A governação da zona euro
Justamente no primeiro dia útil da nova presidência francesa, na passada segunda-feira, enquanto Emmanuel Macron se deslocava a Berlim para a sua primeira cimeira com a chanceler Angela Merkel visando retomar os laços do eixo franco-alemão na UE, o governo espanhol apresentou em Bruxelas um ousado plano visando a reforma da governação da zona euro. Dizem as notícias mais fidedignas que o referido plano terá sido acordado ou consensualizado por ocasião da cimeira dos países do sul da União, que reuniu em Lisboa, no passado mês de janeiro, António Costa, Mariano Rajoy (Espanha), François Hollande (França), Alexis Tsipras (Grécia), Nikos Anastasiades (Chipre), Paolo Gentiloni (Itália) e Joseph Muscat (Malta). Como já na altura se assinalou, o tema dominante desta cimeira foi a reforma da política monetária da UE, o acabamento da união económica e monetária e a introdução de mudanças e de reformas profundas na Zona Euro.
A coincidência da divulgação pública destas medidas por parte do governo espanhol com a deslocação de Macron a Berlim, não foi produto do acaso. Resulta do facto de, entre o texto consensualizado entre Madrid e Lisboa e as posições do novo Presidente francês em matéria de reforma da governação da zona euro existir uma ampla área de sintonia e consenso. Mas também zonas de dissenso e de divergência. Madrid apresentou as suas propostas em Bruxelas; Macron foi levá-las pessoalmente e em mão a Angela Merkel. No fundo, as mensagens, não tendo sido as mesmas, centraram-se ambas em torno da reforma da zona euro.
Entrando, no detalhe das medidas subscritas por Espanha e Portugal e as que são sustentadas pelo novo Presidente francês, como já se referiu, notam-se algumas divergências pontuais. Espanha e Portugal, por exemplo, defendem a criação de um orçamento anti-crise para a zona euro, um seguro de desemprego comunitário, a mutualização da dívida dos países da zona euro através da emissão de eurobonds, a conclusão da união bancária, a reforma do Pacto de Estabilidade retirando-lhe a componente “pro-cíclica” e o reforço da legitimidade democrática do Eurogrupo. Deste conjunto alargado de medidas, Macron já deu sinais de discordar, pelo menos para já, da mutualização das dívidas dos Estados da eurozona através da criação do mecanismo dos eurobonds. É uma discordância assinalável posto que, na proposta formulada por Madrid e que Portugal subscreveu, o mecanismo dos eurobonds constituía elemento fulcral e central.
Da parte do programa defendido pelo Presidente francês, por seu lado, há um elemento original – é defendida a criação de um Parlamento dos Estados da zona euro. E esta proposta parece merecer a discordância e oposição do governo português com base no argumento de que seria impossível de ser concretizada sem uma prévia conferência intergovernamental que procedesse a uma revisão dos tratados actualmente em vigor. Ora, parece defender – e bem! – o governo português que, no presente momento, não existem condições políticas que possibilitem encetar com sucesso um processo de revisão dos tratados comunitários.
Pese embora estas divergências, que se encontram quando analisamos o detalhe das medidas propostas, constatamos que, apesar das divergências mais ou menos pontuais registadas, existe uma ampla zona de convergência e de possível consenso entre as posições que estão a ser, actualmente, sustentadas pelo novo governo francês e, pelo menos, por Espanha e Portugal. Significa isto que começam a ser criadas condições mínimas para, finalmente, ser encarada de frente a questão do acabamento da estrutura institucional e de governação da zona euro – cuja falta tanto se fez sentir nos dias mais pesados da última grande crise que atingiu a zona euro.
Decerto – neste continente em busca desesperada pelo seu norte e que parece condenado a adiar as suas decisões sempre à espera da realização do próximo ato eleitoral, dificilmente serão tomadas medidas ou decisões concretas antes das próximas eleições legislativas alemãs marcadas para o próximo mês de setembro. Apesar dessa pausa forçada, e com a consciência de que antes de setembro pouco ou nada de relevante acontecerá na União Europeia, pelo menos de previsível, nada impede que determinados caminhos se comecem a trilhar e a caminhar. O da reforma da governação da zona euro e do seu acabamento será, sem dúvida, um desses caminhos.
Se, nesse debate, conseguirmos encontrar Portugal no pelotão da frente da discussão que terá de ser travada – ainda que integrado no grupo dos países ditos do Sul que regularmente se têm vindo a reunir em cimeiras regulares, no quadro das quais, por exemplo, poderão vira a ser articuladas as posições de França, Espanha, Portugal, Itália e restantes Estados-membros – só poderemos ter razões para nos congratular e felicitar.