by João Pedro Simões Dias | Jul 11, 2017 | Diário de Aveiro
O passado fim de semana, na Alemanha e na Europa, foi dominado pela realização, em Hamburgo, da cimeira anual do G20 – o grupo das 20 maiores economias do mundo – e pelo regresso da violência urbana que lhe andou associada e que já há algum tempo não se via na Europa. Em nome do protesto contra o capitalismo e a globalização, mais de 800 grupos, grupinhos e grupelhos manifestaram-se nos arredores da cimeira e levaram o caos e a violência às ruas de Hamburgo.
O G20 é, hoje, eventualmente, a instância de cooperação político-económica multilateral que mais e melhor representa a sociedade internacional dos nossos dias. É sabido que, em cada momento histórico, a sociedade internacional tem uma instância que tende a representá-la e a refletir o equilíbrio de poderes que nela existem. No imediato pós segunda guerra mundial pretendeu-se que essa instância fosse a ONU, a única organização onde todos falam com todos, nas sempre bem lembradas palavras do Professor Adriano Moreira; durou pouco, porém, essa crença na organização de Nova Iorque, e o eclodir do período da guerra-fria e do mundo dual fez com que fossem as cimeiras entre as duas superpotências liderantes dos dois blocos político-militares (EUA e URSS) quem decidia dos destinos do mundo e onde quase todo o mundo se sentia representado, ou por uns, ou por outros; a queda do Muro e a implosão da URSS ditaram nova alteração desta realidade – passaram a ser as 7 maiores economias do mundo (Estados Unidos, Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido), o G7 constituído anos antes pelos meados da década de setenta, quem assumiu a liderança e a representação dos maiores do mundo. G7 que, por cortesia, passaria a G8 quando a Rússia se reergueu dos escombros da defunta URSS e foi admitida à mesa das conversações. Mas foi por pouco tempo. O acelerar do processo de globalização e o reforço das economias emergentes encarregaram-se de demonstrar serem muitos os que continuavam de fora. E o G8 evoluiu, naturalmente, para o atual G20, a tal instância de cooperação político-económica multilateral que mais e melhor representa a sociedade internacional dos nossos dias. A instância que gere e regula, informalmente, a globalização e o dito capitalismo – e contra a qual se realizaram, em Hamburgo, no final da passada semana, mais de 800 (!) manifestações que originaram os tumultos conhecidos.
Pergunta-se: verdadeiramente, contra o que se manifestaram estes manifestantes? Contra a globalização e o capitalismo, dir-se-á. Desejosos, portanto, de um mundo menos globalizado, do regresso ao mundo das fronteiras fechadas, como se o progresso e o avanço, desde logo, da ciência e da técnica, permitissem que isso fosse possível! Mas parece que era este o anseio dos manifestantes de Hamburgo. Bem como, evidentemente, a luta contra o capitalismo. Em nome de quê? Provavelmente de um qualquer sistema político-económico que garantisse, para todos, amanhãs que cantam, ignorando o sofrimento que esses sistemas já causaram em milhões e milhões de europeus, que pela força do seu poder o derrubaram e o remeteram para o caixote do lixo da história.
Acontece, todavia, e ainda, que se é verdade que cada época histórica tem a sua instância de referência, aquela que tendencialmente a representa e na qual a sociedade internacional de cada tempo se revê, então teremos de aceitar que nunca, como hoje, essa representação foi tão democrática, tão abrangente, nunca envolveu tantos países e tantos Estados (África do Sul, Argentina, Brasil, Canadá, EUA, México, China, Japão, Coreia do Sul, Índia, Indonésia, Arábia Saudita, Turquia, Alemanha, França, Itália, Rússia, Reino Unido, Austrália e União Europeia), representando mais de 90% do PIB mundial, mais de 80% do comércio mundial e mais de dois terços da população mundial. À exceção da descredibilizada ONU, nenhuma outra instância internacional (nem o Conselho de Segurança da ONU) pode reclamar tão ampla representação. Mas foi também contra esta forma de “governo” político-económico mundial que os representantes das ruas de Hamburgo se sublevaram. Com saudades, provavelmente, do tempo e da era que que tudo se tratava bilateralmente, “a dois”, entre as duas superpotências emergentes da segunda guerra mundial, cujas decisões eram, posteriormente, adotadas por todos os restantes Estados da sociedade internacional. Porque, em bom rigor, outro motivo não se vislumbra para os protestos contra a cimeira da instância mais ampla, democrática e abrangente que em mais de um século assumiu as principais tarefas de regulação de um mundo já de si tão desregulado e desgovernado. Valham-nos, apesar de tudo, estas cimeiras como instâncias de regulação mínima de uma sociedade internacional que, sem elas, correria o risco de andar definitivamente à deriva e, ainda mais, em busca do seu norte. É certo que não constitui o modelo ideal de governação do mundo. Mas à falta de outro e de melhor, louvemo-nos na sua existência e nos documentos que vai aprovando.
Claro, como se viu em Hamburgo, há sempre quem tenha saudades de um mundo já passado, de uma ordem já acabada, de uma história já vivida. Gente definitivamente ultrapassada que ainda nem sequer compreendeu os tempos em que vive.
by João Pedro Simões Dias | Jul 5, 2017 | Jornal Económico
Devido aos seus insondáveis desígnios, em pouco mais de duas semanas a Divina Providência levou-nos duas figuras de relevo na construção do projecto europeu de unificação da Europa do pós-segunda guerra mundial; duas personalidades de exceção nos respetivos países que foram, justamente, a Alemanha e a França, isto é, aqueles Estados cuja ligação o tal projecto europeu começou por afirmar que era preciso aprofundar como condição prévia à manutenção da paz no continente europeu, evitando a repetição de chacinas como aquelas que, nos 75 anos anteriores, por três vezes praticamente haviam destruído este nosso velho continente; dois exemplos de integridade cívica e moral que o foram e, decerto, continuarão a ser, não só para os seus contemporâneos como, também, para as gerações vindouras, que nas suas vidas não deixarão de identificar o exemplo a seguir e a imitar.
Helmut Kohl e Simone Veil deixaram-nos num curto intervalo de tempo, mas os exemplos das suas vidas perdurarão por muito e longo tempo para além da sua morte.
De Helmut Kohl já tudo ou quase tudo foi dito, escrito e recordado. Detenhamo-nos um pouco sobre Simone Veil, cuja vida e obra nunca tiveram a mesma repercussão e dimensão pública de Kohl, o que não significa que tenham tido menor importância.
Nascida a 13 de julho de 1927, em Nice, no seio de uma família judia e laica, foi vítima, na sua infância, dos horrores de Auschwitz. Aliás, toda a sua família foi deportada em 1944 para campos de concentração: o seu pai e o seu irmão, Jean, para a Lituânia, uma das irmãs para Ravensbruck, e ela, a sua mãe e uma segunda irmã foram deportadas para Auschwitz. Tornou-se advogada e subiu a pulso na vida política francesa, onde chegou a ser Ministra por várias vezes (com a eleição de Valéry Giscard d’Estaing para a Presidência da República francesa em 1974, foi nomeada Ministra da Saúde no governo liderado por Jacques Chirac, cargo que conservou nos governos seguintes de Raymond Barre até julho de 1979).
Após os primeiros passos do projecto europeu do pós-segunda guerra mundial, empenha-se activamente na causa do europeísmo militante. Tornou-se deputada ao Parlamento Europeu em 1979 presidindo a esta instituição entre 1979 e 1982 (foi a primeira mulher a presidir à Assembleia de Estrasburgo). Entre 1984 e 1989 liderou o Grupo Liberal e Democrático do mesmo Parlamento. Ficaram célebres as suas expressões em que afirmava ser uma optimista mas, desde 1945, já não ter ilusões. Ou aqueloutra onde afirmava que “o facto de ter feito a Europa reconciliou-me com o século XX”. Foi uma protagonista de excepção desta causa europeia, à qual emprestou a sua credibilidade e a sua honorabilidade.
Terminada a sua passagem pelas instituições europeias, voltou à vida política ativa na sua pátria – em Março de 1993, com Jacques Chirac na Presidência da República, foi nomeada Ministra de Estado, Ministra dos Assuntos Sociais e da Cidade no governo liderado por Édouard Balladur, cargo que desempenhou até Julho de 1995). Em 1998 foi nomeada membro do Conselho Constitucional de França onde permaneceu até 2007, ano em que terminou seu mandato, abandonando as suas funções públicas com o apoio à eleição presidencial de Nicolas Sarkozy.
A consagração do se percurso de vida, tanto no plano político como nos planos académico e cultural, é coroada em 2008 com a sua eleição para a Academia Francesa, tornando-se a sexagésima mulher a pertencer à instituição.
A sua voz tornou-se, gradualmente, uma das mais escutadas, em França e na Europa, sendo-lhe reconhecida, unanimemente, uma enorme integridade moral e uma profunda auctoritas. Poderíamos aplicar-lhe, na íntegra, a velha figura de retórica regularmente utilizada pelo Professor Adriano Moreira: a Europa acaba de perder uma daquelas raras vozes encantatórias, destinadas a falarem ao ouvido dos príncipes. E com isto a Europa acaba de ficar mais pobre; e todos nós com ela.
Ficámos, aliás, duplamente mais pobres – com a perda de Helmut Kohl e de Simone Veil são dois dos símbolos da construção do ideal europeu que nos deixam, não se vislumbrando, de momento, que possa ser o legatário dos seus exemplos, dos seus valores e das suas convicções. Ambos personificaram estadistas e valores europeus, coisa que, infelizmente, nos nossos dias, vai rareando e escasseando.
Louvemo-nos nestes dois exemplos que nos foram legados e tentemos apreender o essencial do que nos deixaram. Será a melhor forma de suprirmos a perda que a sua partida nos proporcionou.
by João Pedro Simões Dias | Jul 5, 2017 | Diário de Aveiro
Foi o Professor Adriano Moreira quem, pelo início dos anos oitenta do século passado, trouxe para o nosso vocabulário político e promoveu a divulgação da expressão “Estado exíguo”, com ela querendo significar ou ilustrar um Estado incapaz de cumprir as suas tarefas mais básicas, aquele mínimo de atribuições que justificam a sua existência e que a clássica ciência política ensina como sendo a segurança, a justiça e o bem estar e bem comum dos seus cidadãos. Um Estado que não seja capaz de cumprir e dar resposta a esses objetivos ou finalidades, é um Estado que não tem razão de existir, que não cumpre as finalidades para as quais é criado, que não desempenha o mínimo indispensável de tarefas que os seus cidadãos lhe confiam por meio do contrato social em que o mesmo Estado se funda. Chamava, na altura, o Professor Adriano Moreira a atenção para o facto de, nesses idos do século passado, Portugal caminhar assustadora e vertiginosa mente para essa condição de Estado exíguo, incapaz de desempenhar o mínimo de tarefas essenciais que os cidadãos dele esperavam e para as quais abdicaram de uma parcela da sua liberdade individual e dos seus direitos para os confiarem a esse mesmo Estado.
Pese embora tenha introduzido o conceito pelos anos oitenta do século passado, o que o nosso querido Mestre nunca terá, por certo, imaginado foi a situação que este nosso País viveu nas últimas duas semanas e que, salvo outra e melhor opinião, veio ilustrar na perfeição o exemplo de um verdadeiro Estado exíguo, incapaz de prover às mais elementares necessidades dos seus cidadãos, falhando rotundamente onde não seria su posto que um Estado, na plenitude das suas competências, pudesse falhar.
Em primeiro lugar foi a tragédia de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes. Não, não foi o Estado e o seu aparelho político-administrativo que foram responsáveis pelo eclodir dos incêndios. Mas já não podemos subscrever idêntico juízo absolvedor relativamente à forma como esse mesmo aparelho político-administrativo (não) reagiu ao eclodir da tragédia. A multiplicidade de serviços, agências e corporações que foram convocadas para (não) responderem à catástrofe, não só nos evidenciam a completa e desorganizada dispersão do poder por inúmeros organismos e entidades como, mais importante que tudo, demonstram à saciedade a total desorganização e a completa falta de coordenação entre todos esses serviços dependentes de um mesmo e único Estado. Entre entidades convocadas para a previsão do fenómeno meteorológico até entidades responsáveis pela prevenção dos incêndios, pelo combate, pelo socorro, pelo policiamento, pela segurança, pela assistência, pelas comunicações – contam-se mais de uma dezena os serviços públicos, de variada natureza e diversa finalidade que, chamados a actuarem, fizeram o melhor que puderam sem embargo de se reconhecer, hoje, que esse melhor possível ficou muito distante do mínimo exigido. Ou seja, perante um fenómeno natural de magnitude sem precedente, que ninguém exigiria que o Estado pudesse antecipar ou evitar, constatou-se impreparação das entidades públicas para atenuarem os seus efeitos e curarem das suas consequências. Em matéria de segurança e proteção da vida e dos bens dos seus cidadãos, o Estado, o nosso Estado, falhou e demonstrou-se impreparado para o cumprimento da sua missão. O auxílio e recurso a meios externos para o cumprimento de uma missão que devia ser, em primeiro lugar, nacional, não determina a exiguidade do Estado. Mas ajuda a perceber que o Estado se assumiu como um verdadeiro “Estado exíguo”. 64 vidas humanas foi o preço a pagar pela impreparação dos diferentes serviços e agências da nossa administração e do nosso poder político.
Mal refeitos da tragédia incendiária, fomos confrontados, na passada semana, com um assalto a um dos principais depósitos de armamento militar do país, em Tancos, donde foram furtados (porque nem de roubo se tratou…) material capaz de espoletar um conflito militar em qualquer parte do mundo. Pela imprensa espanhola (!), soubemos que o furto abrangeu um verdadeiro arsenal (1450 cartuchos de 9 mm; 22 Bobinas ativadoras por tração; 1 Disparador de descompressão; 24 Disparadores de tração lateral multidimensional inerte; 6 Granadas de mão de gás lacrimogéneo CS / MOD M7; 10 Granadas de mão de gás lacrimogéneo CM Antimotim; 2 Granadas de mão de gás lacrimogéneo Triplex CS; 90 Granadas de mão ofensivas M321; 30 Granadas de mão ofensivas M962; 30 Granadas de mão ofensivas M321; 44 Grana das foguete antitanque carro 66 mm com espoleta; 264 Unidades de explosivo plás tico PE4A; 30 CCD10 (Carga de corte); 57 CCD20 (Carga de corte); 15 CCD30 (Carga de corte); 60 Iniciadores IKS; 30,5 Lâminas Explosivas KSL), Numa Europa sem fronteiras, ou de fronteiras transparentes, poderemos imaginar onde o mesmo já estará. E poderemos, também, aquilatar com facilitar as insónias que este furto em Portugal terá provocado em todos os nossos aliados, numa época em que o combate ao terrorismo é fim erigido em prioridade máxima por (quase) toda a comunidade internacional. Da dimensão do facto e listagem de todo o material furtado, viemos a ter notícia pela imprensa espanhola – certamente a partir da notificação efetuada pelas autoridades nacionais. Ficámos a conhecer a dimensão do facto mas não pudemos ficar a confiar nas autoridades espanholas. Ao divulgarem, ou ao não saberem proteger, informação confidencial relativa a material reservado de um seu parceiro e aliado demonstraram que não são de confiança. Devem-nos, inequivocamente, um pedido de desculpas. Mas independentemente disso (que não é pouco), Portugal voltou a dar outro exemplo de impreparação para o desempenho duma tarefa essencial da sua função soberana (ou daquilo que resta dela). Ao não saber guardar e proteger o seu material militar, colocou em causa a defesa, a segurança e o bem-estar dos seus nacionais e, por extensão, daqueles a quem estamos ligados por trata dos de associação. São acontecimentos ou eventos que apenas esperamos ver em filmes de TV ou em Estados-falhados. Nunca em Estados do dito primeiro mundo, países membros duma Aliança Atlântica, aspirando a participar numa qualquer força europeia de defesa que se possa vir a criar. Também aqui demonstrámos o quão perto estamos de resvalar para a condição de “Estado-exíguo”.
Infelizmente, mesmo face a todos estes acontecimentos, o poder parece que meteu férias. Fez algumas perguntas, demitiu alguns oficiais, constituiu uma comissão de inquérito e foi, tranquilamente, gozar a vilegiatura. O país, ainda que caminhando aceleradamente para a condição de “Estado-exíguo”, pode esperar.
by João Pedro Simões Dias | Jun 30, 2017 | Diário
Faleceu hoje Simone Veil, 89 anos, voz de respeito na sociedade francesa, ícone da resistência ao nazismo e figura de referência da segunda geração dos construtores do projecto europeu.
Nascida a 13 de julho de 1927, em Nice, no seio de uma família judia e laica, foi vítima, na sua infância, dos horrores de Auschwitz. Aliás, toda a sua família foi deportada em 1944 para campos de concentração: o seu pai e o seu irmão, Jean, para a Lituânia, uma das irmãs para Ravensbruck, e ela, a sua mãe e uma segunda irmã foram deportadas para Auschwitz. Tornou-se Advogada e subiu a pulso na vida política francesa, onde chegou a ser Ministra por várias vezes (com a eleição de Valéry Giscard d’Estaing para a Presidência da República francesa em 1974, foi nomeada Ministra da Saúde no governo liderado por Jacques Chirac, cargo que conservou nos governos seguintes de Raymond Barre até julho de 1979).
Após os primeiros passos do projecto europeu do pós-segunda guerra mundial, empenha-se activamente na causa do europeísmo militante. Tornou-se deputada ao Parlamento Europeu em 1979 presidindo a esta instituição entre 1979 e 1982 (foi a primeira mulher a presidir à Assembleia de Estrasburgo). Entre 1984 e 1989 liderou o Grupo Liberal e Democrático do mesmo Parlamento. Ficaram célebres as suas expressões em que afirmava ser uma optimista mas, desde 1945, já não ter ilusões. Ou aqueloutra onde afirmava que “o facto de ter feito a Europa reconciliou-me com o século XX”. Foi uma protagonista de excepção desta causa europeia, à qual emprestou a sua credibilidade e a sua honorabilidade.
Terminada a sua passagem pelas instituições europeias, voltou à vida política ativa na sua pátria – em Março de 1993, com Jacques Chirac na Presidência da República, foi nomeada Ministra de Estado, Ministra dos Assuntos Sociais e da Cidade no governo liderado por Édouard Balladur, cargo que desempenhou até Julho de 1995). Em 1998 foi nomeada membro do Conselho Constitucional de França onde permaneceu até 2007, ano em que terminou seu mandato, abandonando as suas funções públicas com o apoio à eleição presidencial de Nicolas Sarkozy.
A consagração do se percurso de vida, tanto no plano político como nos planos académico e cultural, é coroada em 2008 com a sua eleição para a Academia Francesa, tornando-se a sexagésima mulher a pertencer à instituição.
A sua voz tornou-se, gradualmente, uma das mais escutadas, em França e na Europa, sendo-lhe reconhecida, unanimemente, uma enorme integridade moral e uma profunda auctoritas. Poderíamos aplicar-lhe, na íntegra, a velha figura de retórica regularmente utilizada pelo Professor Adriano Moreira: a Europa acaba de perder uma daquelas raras vozes encantatórias, destinadas a falarem ao ouvido dos príncipes. E com isto a Europa acaba de ficar mais pobre; e todos nós com ela. Que descanse em paz.
by João Pedro Simões Dias | Mar 29, 2017 | Diário de Aveiro
Vivemos um tempo estranho, num mundo em constante convulsão, em que não raro parece que todos os valores que deram ordem e forma à nossa civilização foram postergados e cederam perante uma espécie de pensamento único, desprovido de valores e princípios, em que apenas falam as vozes dos mercados, essas entidades míticas e obscuras que ninguém conhece, que ninguém elegeu, que ninguém mandatou, mas que mandam e condicionam mais do que quem foi eleito e legitimado pelo voto e pelo sufrágio populares.
Uma das principais decorrências desta ordem que a todos nos envolve e a todos nos sufoca prende-se com a proclamação, tantas vezes ouvida, de que as ideologias acabaram. Percebe-se: numa sociedade de pensamento único, que sentido faz permanecerem as ideologias, as diferentes visões sobre a sociedade e o Homem? Absolutamente nenhuma!
Não pensemos, porém, que esta nova moda é um exclusivo dos outros. Mesmo entre nós, mesmo nesta pacífica sociedade à beira-mar plantada, há quem preconize as mesmas teses, que sufrague a mesma falta de diversidade e de valores. Ou que apenas conheçam os valores do mercado, da despersonalização das sociedades, da submissão do Homem aos ditames e aos credos da finança. E porque é urgente, porque se impõe, demonstrar o mal-fundado dessas teses peregrinas, todos os esforços e todos os contributos que sirvam para demonstrar a respetiva inverdade, devem ser salientadas, devem ser estimuladas e devem ser acarinhadas. É – convenhamos – um esforço quase inglório, quase hercúleo, nada dado a concitar a atenção e o interesse da nossa comunicação social, muito mais interessada em acontecimentos de outra natureza e, sobretudo, muito pouco ou quase nada interessada em enfrentar os poderes de que depende. Ainda assim, vale a pena a tentativa e, sobretudo, o inconformismo.
Vem isto a propósito de uma excelente iniciativa ocorrida no passado fim de semana, em Lisboa, em que três antigos Presidentes do CDS-PP se reuniram numa conferência aberta ao público, sob o Alto Patrocínio do Presidente da República, para refletirem sobre o futuro da democracia-cristã. Adriano Moreira, Manuel Monteiro e José Ribeiro E Castro, num ambiente livre e sem quaisquer constrangimentos, refletiram sobre o passado, o presente e o futuro de uma ideologia que remonta à célebre encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII (15 de maio de 1891) e que, a par das correntes socialistas democráticas, foram as grandes artífices da reconstrução da Europa do pós-segunda guerra mundial, da institucionalização dos fundamentos do Estado social, da introdução de uma concepção personalista e humanista na política europeia, em vista da superação do maniqueísmo liberalismo/socialismo científico (comunismo) que atormentava as sociedades daquele tempo mas que era incapaz de fornecer as respostas para a questão operária que afligia as sociedades europeias desde o final do século XIX e o início do século XX. A iniciativa, como era previsível, passou ao lado de praticamente toda a comunicação social – em época desprovida de valores, discutir valores e princípios não vende. Mas nem por isso a Conferência deixou de se realizar e deixou de ser um sucesso, unanimemente reconhecido pelas centenas de participantes que congregou no auditório do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa. Mostrando que, afinal de contas, ainda há quem se interesse por estas “velharias”, por estes temas mais densos, menos propensos à politiquice e à baixa política que todos os dias nos entra casa adentro sem pedir licença.
As conclusões que se retiraram do encontro demonstram inequivocamente o quão necessário se torna o retorno a uma política de valores, que recoloque o Homem no centro das preocupações da governação, que continue a privilegiar uma opção assumida pelos mais pobres e pelos mais carenciados, que substitua o credo cego nos mercados pelo regresso à crença nos valores; e que continue a apostar decisivamente no projeto concreto de edificação do projeto europeu, baseado em princípios que lhe deram forma, nomeadamente a solidariedade, a coesão e, sobretudo, o indeclinável empenho na construção e preservação desse bem supremo que é a paz no velho continente.
Ora, estes são valores que se impõem por si próprios e que hoje, infelizmente, não são exclusivo de nenhum partido porque nenhum os assume na sua totalidade e de forma exclusiva. São, antes, valores e princípios que continuam a merecer a adesão individual de muitos cidadãos, dispersos por várias formações partidárias. Donde, seja um imperativo de honestidade intelectual reconhecer que a democracia-cristã, entre nós, continua viva mas que a sua organização institucional está longe de ser a adequada. E por isso a mesma se encontra, frequentemente, misturada e amancebada com outras correntes de pensamento, nomeadamente liberais e conservadoras. O que, por via de regra, só contribui para confundir as propostas e aumentar as incongruências ideológicas.
Parece, pois, uma evidência que se impõe cada vez mais organizar e (re)estruturar organicamente a democracia-cristã em Portugal. Não será, seguramente, por falta de operários que a obra deixará de se fazer. Sobretudo porque se trata de uma obra necessária e urgente. E se não se puder fazer no quadro partidário existente, comece por se fazer no âmbito da sociedade civil. O tempo urge e a tarefa será árdua. Mas recompensará.