A trilogia eleitoral
Amanhã, quinta-feira, a atenção política europeia vai centrar-se no Reino Unido: os britânicos voltam a ir às urnas, ainda que desta vez num contexto especial. O acto eleitoral foi convocado pela primeira-ministra Theresa May para reforçar e relegitimar o seu governo que tem pela frente a espinhosa tarefa de negociar e concretizar um Brexit escolhido, há precisamente um ano, na sequência de uma consulta popular convocada pelo então primeiro-ministro David Cameron.
Não chegasse, todavia, este particular contexto envolvente do acto eleitoral de amanhã, dá-se ainda o caso de o mesmo nos aparecer, inevitavelmente, condicionado pelos atentados terroristas que o Reino Unido tem sofrido – em Londres, em Manchester e, no passado fim-de-semana, de novo na capital britânica.
Ambos os factos – a postura de Theresa May ante o Brexit, ela que fez campanha pelo “Remain” no referendo do ano passado e, de repente, viu-se a braços com a liderança de um governo que tinha por principal tarefa, justamente, concretizar o Brexit; e a escalada do terrorismo islâmico radical e extremista no Reino Unido, contra o qual todo o empenho e perseverança da polícia britânica se tem revelado insuficiente – são suficientes para deixar em aberto todas as previsões sobre qual poderá vir a ser o veredicto das urnas, pese embora, à data de convocação deste acto eleitoral, os conservadores beneficiassem de mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas.
Porém, a sucessão recente de erros do governo de May e a sua postura arrogante, por exemplo recusando participar em quaisquer debates eleitorais, poderão custar-lhe uma maioria em Westminster tão confortável como aquela de que presentemente beneficia. E assim, paradoxalmente, umas eleições que foram convocadas para darem suporte a um governo fortalecido e relegitimado eleitoralmente poderão acabar por conduzir a um governo comparativamente mais débil, menos forte e em condição mais desvantajosa para negociar com Bruxelas a saída do Reino da União. No fundo seria, a outra escala, a repetição do acontecido há um ano com a convocação do referendo sobre o Brexit por David Cameron: as previsões saíram furadas, o tiro saiu pela culatra. O eleitorado afirmou, de forma inequívoca, que nem sempre os governantes de turno sabem interpretar o seu sentir. O que sucedeu no referendo do ano passado, poderá vir a repetir-se nas eleições de amanhã. Não seria surpreendente.
Mas logo a seguir às eleições britânicas, teremos no próximo domingo, outro acto eleitoral de extraordinário relevo para a Europa – a primeira volta das eleições legislativas francesas.
Será o primeiro teste verdadeiro à recém-estreada presidência de Emmanuel Macron e, sobretudo, à capacidade que este teve, ou não, para dar um mínimo de forma institucional ao amplo movimento político e de cidadania que há poucas semanas o conduziu ao Eliseu. Macron tornou-se Presidente da República de França mercê de uma improvável conjugação de votos que cortou transversalmente a sociedade francesa, do centro-esquerda ao centro-direita. Beneficiou de muitos votos negativos, sobretudo daqueles que descreram no sistema político-partidário francês – desde os que quiseram recusar Le Pen aos que pretenderam censurar Fillon e penalizar Hollande e os respectivos partidos. O desafio que o novo Presidente tem, agora, pela frente, traduz-se em conseguir que o seu “La République En Marche” fidelize e sustenha uma parte significativa dos votos que ele reuniu. Se o conseguir fazer, nomeadamente se lograr uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, a sua tarefa de governação será significativamente simplificada; se não lograr alcançar este desiderato e tiver de encetar uma política de alianças num parlamento previsivelmente mais fragmentado, com elevada representação da Frente Nacional, com os partidos tradicionais do sistema – republicanos gaullistas e socialistas – debilitados e enfraquecidos e uma extrema-esquerda previsivelmente bem representada, a tarefa da governação começará a complicar-se. Desde logo porque será necessário negociar uma maioria parlamentar que suporte o próprio governo.
A primeira volta destas eleições legislativas, a realizar no próximo domingo, já nos dará um cenário minimamente consistente que permita antecipar o resultado final e a composição definitiva da Assembleia Nacional francesa. A política europeia dos próximos anos vai depender, também, muito daquilo que vier a ser essa composição e das condições de governabilidade de que o Presidente francês venha a dispor.
E para completar a “trilogia” eleitoral teremos de esperar pelo próximo mês de Setembro – quando os alemães forem às urnas para eleger o seu Parlamento donde sairá o seu próximo governo. Decerto – ainda falta muito tempo para esse acto eleitoral. Mas é inquestionável que estas três eleições legislativas nos três (ainda) principais Estados da União Europeia, a par das passadas eleições presidenciais francesas, irão determinar parte significativa da Europa dos tempos próximos. E determinando o futuro da Europa, é o nosso próprio futuro que estará em jogo e em causa. Desengane-se, pois, quem pensar que se tratam de actos eleitorais relativamente aos quais nos poderemos dar ao luxo de sermos alheios ou indiferentes.
Em nenhum deles poderemos votar. Mas é inegável e inquestionável que, todos eles, no seu conjunto, nos afectam, nos dizem respeito e condicionarão e determinarão o nosso futuro.