Europeia do que os seus parceiros há mais tempo membros da União. O que também se percebe: ainda se lembram das provações e do sofrimento a que o despotismo vermelho os condenou e vêem na Europa da União o seguro de caução contra a repetição da barbárie.
Ora, é neste contexto em que a União Europeia conhece uma grave crise de lideranças e em que nos surge como refém das agendas políticas nacionais, que se pode abrir uma janela de oportunidade para a «Comissão Barroso» – a oportunidade de liderar e definir a agenda da União Europeia, subtraindo-a às agendas nacionais (que o mesmo é dizer: aos específicos interesses dos Estados membros), evitando que a resolução das questões político-institucionais pendentes se arrastem penosamente no tempo para lá de 2009, isto é, para além do horizonte temporal do respectivo mandato. Se o conseguir fazer, se se conseguir emancipar das agendas nacionais, a Comissão Europeia prestará um novo e relevante contributo à causa europeia, recuperando o protagonismo já tido em tempos que começam a ficar distantes na memória. E – quem sabe? – Durão Barroso poderá começar a entreabrir as portas para a recondução num segundo mandato, aproveitando e beneficiando da efectiva falta de lideranças fortes e carismáticas nos diferentes Estados membros. Se não aproveitar a oportunidade de pilotar o debate e a liderança política que se impõem, decerto veremos a Comissão Barroso enfileirar ao lado daquelas – que começam a ser muitas – que nos tempos mais recentes pairaram sobre Bruxelas, sob as lideranças de Santer ou Prodi. Que não deixaram marca digna de registo.
Curiosa e paradoxalmente, a Comissão Barroso poderá vir a ser a grande beneficiária pelo prolongamento deste período de «euro-reflexão» caracterizado pela falta de lideranças politicamente fortes e carismáticas nesta Europa da União do alvor do terceiro milénio. Mister é que saiba aproveitar a oportunidade. O Conselho Europeu da próxima semana poderá começar a responder à dúvida que permanece.