by João Pedro Simões Dias | Jan 24, 2006 | O Diabo
Na passada semana o Parlamento Europeu rejeitou o acordo político alcançado na última cimeira do Conselho Europeu sobre as perspectivas financeiras da União Europeia para o período 2007/2013. Não se tendo tratado de uma rejeição do referido orçamento, tratou-se da recusa do acordo político que permitiu que o Conselho Europeu aprovasse o referido orçamento plurianual e com base no qual, agora, a Comissão Europeia deveria apresentar as propostas legislativas que consubstanciassem o verdadeiro orçamento da União (sobre o qual, formalmente, o Parlamento Europeu terá de se pronunciar, espera-se, no próximo mês de Maio). Contrariamente ao que se poderia pensar, não se tratou de uma surpresa completa. No início dos trabalhos da referida cimeira do Conselho Europeu, o Presidente do Parlamento Europeu já havia antecipado que, se se chegasse a algum acordo (como se chegou) na base que estava a ser negociada (como aconteceu), a hipótese mais provável seria a Assembleia de Estrasburgo refutar tal acordo político. O que acabou por acontecer – remetendo, agora, os intervenientes para a reabertura dum processo negocial em que a margem de manobra dos Estados membros (através da presidência austríaca) para renegociar e alterar o que foi acordado em Dezembro é extremamente reduzida.
O Presidente em exercício da UE, o chanceler austríaco Schussel, já se apressou a fazer saber que a sua margem de negociação é escassa: não deverá ultrapassar 1,4 mil milhões de euros – verba pouco significativa quer em face do valor global do orçamento estimado em mais de 800 mil milhões de euros quer em face da dimensão das críticas e observações feitas pelos eurodeputados ao acordo político a que se chegou em Dezembro. Assim sendo, os meses que se aproximam prometem negociação extrema e dura entre os Estados membros e entre estes e a Comissão Europeia (que poderá vir a ser chamada a desempenhar um papel de relevo em toda a negociação que se aproxima) a qual poderá vir a ter no Parlamento Europeu um aliado incondicional para as suas pretensões e anseios.
A essência profunda deste já previsível desacordo, porém, radica numa realidade mais complexa: a escassez de recursos da UE para fazer face às políticas existentes e ainda àquelas que os eurodeputados pretendem que sejam lançadas. Ora, ciclicamente, quando a União se dá conta da escassez dos seus próprios recursos, salta sempre à discussão a hipótese de, a prazo, poder vir a ser lançado um verdadeiro imposto europeu, que aumente os recursos próprios da União. É essa hipótese que não pode ser ignorada e, num exercício de cidadania, deve começar a ser discutida e equacionada para, sobre ela, a opinião pública poder começar a estruturar a sua própria posição. Esse será, seguramente, um dos temas-chave da agenda política europeia dos tempos que se avizinham. Calar essa possibilidade ou negar essa hipótese será alinhar no campo de todos quantos têm horror à discussão pública e participada das coisas da Europa.
Ora, numa altura em que se afirmam as virtualidades do próprio conceito de cidadania europeia, a dimensão participativa inerente a essa mesma cidadania impõe a mais ampla e alargada discussão pública sobre todos os temas constantes da agenda política da União – e a questão do eventual imposto europeu está, seguramente, entre os mais importantes de esses temas. Antecipar a discussão do tema não significa perder tempo ou desperdiçá-lo de forma inútil.
by João Pedro Simões Dias | Dez 20, 2005 | O Diabo
A recente cimeira do Conselho Europeu que decorreu no final da última semana em Bruxelas constituiu o mais recente exemplo do quão mal preparado e precipitado foi o último mega-alargamento da União Europeia. Em situações normais seria expectável que, apenas ano e meio volvido sobre a entrada de dez novos Estados para o clube da União, não fosse tema central de debate e controvérsia saber quem iria pagar – e em que proporção – a factura própria desse mesmo alargamento. Seria de presumir que, no decurso do processo de alargamento, sabendo-se da proximidade da negociação de um novo quadro comunitário plurianual, estivessem já definidas e fixadas as regras inerentes ao financiamento desse mesmo alargamento. Infelizmente nada disso ficou definido: a pressão política que reclamava o alargamento imediato sobrepôs-se à razão técnica que aconselharia uma negociação mais cuidada e por isso mais alongada no tempo. E escassos dezoito meses volvidos sobre o acolhimento dado aos novos Estados do ex-leste europeu, eis a Europa da União a dar a triste imagem de discutir entre os seus membros quem pagaria a factura da inclusão dos novos Estados. Paradoxalmente, porém, esta discussão também teve o outro lado da questão: também permitiu evidenciar algumas das principais debilidades da própria União em matéria orçamental, a saber: o verdadeiro contra-senso desse insólito cheque britânico que permite a Londres reaver ou recuperar uma parte daquilo com que contribui para o orçamento comum e o excessivo peso (cerca de 43%) da política agrícola comum no orçamento comunitário – PAC que eventualmente se justificaria nos anos cinquenta ou sessenta mas que hoje carece de qualquer sentido, pelo menos nos termos em que está estruturada e com os índices de financiamento que exige, convertendo-se numa manifestação de proteccionismo da União face a outros blocos económicos mundiais, pelo qual usualmente Bruxelas tem de responder e (tentar) demonstrar que os princípios que proclama no seu interior são igualmente válidos para as suas relações económicas externas.
Do estrito ponto de vista nacional, Portugal, nesta permanente mesa de jogo europeu, acabou por ser dos Estados com menores razões de queixa. Contas feitas serão 23,8 mil milhões de euros no período 2007/2013. Com algumas particularidades importantes, como a possibilidade de beneficiar de uma taxa de co-financiamento comunitária de 85 por cento (em vez de 80 actualmente) nos projectos dos Estruturais (FEDER e Fundo Social Europeu) e do Fundo de Coesão; ou a possibilidade de utilização das verbas comunitárias durante três anos depois da sua autorização orçamental, em vez dos actuais dois, findos os quais teria que devolver os fundos à União; bem como a autorização para a inclusão do IVA não dedutível nas despesas elegíveis para co-financiamento comunitário. Se, no plano ideal ou dos princípios, teria sido possível alcançar um melhor acordo, atendendo ao circunstancialismo própria duma negociação multilateral em que a reciprocidade das cedências é indispensável para se alcançar um consenso, Portugal não se poderá queixar da «fatia do bolo» que lhe coube em sorte nesta noite de Bruxelas.
Estas duas reflexões, nos planos europeu e nacional, deixam-nos, contudo, em aberto duas questões que importará não perder de vista: a primeira é a de saber se, enquanto Estado, saberemos ser suficientemente capazes para aproveitar na sua plenitude a imensidão das verbas colocadas à nossa disposição por este quadro comunitário; a segunda, talvez mais inquietante ainda, a de saber se, bom ou aceitável para todos os 25 Estados membros da União, este será, mesmo, um bom orçamento para a própria União Europeia no seu conjunto. Insuspeitas e reconhecidas vozes da cena europeia, libertas dos individualismos egoísticos nacionais, já começaram a expressar as suas dúvidas e as suas reservas.