Elena Bonner. In memoriam

Elena Bonner lutou pela defesa dos direitos humanos na antiga União Soviética, esteve presa e exilada. Era viúva do físico nuclear e dissidente russo Andrei Sakharov, distinguido com o Nobel da Paz em 1975. Já tinha sido operada três vezes ao coração e morreu neste sábado em Boston, nos Estados Unidos, aos 88 anos.
Nascida na República soviética do Turquemenistão, em 1923, Bonner, enfermeira que chegou a ser condecorada pelos seus serviços de apoio ao Exército Vermelho durante a II Guerra Mundial, era uma crítica do regime desde finais dos anos 60. Nessa altura deixou as fileiras do Partido Comunista, depois de ver, durante a Primavera de Praga, a repressão das forças soviéticas na principal cidade da então Checoslováquia. Conheceu Andrei Sakharov em 1970 e os dois casaram em 1972. Ele foi físico nuclear, chegou a participar na criação da bomba de hidrogénio soviética mas depressa se juntou à contestação ao regime, por isso foi perseguido, submetido a um exílio interno na cidade de Gorki, a cerca de 400 quilómetros de Moscovo. Ela tornar-se-ia a sua voz no exterior, mas acabou por também ser expulsa para Gorki em 1984 por “agitação anti-soviética”. Um ano depois acabou por ser autorizada a deixar o país, partiu para Itália e mais tarde para Boston, onde vivia a sua mãe e a sua filha. Aí foi submetida à primeira intervenção cirúrgica ao coração. Até que, em 1986, foi autorizada a regressar a Moscovo, já Mikhail Gorbatchov procurava levar a cabo diversas reformas no regime. Sakharov também voltou, viria a morrer dois anos depois. E Bonner continuou envolvida na defesa dos direitos humanos e a ser uma das vozes mais críticas do regime. Críticas à guerra na Tchetchénia e a Putin Condenou com firmeza a intervenção militar russa na Tchetchénia, em 1994, guerra que qualificou como “genocídio do povo tchetcheno”. E como protesto renunciou ao cargo que ocupava na comissão de direitos humanos russa, era já Boris Ieltsin quem estava na presidência do país. Ieltsin, aliás, voltaria a ser alvo das suas críticas por ter promovido a ascensão do ex-agente do KGB Vladimir Putin a seu sucessor. Putin foi Presidente, é agora primeiro-ministro, e ainda no ano passado Bonner assinou uma petição na Internet contra ele, a condenar as violações de direitos humanos na Rússia. “A sua morte é uma grande perda, e não só para o movimento de defesa dos direitos humanos”, disse à agência Interfax a sua amiga e presidente do Grupo Helsinki, Lioudmila Alexeeva. O presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, prestou homenagem “à coragem de Bonner na sua luta pelas liberdades fundamentais e a dignidade humana”.

O diretório europeu

O último Conselho Europeu reuniu sob auspícios da grave crise económica e financeira que perpassa praças e mercados cada vez mais globalizados e, por isso mesmo, cada vez mais sujeitos às mútuas e recíprocas influências que entre si se vão estabelecendo. Atendendo à gravidade da crise, talvez fosse difícil ser de outra forma; talvez fosse impossível não ser esse o tema dominante da Cimeira. Nesse plano, portanto, nenhuma novidade merece realce ou destaque.
O que, eventualmente, merecerá uma reflexão será o caminho percorrido pelos líderes europeus que antecedeu e preparou as deliberações adoptadas formalmente pelo Conselho Europeu. Recordemos esse caminho.
A 4 de Outubro, numa «mini-cimeira», os líderes dos quatro países europeus que integram o G8 – que continua a ser o verdadeiro centro do poder do mundo globalizado do pós-guerra-fria – Nicolas Sarkozy, Angela Merkel, Silvio Berlusconi e Gordon Brown, juntamente com Durão Barroso, reuniram em Paris e acordaram solicitar ao BEI 31,5 MM de euros para apoio às pequenas e médias empresas e às instituições bancárias europeias que mostrem dificuldade em suportar a crise mundial.
Uma semana depois, a 12, durante a cimeira dos Chefes de Estado ou de Governo dos Quinze países do euro – espécie de «Conselho Europeu do Euro» que Sarkozy convocou para reunir pela primeira vez na história – os governos de Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, Grécia, Irlanda, Áustria, Finlândia, Eslovénia, Malta e Chipre não só ratificaram o que fora decidido uma semana antes como assumiram o compromisso de garantir os novos empréstimos entre os bancos no seu território, de modo a desbloquear o mercado do crédito interbancário, através de garantias de Estado, sobre empréstimos contraídos até 31 de Dezembro de 2009 – compromisso acordado «a 15» devendo ser apresentado aos restantes 12 Estados-Membros da UE na Cimeira do Conselho Europeu.
Nesta, na Cimeira propriamente dita, o Conselho Europeu (i) consensualizou o alargamento aos 27 do acordo alcançado pelos 15 da zona euro no sentido de garantir os empréstimos intra-bancários e a recapitalização, se necessário, dos bancos comerciais – para além de (ii) chegar a acordo sobre a necessidade de uma reforma profunda no sistema financeiro mundial; (iii) proclamar a necessidade de uma cimeira internacional com a presença dos líderes de todas as grandes economias, incluindo as dos países emergentes, para debater a questão do sistema financeiro mundial; (vi) reafirmar os compromissos em matéria de política energética e climática, apesar das objecções levantadas por vários países devido aos custos dos mesmos numa altura de desaceleração económica; e (iv) adoptar formalmente o Pacto para a Imigração e Asilo.
Aqui chegados, e independentemente do mérito das deliberações adoptadas – que conseguiram transmitir a ideia de uma Europa concertada para encarar a crise mundial e que foram tributárias da acção precursora de Gordon Brown no Reino Unido – impossível será não concluir que o núcleo fundamental dessas mesmas deliberações acabou por ser fruto, em primeira e última instância, do que foi decidido pelas quatro grandes potências económicas da Europa da União, posteriormente confirmado pelo «Conselho Europeu do Euro» e, finalmente, comunicado e aceite aos restantes 12 Estados da UE. Foi, a todos os títulos, um processo decisório sui generis, em que as deliberações essenciais foram adoptadas por uma sucessão de círculos concêntricos e cada vez mais alargados e em cuja origem se encontra o directório das quatro grandes economias da UE.
É provável que, no cenário atual e face à gravidade da situação, não pudesse ter sido de outro modo e não tivesse sido possível outra metodologia. A questão que permanece em aberto, todavia, é a de saber se o método e o modelo adotados foram excecionais, em vista da excecionalidade da própria crise internacional, ou se, pelo contrário, vieram para ficar e não caminharemos a passos largos nesta Europa da União cada vez mais alargada e cada vez menos preparada institucionalmente para responder aos grandes desafios que o mundo lhe lança, para que o método agora seguido se transforme em procedimento-regra, reconstruindo velhas práticas de diretório que, quando observadas, nunca conduziram a Europa a tempos de felicidade. Ora, numa Europa cada vez mais à la carte – onde, fruto de sucessivos e mal preparados alargamentos, cada vez mais se registam várias velocidades de integração política e económica, sendo uns os Estados que aderem ao Euro, outros os que partilham Schengen, outros os que reclamam diferentes opting-outs e outros ainda, por exemplo, os que desejam reforçar a sua integração política e até mesmo militar – a resposta a esta questão permanece em aberto e por esclarecer. No entretanto a ameaça de uma Europa de diretório volta a assomar à porta dos europeus.