2013, Ano europeu em revista

Terminado o ano de 2013, aqui se deixa a respectiva revista europeia (de A a Z) para efeitos de memória futura e com tudo o que de subjetivo e aleatório pode envol­ver uma escolha e um exercício desta natureza:
Alemanha – O gigante económico da Europa da União fortaleceu, a cada dia que pas­sou, o seu poder político. Voluntária ou involuntariamente, é a um verdadeiro pro­cesso de germanização da Europa que assistimos, mais do que a um processo de euro­peização da Alemanha – enquanto os seus Estados parceiros oscilam en­tre o medo do fortalecimento desse poder e o receio de perderem o apoio que a Ale­manha lhes pode dispensar. Contradição que 2013 não contribuiu em nada para resolver. Bem pelo con­trário.
Barroso (José Manuel Durão) – Depois de um início de segundo mandato à frente da Comissão Europeia em que foi completamente ultrapassado pela lógica in­tergoverna­mental imposta pela Alemanha à União Europeia, recuperou algum pro­tagonismo directamente proporcional à aproximação do fim do seu mandato. Se o sonho comanda a vida, o sonho de um inédito terceiro mandato pareceu coman­dar a sua actuação. Pode ter despertado tarde da sua letargia.
Chipre – Chipre constituiu o exemplo mais traumático de resgates efectua­dos pela troika, neste caso devido a grave crise do sector financeiro e bancário da ilha. Não pelo valor do empréstimo concedido mas pelas condicionantes impostas pelos credores, que obrigaram depositantes nos bancos a suportarem parte dos custos da respectiva reca­pitalização. Pela primeira vez na história da UE ultrapassou-se uma linha vermelha e abriu-se um precedente perigoso – os depósitos bancários passaram a poder ser confiscados para contribuir para pagar erros de gestão bancária. O Parlamento de Nicósia ainda ensaiou opor-se à medida, mas a força da realidade acabou por se impor.
Dijsselbloem (Jeroen) – O socialista holandês que sucedeu a Junker na presidên­cia do Eurogrupo e que, não raro, se tem mostrado mais ortodoxo que os ortodo­xos alemães em decisões concretas que têm sido tomadas – de que, talvez, o meca­nismo de gestão de falências bancárias seja o exemplo mais acabado.
Eslovénia – A Eslovénia posiciona-se como um dos mais sérios candidatos a rece­ber novo auxílio financeiro das instituições europeias quando, na sequência dos resultados dos testes de ‘stress’ supervisionados pela UE, se constata que as ne­cessidades de re­capitalização da banca do país ascende a 4,8MM€, até junho de 2014.
Federalismo – Por oposição ao trilho intergovernamental constitucionalizado com o Tratado de Lisboa, é cada vez mais o caminho alternativo que parece poder tirar a União da letargia para onde foi encaminhada. Durante muito tempo constituiu a pala­vra maldita e o conceito tabu do projecto europeu. Tão só porque ousaram equipará-lo a outros modelos federais existentes. Também aqui a UE deverá inovar – e optando por uma via federal será seguramente uma via original e não duplicada de qualquer outra existente. Terá como componente o necessário reforço das instituições comuns, a respectiva relegitimação democrática, a recusa do modelo do diretório, a afirmação da via supranacional e o respeito pelo princípio da subsidiariedade. Em 2013 prefigu­rou-se, sem complexos, como um dos (poucos) caminhos possíveis a seguir para se ul­trapassar a crise que vivemos.
Grécia – Continuou a ser o país-problema da União Europeia. Com dois resgates e a caminho dum terceiro, cortes de dívida a credores particulares e enorme agita­ção so­cial cabe-lhe entrar em 2014 a presidir ao Conselho da União – com a res­ponsabilidade de demonstrar que um Estado pode estar em estado de emergên­cia financeira sem que isso signifique que abdica das suas funções políti­cas no quadro da União.
Hollande (François) – Iniciou o seu mandato como a grande esperança da esquerda eu­ropeia contra o austeritarismo ortodoxo germânico e em nome das políticas de cres­cimento económico, como caminho que a própria Europa devia seguir; encerra 2013 com a França sujeita à mais elevada carga de austeridade fiscal da V República e os ín­dices de popularidade mais baixos de qualquer chefe de Estado francês desde que há registos e medições dos mesmos. Pior saldo do ano – potencía o crescimento eleitoral da Frente Nacional de Marine Le Pen a patamares nunca antes vistos nem alcançados pela extrema-direita gaulesa.
Irlanda – Termina 2013 anunciando que, finalizado o seu resgate, quer ver-se li­vre da troika e das instituições europeias com uma “saída limpa”, sem depender dos humores dos burocratas de Bruxelas, sem segundo resgate ou, sequer, sem essa incógnita cha­mada programa cautelar. Decerto – os juros a dez anos na or­dem dos 3%, uma almo­fada financeira de cerca de 25MM€ e as necessidades de finan­ciamento garantidas até meados de 2015 ajudaram a tomar uma atitude que objectivamente espantou quase tudo e quase todos.
Junker (Jean-Claude) – O democrata-cristão decano dos líderes europeus, talvez o mais europeísta de todos eles, resto sobrante da geração de Kohl e Mitterrand, dei­xou de ser Presidente do Eurogrupo e Primeiro Ministro do Luxemburgo (ape­sar de aqui ter ganho as eleições legislativas, ainda que só com maioria rela­tiva). Paradoxalmente, pode ser a oportunidade para um 2014 mais risonho, com a Presidência da Comissão Europeia ou a Presidência do Conselho Europeu.
Kenny (Enda) – O Taioseach (Primeiro-Ministro) irlandês viu-se catapultado para as lu­zes da ribalta europeia quando o plano de ajusta­mento que negociou e conseguiu im­por à troika terminou com uma “saída limpa”, sem necessidade de qualquer programa cautelar. Com discrição mas firmeza, sem subservi­ências nem seguidismos provincia­nos, liderou um país sob resgate com prudência e bom-senso. Os resultados viram-se. Declarou prescindir de novos apoios internacionais e granjeou reputação e credibili­dade suficiente para ser encarado como uma das mais fortes possibilidades para vir a suceder a Durão Barroso à frente da Comissão Euro­peia. Resta saber se o desejará.
Letta (Enrico) – O democrata-cristão, membro do Partido Democrático de centro-es­querda, salta para a primeira linha da política europeia ao conseguir formar governo em Itália, baseado numa coligação instável com o Povo da Liberdade de Silvio Berlus­coni. Teve o difícil encargo de suceder a Mario Monti, o eurocrata que liderou o go­verno de Roma entre Novembro de 2011 e Abril de 2013 restituindo-lhe a credibili­dade perdida sob a liderança de Berlusconi. Apostou inequivocamente na via europeia para rumo dos primeiros meses da sua governação.
Merkel (Angela) – A chanceler alemã, que traiu Helmut Kohl e desonrou o seu legado europeísta, foi uma das grandes vencedoras de 2013. A sua política ortodoxa e austeri­tária face ao sul da Europa em provação e de germanização da UE foi amplamente su­fragada pelos seus concidadãos em eleições internas. Cada vez mais governa mais a Europa sendo escolhida apenas pelos alemães. Nem a mudança de parceiro político lhe alterou os hábitos ou fez mudar o rumo. Nos sociais-democratas do SPD encontrou aliados para a sustentação de uma política europeia que ainda acredita que podem existir ilhas de prosperidade em mares de desesperança. Quando a desesperança der à costa da ilha germânica, o rumo será alterado. Até lá, vai mandando. Bruxelas e as demais capitais europeias vão obedecendo.
NATO – Ainda não foi em 2013 que a organização de defesa militar do ocidente logrou alcançar um nível de articulação satisfatório com a União Europeia em matérias de se­gurança e defesa. É um daqueles casos em que a responsabilidade não pode ser assa­cada à organização transatlântica. Se o pilar europeu da aliança não se mostra suficien­temente sensibilizado para o tema nem se consegue articular e coordenar satisfatori­amente entre si, dificilmente a União que formam se pode entender com a organiza­ção de defesa que, paradoxalmente, quase todos integram.
Orban (Viktor) – A Hungria, liderada pelo Primeiro-Ministro Viktor Órban, conseguiu saldar a dívida de 20MM€ que tinha para com o Fundo Monetário Internacional desde 2008, sete meses antes do prazo previsto. Com uma liderança frequentemente criti­cada pelas suas opções conservadoras, o Governo de Órban considerou que a Hungria vai conseguir financiar-se nos mercados financeiros internacionais depois do que cha­mou “uma luta pela liberdade de atuação do país”.
Portugal – Exemplo acabado e consumado das políticas erráticas concebidas e impos­tas pela troika, inicialmente acolhidas com entusiasmo por parte do go­verno, entusi­asmo que se foi perdendo à medida que o tempo foi passando. Quem se der ao traba­lho de comparar os números previstos para final de 2013 no memorando de entendi­mento original e aqueles que, de facto, se atingiram (em termos de défice, dívida pú­blica e desemprego, por exemplo) tem a noção clara da errância das referidas políticas austeritárias.
Quadro financeiro 2014-2020 – O Conselho e o Parlamento Europeu puseram-se de acordo relativamente ao quadro financeiro plurianual da UE. Denotou ambição pouca e ousadia nenhuma. Com orçamentos que continuam a ser inferiores a 1% do PIB co­munitário não é possível ousar sonhar qualquer aprofundamento das políticas comuns. Enquanto a UE não se dotar de meios financeiros suficientemente capazes, as suas ca­pacidades de intervenção estão limitadas e definitivamente cerceadas.
Rompuy (Herman Van) – O Presidente permanente do Conselho Europeu pareceu ga­nhar algum protagonismo à medida que a crise por que passou a UE em 2013 foi abrandando e foram surgindo ligeiros sinais de retoma económica. Pese embora esse facto, continuou por se perceber a utilidade do cargo e da função. E se o hábito não faz o monge, neste caso o monge não fez nem justificou uma função que veio, inequivo­camente, introduzir um elemento de confusão na estabilidade institucional da União Europeia. Terminará o seu segundo mandato em 2014.
Secessionismos e Separatismos – Constituem o pior legado que 2013 deixa a 2014: a marcação de referendos independentistas e separatistas em 2014 para a Escócia e para a Catalunha podem obrigar a União Europeia a defrontar-se com um problema novo em mais de 60 anos de projecto europeu – o da integridade territorial dos seus Es­tados-membros, que é como quem diz, da sua própria integridade territorial. Mais grave que isso, os referendos prometidos, a realizarem-se, podem constituir prece­dente sério para outras aspirações independentistas que se encontram apenas ador­mecidas.
Troika – Os coordenadores dos principais grupos políticos na Comissão Econó­mica e de Assuntos Monetários do Parlamento Europeu e, posteriormente, a pró­pria eurocâ­mara, decidem lançar um processo de inquérito à actuação da troika nos planos de res­gate lançados nos últimos três anos. A investigação pretende apu­rar, ainda, a “legiti­mação democrática das decisões tomadas” pela troika nes­ses processos.
Ucrânia – Não pertencendo à União, foi o palco onde se travou a última disputa entre a UE e a Rússia sobre as respectivas esferas de influência. Contra a vontade de milha­res que se manifestaram nas ruas, o governo de Kiev deu sinais de tombar para o lado de Moscovo, recusando associar-se à parceria com Bruxelas. Território de fronteira e zona de influência ambicionada tanto pela Rússia como pela União Europeia, protago­nizou o reavivar dos tempos da guerra-fria, onde a influência em cada palmo de ter­reno geoestratégico era disputada ao milímetro. Estando fora da União, por paradoxal que pareça, a Ucrânia pode vir a determinar muito do sucesso ou insucesso da sempre anunciada e nunca concretizada política externa e de segurança comum.
Vilnius – Foi na capital da Lituânia que ocorreu um dos maiores desaires da UE em ma­té­ria de política exterior comum no ano de 2013. A Cimeira da Parceria Oriental da UE com a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia, a Bielorrússia, a Arménia e o Azerbaijão ficou marcada pelo desacordo entre a Ucrânia – pressionada por Moscovo para não assinar qualquer acordo com a União – e a UE. Ao não assinar o acordo que marcaria a apro­ximação ucraniana à UE os resultados da Cimeira restringiram-se à assinatura duma primeira versão de acordo com a Geórgia e a Moldávia e um acordo de facilitação de vistos com o Azerbaijão. Foi pouco.
Xavier (Bettel) – O Presidente da Câmara da Cidade do Luxemburgo tornou-se o improvável Primeiro-Ministro do Grã-Ducado, após a realização de eleições legislativas em que Jean-Claude Juncker, apesar de liderar o partido mais votado, não logra alcançar a maioria absoluta, deixando o poder nas mãos de uma coligação governamental formada pelo Partido Democrático, o Partido Operário Socialista e Os Verdes.
Yousafzai (Malala) – Jovem paquistanesa de 16 anos que, baleada na cabeça pelos tali­bãs quando regressava da escola, recebeu o “Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Consciência” perante o plenário da eurocâmara de Estrasburgo, apelando de forma vigorosa ao direito das crianças à educação.
Wharton (James) – Deputado conservador britânico, autor de um projeto de lei apro­vado pela Câmara dos Comuns – numa sessão em que a oposição trabalhista apenas participou no debate e esteve ausente da votação – destinado à realização de um refe­rendo sobre a permanência do Reino Unido na UE em 2017.
Zagreb – Foi nas ruas de Zagreb que os croatas assinalaram, em clima de festa, a 1 de Julho de 2013, a adesão do seu país à União que, assim, se tornou o 28º Estado-Membro da UE, numa altura em que esta atravessa a sua mais profunda crise desde a origem do projeto europeu.

O diretório europeu

O último Conselho Europeu reuniu sob auspícios da grave crise económica e financeira que perpassa praças e mercados cada vez mais globalizados e, por isso mesmo, cada vez mais sujeitos às mútuas e recíprocas influências que entre si se vão estabelecendo. Atendendo à gravidade da crise, talvez fosse difícil ser de outra forma; talvez fosse impossível não ser esse o tema dominante da Cimeira. Nesse plano, portanto, nenhuma novidade merece realce ou destaque.
O que, eventualmente, merecerá uma reflexão será o caminho percorrido pelos líderes europeus que antecedeu e preparou as deliberações adoptadas formalmente pelo Conselho Europeu. Recordemos esse caminho.
A 4 de Outubro, numa «mini-cimeira», os líderes dos quatro países europeus que integram o G8 – que continua a ser o verdadeiro centro do poder do mundo globalizado do pós-guerra-fria – Nicolas Sarkozy, Angela Merkel, Silvio Berlusconi e Gordon Brown, juntamente com Durão Barroso, reuniram em Paris e acordaram solicitar ao BEI 31,5 MM de euros para apoio às pequenas e médias empresas e às instituições bancárias europeias que mostrem dificuldade em suportar a crise mundial.
Uma semana depois, a 12, durante a cimeira dos Chefes de Estado ou de Governo dos Quinze países do euro – espécie de «Conselho Europeu do Euro» que Sarkozy convocou para reunir pela primeira vez na história – os governos de Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, Grécia, Irlanda, Áustria, Finlândia, Eslovénia, Malta e Chipre não só ratificaram o que fora decidido uma semana antes como assumiram o compromisso de garantir os novos empréstimos entre os bancos no seu território, de modo a desbloquear o mercado do crédito interbancário, através de garantias de Estado, sobre empréstimos contraídos até 31 de Dezembro de 2009 – compromisso acordado «a 15» devendo ser apresentado aos restantes 12 Estados-Membros da UE na Cimeira do Conselho Europeu.
Nesta, na Cimeira propriamente dita, o Conselho Europeu (i) consensualizou o alargamento aos 27 do acordo alcançado pelos 15 da zona euro no sentido de garantir os empréstimos intra-bancários e a recapitalização, se necessário, dos bancos comerciais – para além de (ii) chegar a acordo sobre a necessidade de uma reforma profunda no sistema financeiro mundial; (iii) proclamar a necessidade de uma cimeira internacional com a presença dos líderes de todas as grandes economias, incluindo as dos países emergentes, para debater a questão do sistema financeiro mundial; (vi) reafirmar os compromissos em matéria de política energética e climática, apesar das objecções levantadas por vários países devido aos custos dos mesmos numa altura de desaceleração económica; e (iv) adoptar formalmente o Pacto para a Imigração e Asilo.
Aqui chegados, e independentemente do mérito das deliberações adoptadas – que conseguiram transmitir a ideia de uma Europa concertada para encarar a crise mundial e que foram tributárias da acção precursora de Gordon Brown no Reino Unido – impossível será não concluir que o núcleo fundamental dessas mesmas deliberações acabou por ser fruto, em primeira e última instância, do que foi decidido pelas quatro grandes potências económicas da Europa da União, posteriormente confirmado pelo «Conselho Europeu do Euro» e, finalmente, comunicado e aceite aos restantes 12 Estados da UE. Foi, a todos os títulos, um processo decisório sui generis, em que as deliberações essenciais foram adoptadas por uma sucessão de círculos concêntricos e cada vez mais alargados e em cuja origem se encontra o directório das quatro grandes economias da UE.
É provável que, no cenário atual e face à gravidade da situação, não pudesse ter sido de outro modo e não tivesse sido possível outra metodologia. A questão que permanece em aberto, todavia, é a de saber se o método e o modelo adotados foram excecionais, em vista da excecionalidade da própria crise internacional, ou se, pelo contrário, vieram para ficar e não caminharemos a passos largos nesta Europa da União cada vez mais alargada e cada vez menos preparada institucionalmente para responder aos grandes desafios que o mundo lhe lança, para que o método agora seguido se transforme em procedimento-regra, reconstruindo velhas práticas de diretório que, quando observadas, nunca conduziram a Europa a tempos de felicidade. Ora, numa Europa cada vez mais à la carte – onde, fruto de sucessivos e mal preparados alargamentos, cada vez mais se registam várias velocidades de integração política e económica, sendo uns os Estados que aderem ao Euro, outros os que partilham Schengen, outros os que reclamam diferentes opting-outs e outros ainda, por exemplo, os que desejam reforçar a sua integração política e até mesmo militar – a resposta a esta questão permanece em aberto e por esclarecer. No entretanto a ameaça de uma Europa de diretório volta a assomar à porta dos europeus.