by João Pedro Simões Dias | Dez 18, 2011 | Diário
Faleceu hoje Vaclav Havel, figura primeira do europeísmo da resistência e artífice principal da Revolução de Veludo que, sem quebrar um vidro ou derramar uma gota de sangue, derrubou um governo, ruiu um sistema e cindiu um país. Em texto académico publicado, dedicámos-lhe as seguintes palavras:
O fim da guerra–fria e o longo período de declínio que antecedeu esse final não pode, porém, ser apenas imputado à importante ação desenvolvida por um punhado de estadistas que as circunstâncias colocaram no governo dos seus Estados em momento simultâneo. Porque o sistema bipolar ruiu a leste, justamente a leste esse facto não pode ser dissociado de uma importante batalha travada por povos mudos e oprimidos que buscavam a verdade e a autenticidade. Para o efeito invocavam valores relativizados a ocidente porque mal compaginados com uma sociedade de consumo em que o ter prevalece sobre o ser. Como novos projetistas da paz deste fim de século, recorreram ao único poder à sua disposição — o poder do verbo — para enfrentarem o Estado que oprimia e o partido que controlava. No seu conjunto formaram uma autêntica Internacional de Dissidentes que começou a ganhar forma e estrutura com a publicação, em Janeiro de 1977, em Praga, da Carta 77 e que se desenvolveu com a reunião ocorrida algures na fronteira polaco–checa entre dissidentes de ambos os países em Agosto de 1978. No movimento assume protagonismo especial Vaclav Havel — o dramaturgo que a Revolução de Veludo colocará à frente dos destinos da Checoslováquia e, após a sua secessão, da novel República Checa. As preocupações dos cartistas eram bem definidas e nada tinham a ver com as que ocupavam os espíritos ocidentais: ante a decadência que lhes era dado conhecerem, proclamam a sua iniciativa, antes de tudo, como uma iniciativa ética que reconhece o primado da consciência moral individual sobre a razão–de–Estado. Essencialmente porque, no dizer de outro dos seus expoentes, o filósofo resistente Jan Patocka — que decerto não esquecera o exemplo do seu compatriota, o estudante Jan Palach, auto–emulado na Praça de S.Wenceslau em Varsóvia porque era urgente protestar contra a sovietização do seu país — há coisas que merecem que se sofra por elas. Nesta cruzada pela palavra livre e pelo direito de expressão e pensamento, assumirá destaque outro texto de Havel — «O poder dos sem poder» analisa o fenómeno da dissidência nos países comunistas e retoma teses da Carta aparecida um ano antes.
by João Pedro Simões Dias | Jun 18, 2011 | Diário
Elena Bonner lutou pela defesa dos direitos humanos na antiga União Soviética, esteve presa e exilada. Era viúva do físico nuclear e dissidente russo Andrei Sakharov, distinguido com o Nobel da Paz em 1975. Já tinha sido operada três vezes ao coração e morreu neste sábado em Boston, nos Estados Unidos, aos 88 anos.
Nascida na República soviética do Turquemenistão, em 1923, Bonner, enfermeira que chegou a ser condecorada pelos seus serviços de apoio ao Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, era uma crítica do regime desde finais dos anos 60. Nessa altura deixou as fileiras do Partido Comunista, depois de ver, durante a Primavera de Praga, a repressão das forças soviéticas na principal cidade da então Checoslováquia. Conheceu Andrei Sakharov em 1970 e os dois casaram em 1972. Ele foi físico nuclear, chegou a participar na criação da bomba de hidrogénio soviética mas depressa se juntou à contestação ao regime, por isso foi perseguido, submetido a um exílio interno na cidade de Gorki, a cerca de 400 quilómetros de Moscovo. Ela tornar-se-ia a sua voz no exterior, mas acabou por também ser expulsa para Gorki em 1984 por “agitação anti-soviética”. Um ano depois acabou por ser autorizada a deixar o país, partiu para Itália e mais tarde para Boston, onde vivia a sua mãe e a sua filha. Aí foi submetida à primeira intervenção cirúrgica ao coração. Até que, em 1986, foi autorizada a regressar a Moscovo, já Mikhail Gorbatchov procurava levar a cabo diversas reformas no regime. Sakharov também voltou, viria a morrer dois anos depois. E Bonner continuou envolvida na defesa dos direitos humanos e a ser uma das vozes mais críticas do regime. Críticas à guerra na Tchetchénia e a Putin Condenou com firmeza a intervenção militar russa na Tchetchénia, em 1994, guerra que qualificou como “genocídio do povo tchetcheno”. E como protesto renunciou ao cargo que ocupava na comissão de direitos humanos russa, era já Boris Ieltsin quem estava na presidência do país. Ieltsin, aliás, voltaria a ser alvo das suas críticas por ter promovido a ascensão do ex-agente do KGB Vladimir Putin a seu sucessor. Putin foi Presidente, é agora primeiro-ministro, e ainda no ano passado Bonner assinou uma petição na Internet contra ele, a condenar as violações de direitos humanos na Rússia. “A sua morte é uma grande perda, e não só para o movimento de defesa dos direitos humanos”, disse à agência Interfax a sua amiga e presidente do Grupo Helsinki, Lioudmila Alexeeva. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, prestou homenagem “à coragem de Bonner na sua luta pelas liberdades fundamentais e a dignidade humana”.