by João Pedro Simões Dias | Mai 17, 2017 | Diário de Aveiro
Justamente no primeiro dia útil da nova presidência francesa, na passada segunda-feira, enquanto Emmanuel Macron se deslocava a Berlim para a sua primeira cimeira com a chanceler Angela Merkel visando retomar os laços do eixo franco-alemão na UE, o governo espanhol apresentou em Bruxelas um ousado plano visando a reforma da governação da zona euro. Dizem as notícias mais fidedignas que o referido plano terá sido acordado ou consensualizado por ocasião da cimeira dos países do sul da União, que reuniu em Lisboa, no passado mês de janeiro, António Costa, Mariano Rajoy (Espanha), François Hollande (França), Alexis Tsipras (Grécia), Nikos Anastasiades (Chipre), Paolo Gentiloni (Itália) e Joseph Muscat (Malta). Como já na altura se assinalou, o tema dominante desta cimeira foi a reforma da política monetária da UE, o acabamento da união económica e monetária e a introdução de mudanças e de reformas profundas na Zona Euro.
A coincidência da divulgação pública destas medidas por parte do governo espanhol com a deslocação de Macron a Berlim, não foi produto do acaso. Resulta do facto de, entre o texto consensualizado entre Madrid e Lisboa e as posições do novo Presidente francês em matéria de reforma da governação da zona euro existir uma ampla área de sintonia e consenso. Mas também zonas de dissenso e de divergência. Madrid apresentou as suas propostas em Bruxelas; Macron foi levá-las pessoalmente e em mão a Angela Merkel. No fundo, as mensagens, não tendo sido as mesmas, centraram-se ambas em torno da reforma da zona euro.
Entrando, no detalhe das medidas subscritas por Espanha e Portugal e as que são sustentadas pelo novo Presidente francês, como já se referiu, notam-se algumas divergências pontuais. Espanha e Portugal, por exemplo, defendem a criação de um orçamento anti-crise para a zona euro, um seguro de desemprego comunitário, a mutualização da dívida dos países da zona euro através da emissão de eurobonds, a conclusão da união bancária, a reforma do Pacto de Estabilidade retirando-lhe a componente “pro-cíclica” e o reforço da legitimidade democrática do Eurogrupo. Deste conjunto alargado de medidas, Macron já deu sinais de discordar, pelo menos para já, da mutualização das dívidas dos Estados da eurozona através da criação do mecanismo dos eurobonds. É uma discordância assinalável posto que, na proposta formulada por Madrid e que Portugal subscreveu, o mecanismo dos eurobonds constituía elemento fulcral e central.
Da parte do programa defendido pelo Presidente francês, por seu lado, há um elemento original – é defendida a criação de um Parlamento dos Estados da zona euro. E esta proposta parece merecer a discordância e oposição do governo português com base no argumento de que seria impossível de ser concretizada sem uma prévia conferência intergovernamental que procedesse a uma revisão dos tratados actualmente em vigor. Ora, parece defender – e bem! – o governo português que, no presente momento, não existem condições políticas que possibilitem encetar com sucesso um processo de revisão dos tratados comunitários.
Pese embora estas divergências, que se encontram quando analisamos o detalhe das medidas propostas, constatamos que, apesar das divergências mais ou menos pontuais registadas, existe uma ampla zona de convergência e de possível consenso entre as posições que estão a ser, actualmente, sustentadas pelo novo governo francês e, pelo menos, por Espanha e Portugal. Significa isto que começam a ser criadas condições mínimas para, finalmente, ser encarada de frente a questão do acabamento da estrutura institucional e de governação da zona euro – cuja falta tanto se fez sentir nos dias mais pesados da última grande crise que atingiu a zona euro.
Decerto – neste continente em busca desesperada pelo seu norte e que parece condenado a adiar as suas decisões sempre à espera da realização do próximo ato eleitoral, dificilmente serão tomadas medidas ou decisões concretas antes das próximas eleições legislativas alemãs marcadas para o próximo mês de setembro. Apesar dessa pausa forçada, e com a consciência de que antes de setembro pouco ou nada de relevante acontecerá na União Europeia, pelo menos de previsível, nada impede que determinados caminhos se comecem a trilhar e a caminhar. O da reforma da governação da zona euro e do seu acabamento será, sem dúvida, um desses caminhos.
Se, nesse debate, conseguirmos encontrar Portugal no pelotão da frente da discussão que terá de ser travada – ainda que integrado no grupo dos países ditos do Sul que regularmente se têm vindo a reunir em cimeiras regulares, no quadro das quais, por exemplo, poderão vira a ser articuladas as posições de França, Espanha, Portugal, Itália e restantes Estados-membros – só poderemos ter razões para nos congratular e felicitar.
by João Pedro Simões Dias | Jul 8, 2014 | Diário de Aveiro
Quando, no passado dia 1, a Itália assumiu a presidência rotativa e turno do Conselho da União Europeia, era grande a expectativa que se erigia em torno do seu novo Primeiro-Ministro, o democrata (socialista) Matteo Renzi, o mais novo Primeiro-Ministro Italiano de sempre que, cansado de governar apenas a sua cidade de Florença, se abalançou a conquistar a liderança do Partido Democrático e, consequentemente, apear o também democrata Enrico Letta da chefia do governo de Roma.
Face à inexperiência em matéria de política europeia do chefe do governo romano, os receios eram muitos, as dúvidas não eram menores e, portanto, a expectativa dir-se-ia imensa. Expectativa que, apenas uns quantos – poucos – acreditavam que se poderia volver em oportunidade. Ademais, Renzi, talvez um tanto ou quanto injustamente, acabava por sofrer da “síndrome Hollande”: talvez o socialista europeu que mais esperanças concitou nos últimos anos mas cuja errância e descalabro na condução da política (interna e externa) francesa o arrastou para as ruas da amargura, a ele e ao seu partido, como os eleitores fizeram questão de afirmar, sem dó nem piedade, nas últimas eleições autárquicas e, sobretudo, nas últimas eleições para o Parlamento Europeu. Face a Renzi, as expectativas não ousaram subir tão alto como subiram com Hollande. A prudência, quase sempre, é boa conselheira, e um erro cometido duas vezes não poderia continuar a ser qualificado como um simples erro. E por isso, a começar nos próprios socialistas europeus, Renzi foi olhado com reserva, com uma certa esperança secreta mas quase nunca verbalizada.
O certo é que bastaram dois discursos para tudo mudar, para a força da palavra se impor e o novo Primeiro-Ministro italiano ir buscar créditos onde menos se esperava e conseguir gerar um sentimento generalizado de, no mínimo, elevadas e positivas expectativas.
Os dois discursos em causa aconteceram, primeiro, em Roma, ante o Parlamento italiano quando Renzi apresentou as grandes linhas gerais a que pensava submeter o seu mandato semestral à frente do Conselho da União Europeia; e, depois, em Estrasburgo, ante o plenário do Parlamento Europeu, quando os novos eurodeputados recentemente eleitos iniciaram a nova legislatura europeia discutindo as prioridades da nova presidência do Conselho. Ambos os discursos foram complementares e constituíram uma lufada de ar fresco no cinzentismo eurocrático que têm vindo a pairar sobre o céu europeu.
Desde logo e em primeiro lugar, Renzi ousou assumir o que nas mais recentes décadas muitos líderes europeus pareceram ter esquecido – “o grande desafio do semestre será não apenas agendar medidas e encontros, mas reencontrar a alma da Europa e o sentido de estarmos juntos. […] Há uma identidade a reencontrar.” De forma clara, explícita e assumida, há aqui um verdadeiro apelo a um regresso aos valores, aos princípios, a tudo o que determinou e esteve na origem fundacional do atual projecto europeu. A União Europeia não se pode reduzir a um redil despersonalizado de números, estatísticas e burocracias. Tem de ir mais longe e conquistar a alma dos europeus. Respeitando a sua diversidade mas identificando a sua identidade. É um discurso novo que se escuta, com a particularidade de coincidir com o momento em que, tudo indica, Jean-Claude Juncker – o democrata-cristão sobrante da era de Kohl e Mitterrand, que alguns consideram como o mais socialista dos democratas-cristãos europeus pela sua sensibilidade à dimensão social da ideia europeia – acederá à presidência da Comissão Europeia.
Mas Renzi foi mais longe e disse mais. Sem estender a mão, apontou o dedo a Berlim e a Haia – a Merkel mas também ao seu correligionário socialista Jeroen Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo, os arautos e os rostos mais visíveis das políticas austeritárias e ortodoxas europeias de reacção à crise – para assumir que “sem crescimento a Europa morre”. E que crescimento económico não tem de significar falta de rigor orçamental. Curiosamente – ou talvez não – foi da liderança parlamentar do PPE que se ouviram as principais críticas ao modelo de desenvolvimento apresentado por Renzi. O alemão Manfred Weber, novo líder da bancada do PPE (mas que, como qualquer eurodeputado alemão, antes de ser de qualquer partido é…. alemão), criticou fortemente Renzi, a propósito da “flexibilidade” orçamental. Foi a oportunidade para recordar que a Alemanha conseguiu transformar-se na potência económica que é hoje, precisamente à custa da violação das regras previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, tendo sido objecto de processo de incumprimento por défice excessivo que a anterior Comissão Europeia resolveu arquivar. Ou seja, foi com base na violação das regras orçamentais da União, que a Alemanha se guindou à posição de supremacia económica de que hoje beneficia. E Renzi relembrou-o e recordou-o. O que não é frequente no Parlamento Europeu.
Em suma, os tempos próximos merecem que se dedique uma atenção cuidada à prestação do novo Primeiro-Ministro italiano. Matteo Renzi pode vir a ser aquela voz que faltava aos socialistas europeus (que o francês Hollande defraudou e o alemão Schulz nunca conseguiu ser) para credibilizar a sua visão europeia e o seu próprio projeto europeu. Se assim for, serão boas notícias para o futuro próximo da União Europeia.
by João Pedro Simões Dias | Jul 1, 2014 | Diário de Aveiro
Finalmente o Conselho Europeu da passada sexta-feira, com a expressa oposição dos Primeiros-Ministros do Reino Unido e da Hungria – David Cameron e Viktor Orban – designou um candidato à presidência da Comissão Europeia. A escolha, óbvia a partir do momento em que Merkel deu sinais de recuar nas suas objecções, recaiu em Jean-Claude Juncker, o candidato que o Partido Popular Europeu apresentou às últimas eleições para o Parlamento Europeu. Agora resta ao incumbente congregar os necessários 376 votos necessários da Assembleia europeia. Uma Assembleia onde o Partido Popular Europeu dispõe de 221 deputados, o Partido Socialista Europeu de 191, os Conservadores e Reformistas Europeus de 70 e os Liberais de 67 deputados. Haverá, assim e por definição, de assistir a uma negociação que, tudo indica, acabará por assentar nos dois principais grupos políticos europeus – democratas-cristãos e socialistas europeus.
Ministro das finanças do pequeno Grão-Ducado do Luxemburgo desde 1989, cargo que acumulou desde 1995 e até ao fim de 2013 com o de Primeiro-Ministro do principado; oito anos Presidente do Eurogrupo e várias vezes Presidente de turno do Conselho Europeu, dispõe de uma experiência e de um conhecimento tanto da máquina administrativa e burocrática da UE como das questões europeias como poucos; não por acaso é visto como o rosto sobrante dos últimos estadistas europeus, beneficiando da experiência e do convívio com a geração que o precede – a geração de Mitterrand, de Delors ou de Helmut Kohl. com a presidência do Eurogrupo (os ministros das finanças do euro). Não por acaso é igualmente tido como o mais socialista dos democratas-cristãos europeus, sobretudo pelas críticas tecidas à deriva liberalizante da economia europeia como, sobretudo, pela sua persistente atenção e sensibilidade para as causas sociais e a dimensão social do próprio projeto europeu.
Numa altura em que ainda é prematuro fazer um balanço dos dez anos de Durão Barroso à frente do executivo comunitário, uma certeza se poderá ter quase por adquirida – uma “Comissão Juncker” será, seguramente, muito distinta de qualquer uma das Comissões lideradas por Durão Barroso. Daí, de resto, os bem disfarçados receios de Angela Merkel e os muito mal disfarçados receios de David Cameron relativamente à indigitação de Jean-Claude Juncker. Olhando para o seu percurso e para a sua linha de atuação em matéria europeia, ninguém duvidará – ou poucos ousarão duvidar – que Jean-Claude Juncker irá apostar fortemente na revalorização do papel da Comissão Europeia, na sua recolocação no centro do processo europeu de decisão, na recuperação de uma parte significativa do protagonismo e da influência que a Comissão Europeia já teve e que, nos últimos anos, perdeu claramente em benefício do Conselho Europeu. Dir-se-á, dirão alguns e Cameron enfatizou o facto, que se trata de um programa de cariz federal. Será, seguramente, um programa não intergovernamental que poderá aprofundar a integração política da União – todo o contrário dum rumo e dum caminho percorridos ao longo dos últimos anos.
Erroneamente têm, alguns, dedicado parte significativa do seu tempo a realizarem uma espécie de contabilidade, de “deve” e “haver”, sobre o que pode Portugal ganhar ou perder com uma possível liderança de Jean-Claude Juncker à frente da Comissão Europeia. É matéria em que não entramos por demasiado despropositada. Nem é tarefa dum Presidente da Comissão Europeia beneficiar particularmente algum dos Estados-Membros da União – e temos aí o exemplo de Durão Barroso a atestar e comprovar o que afirmamos – como, mais importante do que isso, será sua missão e tarefa evitar que prossiga e continue uma marcha que parece irreversível no caminho do diretório das grandes potências, reequilibrando os poderes no quadro da União e restabelecendo a normalidade prevista e consagrada nos tratados mas que a prática recente tem pervertido quase em absoluto.
Oriundo dum pequeno Estado-membro da União, dum verdadeiro micro-Estado mas que foi um Estado fundador do projeto europeu, com a experiência que possui dos assuntos europeus, do funcionamento da eurocracia e o conhecimento adquirido dos principais dossiers em discussão, a presidência de Jean-Claude Juncker tem, à partida, todas as condições para alcançar o que dela se espera: recolocar a Comissão Europeia no centro do processo europeu de decisão, diminuir a deriva intergovernamental promovida pela Alemanha após a assinatura do Tratado de Lisboa, reduzir a caminho para o diretório, completar a união económica e monetária e contribuir para o aprofundamento político da União. Se conseguir cumprir esta agenda, sem esquecer a necessária dimensão social europeia, terá reunidas as condições para uma liderança de sucesso do próximo executivo comunitário. É o mínimo que se lhe pode exigir e o máximo que poderá fazer pelo renascimento do projeto europeu.
by João Pedro Simões Dias | Abr 8, 2014 | Diário de Aveiro
Não chegasse ao Presidente francês, François Hollande, ter de se defrontar com a grave crise política resultante das últimas eleições autárquicas – que levou, inclusivamente, à remodelação governamental e à substituição de Jean-Marc Ayrault por Manuel Valls como Primeiro-Ministro – onde os socialistas franceses quase foram varridos do mapa autárquico gaulês nas cidades que verdadeiramente contam (com excepção de Paris) e a extrema-direita alcançou resultados nunca antes alcançados, os mais recentes dados conhecidos da economia francesa fizeram, igualmente, soar as campainhas de alarme tanto em Paris como em Bruxelas. Com a economia a crescer 0,3% no último trimestre, mas com o desemprego acima dos 11% e o buraco fiscal por resolver, o défice de 2013 foi de 4,3% do PIB, dois pontos acima da meta decidida por Bruxelas. E segundo as previsões da Comissão Europeia, se nada for feito, a diferença será ainda maior no final deste ano. Face a este cenário macroeconómico, o Presidente francês terá solicitado mais tempo a Bruxelas para cumprir as metas do défice público – mas tanto Olli Rehn, o liberal finlandês vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelas questões económicas, como Jeroen Dijsselbloem, o socialista holandês presidente do Eurogrupo, terão recusado liminarmente o pedido de Hollande, recordando que já tinham sido oferecidos à França dois anos para estancar o buraco fiscal e que o que agora faltava eram medidas efectivas para acelerar as reformas estruturais de que o país necessita. Em linguagem simples: enveredar pela adopção de políticas austeritárias, à semelhança das que já estão a ser impostas aos “relapsos incumpridores” do sul da Europa.
Pessoalmente, há muito tempo que sustento que essa política austeritária que os grandes da Europa e as próprias instituições europeias têm imposto aos Estados em dificuldade do Sul da Europa só mudará no dia em que essas mesmas grandes economias da Europa começarem a “provar do seu próprio veneno”, tendo de enveredar por políticas igualmente austeritárias e recessivas. Porque não creio ser possível existirem ilhas de progresso em oceanos de pobreza, ou algumas poucas economias europeias pujantes numa Europa em crise ou recessão económica e social, acredito que nesse dia o apelo aos valores europeus, da solidariedade, da partilha, da coesão, falem mais alto, se façam ouvir e se traduzam na adopção de medidas concretas que dêem forma e corpo a esses princípios. No fundo – quando a política voltar a prevalecer sobre a economia, os valores e os princípios voltarem a sobrepor-se às folhas de excel. Quando a Europa, e sobretudo a da União, voltar a ter líderes e lideranças do jaez das que já conheceu e que lhe abriu as portas do sonho, da ousadia, da própria utopia.
Mas para isso acontecer será inevitável que, antes, os ditos grandes tenham de sofrer na pele um pouco do que tem sido imposto – do que têm imposto e ajudado a impor – a muitos outros Estados e povos europeus. Note-se: sem que isso signifique laxismo nas contas públicas, défices orçamentais ou aumentos exponenciais de dívida pública, mas também sem uma obediência cega à teologia dos mercados e à ditadura das finanças e dos orçamentos, antes buscando uma sábia e prudente combinação de políticas que reúnam princípios e critérios de rigor e exigência com adequadas doses de estímulo ao crescimento económico e, sobretudo, de combate a esse flagelo social constituído pelo exército de desempregados que rouba a esperança a mais de 25 milhões de europeus. Sempre tendo presente que o Estado existe para as pessoas e não são estas que devem estar ao serviço do Estado. A França parece ser a primeira grande economia europeia a ter de se defrontar com esse problema.
Nessa medida, por paradoxal que possa parecer, ver um grande Estado europeu e uma grande economia europeia a atravessarem algumas dificuldades pode não ser, necessariamente, uma má notícia para a Europa. Mais: se tiver de ser o preço a pagar para a Europa da União e as suas instituições reverem práticas, políticas, objectivo e metas poderá ser, mesmo, o dia de vésperas de melhores dias para este velho continente, matriz dum ocidente sem bússola, sem valores, sem rumo.
by João Pedro Simões Dias | Jan 6, 2014 | Diário de Aveiro
Terminado o ano de 2013, aqui se deixa a respectiva revista europeia (de A a Z) para efeitos de memória futura e com tudo o que de subjetivo e aleatório pode envolver uma escolha e um exercício desta natureza:
Alemanha – O gigante económico da Europa da União fortaleceu, a cada dia que passou, o seu poder político. Voluntária ou involuntariamente, é a um verdadeiro processo de germanização da Europa que assistimos, mais do que a um processo de europeização da Alemanha – enquanto os seus Estados parceiros oscilam entre o medo do fortalecimento desse poder e o receio de perderem o apoio que a Alemanha lhes pode dispensar. Contradição que 2013 não contribuiu em nada para resolver. Bem pelo contrário.
Barroso (José Manuel Durão) – Depois de um início de segundo mandato à frente da Comissão Europeia em que foi completamente ultrapassado pela lógica intergovernamental imposta pela Alemanha à União Europeia, recuperou algum protagonismo directamente proporcional à aproximação do fim do seu mandato. Se o sonho comanda a vida, o sonho de um inédito terceiro mandato pareceu comandar a sua actuação. Pode ter despertado tarde da sua letargia.
Chipre – Chipre constituiu o exemplo mais traumático de resgates efectuados pela troika, neste caso devido a grave crise do sector financeiro e bancário da ilha. Não pelo valor do empréstimo concedido mas pelas condicionantes impostas pelos credores, que obrigaram depositantes nos bancos a suportarem parte dos custos da respectiva recapitalização. Pela primeira vez na história da UE ultrapassou-se uma linha vermelha e abriu-se um precedente perigoso – os depósitos bancários passaram a poder ser confiscados para contribuir para pagar erros de gestão bancária. O Parlamento de Nicósia ainda ensaiou opor-se à medida, mas a força da realidade acabou por se impor.
Dijsselbloem (Jeroen) – O socialista holandês que sucedeu a Junker na presidência do Eurogrupo e que, não raro, se tem mostrado mais ortodoxo que os ortodoxos alemães em decisões concretas que têm sido tomadas – de que, talvez, o mecanismo de gestão de falências bancárias seja o exemplo mais acabado.
Eslovénia – A Eslovénia posiciona-se como um dos mais sérios candidatos a receber novo auxílio financeiro das instituições europeias quando, na sequência dos resultados dos testes de ‘stress’ supervisionados pela UE, se constata que as necessidades de recapitalização da banca do país ascende a 4,8MM€, até junho de 2014.
Federalismo – Por oposição ao trilho intergovernamental constitucionalizado com o Tratado de Lisboa, é cada vez mais o caminho alternativo que parece poder tirar a União da letargia para onde foi encaminhada. Durante muito tempo constituiu a palavra maldita e o conceito tabu do projecto europeu. Tão só porque ousaram equipará-lo a outros modelos federais existentes. Também aqui a UE deverá inovar – e optando por uma via federal será seguramente uma via original e não duplicada de qualquer outra existente. Terá como componente o necessário reforço das instituições comuns, a respectiva relegitimação democrática, a recusa do modelo do diretório, a afirmação da via supranacional e o respeito pelo princípio da subsidiariedade. Em 2013 prefigurou-se, sem complexos, como um dos (poucos) caminhos possíveis a seguir para se ultrapassar a crise que vivemos.
Grécia – Continuou a ser o país-problema da União Europeia. Com dois resgates e a caminho dum terceiro, cortes de dívida a credores particulares e enorme agitação social cabe-lhe entrar em 2014 a presidir ao Conselho da União – com a responsabilidade de demonstrar que um Estado pode estar em estado de emergência financeira sem que isso signifique que abdica das suas funções políticas no quadro da União.
Hollande (François) – Iniciou o seu mandato como a grande esperança da esquerda europeia contra o austeritarismo ortodoxo germânico e em nome das políticas de crescimento económico, como caminho que a própria Europa devia seguir; encerra 2013 com a França sujeita à mais elevada carga de austeridade fiscal da V República e os índices de popularidade mais baixos de qualquer chefe de Estado francês desde que há registos e medições dos mesmos. Pior saldo do ano – potencía o crescimento eleitoral da Frente Nacional de Marine Le Pen a patamares nunca antes vistos nem alcançados pela extrema-direita gaulesa.
Irlanda – Termina 2013 anunciando que, finalizado o seu resgate, quer ver-se livre da troika e das instituições europeias com uma “saída limpa”, sem depender dos humores dos burocratas de Bruxelas, sem segundo resgate ou, sequer, sem essa incógnita chamada programa cautelar. Decerto – os juros a dez anos na ordem dos 3%, uma almofada financeira de cerca de 25MM€ e as necessidades de financiamento garantidas até meados de 2015 ajudaram a tomar uma atitude que objectivamente espantou quase tudo e quase todos.
Junker (Jean-Claude) – O democrata-cristão decano dos líderes europeus, talvez o mais europeísta de todos eles, resto sobrante da geração de Kohl e Mitterrand, deixou de ser Presidente do Eurogrupo e Primeiro Ministro do Luxemburgo (apesar de aqui ter ganho as eleições legislativas, ainda que só com maioria relativa). Paradoxalmente, pode ser a oportunidade para um 2014 mais risonho, com a Presidência da Comissão Europeia ou a Presidência do Conselho Europeu.
Kenny (Enda) – O Taioseach (Primeiro-Ministro) irlandês viu-se catapultado para as luzes da ribalta europeia quando o plano de ajustamento que negociou e conseguiu impor à troika terminou com uma “saída limpa”, sem necessidade de qualquer programa cautelar. Com discrição mas firmeza, sem subserviências nem seguidismos provincianos, liderou um país sob resgate com prudência e bom-senso. Os resultados viram-se. Declarou prescindir de novos apoios internacionais e granjeou reputação e credibilidade suficiente para ser encarado como uma das mais fortes possibilidades para vir a suceder a Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. Resta saber se o desejará.
Letta (Enrico) – O democrata-cristão, membro do Partido Democrático de centro-esquerda, salta para a primeira linha da política europeia ao conseguir formar governo em Itália, baseado numa coligação instável com o Povo da Liberdade de Silvio Berlusconi. Teve o difícil encargo de suceder a Mario Monti, o eurocrata que liderou o governo de Roma entre Novembro de 2011 e Abril de 2013 restituindo-lhe a credibilidade perdida sob a liderança de Berlusconi. Apostou inequivocamente na via europeia para rumo dos primeiros meses da sua governação.
Merkel (Angela) – A chanceler alemã, que traiu Helmut Kohl e desonrou o seu legado europeísta, foi uma das grandes vencedoras de 2013. A sua política ortodoxa e austeritária face ao sul da Europa em provação e de germanização da UE foi amplamente sufragada pelos seus concidadãos em eleições internas. Cada vez mais governa mais a Europa sendo escolhida apenas pelos alemães. Nem a mudança de parceiro político lhe alterou os hábitos ou fez mudar o rumo. Nos sociais-democratas do SPD encontrou aliados para a sustentação de uma política europeia que ainda acredita que podem existir ilhas de prosperidade em mares de desesperança. Quando a desesperança der à costa da ilha germânica, o rumo será alterado. Até lá, vai mandando. Bruxelas e as demais capitais europeias vão obedecendo.
NATO – Ainda não foi em 2013 que a organização de defesa militar do ocidente logrou alcançar um nível de articulação satisfatório com a União Europeia em matérias de segurança e defesa. É um daqueles casos em que a responsabilidade não pode ser assacada à organização transatlântica. Se o pilar europeu da aliança não se mostra suficientemente sensibilizado para o tema nem se consegue articular e coordenar satisfatoriamente entre si, dificilmente a União que formam se pode entender com a organização de defesa que, paradoxalmente, quase todos integram.
Orban (Viktor) – A Hungria, liderada pelo Primeiro-Ministro Viktor Órban, conseguiu saldar a dívida de 20MM€ que tinha para com o Fundo Monetário Internacional desde 2008, sete meses antes do prazo previsto. Com uma liderança frequentemente criticada pelas suas opções conservadoras, o Governo de Órban considerou que a Hungria vai conseguir financiar-se nos mercados financeiros internacionais depois do que chamou “uma luta pela liberdade de atuação do país”.
Portugal – Exemplo acabado e consumado das políticas erráticas concebidas e impostas pela troika, inicialmente acolhidas com entusiasmo por parte do governo, entusiasmo que se foi perdendo à medida que o tempo foi passando. Quem se der ao trabalho de comparar os números previstos para final de 2013 no memorando de entendimento original e aqueles que, de facto, se atingiram (em termos de défice, dívida pública e desemprego, por exemplo) tem a noção clara da errância das referidas políticas austeritárias.
Quadro financeiro 2014-2020 – O Conselho e o Parlamento Europeu puseram-se de acordo relativamente ao quadro financeiro plurianual da UE. Denotou ambição pouca e ousadia nenhuma. Com orçamentos que continuam a ser inferiores a 1% do PIB comunitário não é possível ousar sonhar qualquer aprofundamento das políticas comuns. Enquanto a UE não se dotar de meios financeiros suficientemente capazes, as suas capacidades de intervenção estão limitadas e definitivamente cerceadas.
Rompuy (Herman Van) – O Presidente permanente do Conselho Europeu pareceu ganhar algum protagonismo à medida que a crise por que passou a UE em 2013 foi abrandando e foram surgindo ligeiros sinais de retoma económica. Pese embora esse facto, continuou por se perceber a utilidade do cargo e da função. E se o hábito não faz o monge, neste caso o monge não fez nem justificou uma função que veio, inequivocamente, introduzir um elemento de confusão na estabilidade institucional da União Europeia. Terminará o seu segundo mandato em 2014.
Secessionismos e Separatismos – Constituem o pior legado que 2013 deixa a 2014: a marcação de referendos independentistas e separatistas em 2014 para a Escócia e para a Catalunha podem obrigar a União Europeia a defrontar-se com um problema novo em mais de 60 anos de projecto europeu – o da integridade territorial dos seus Estados-membros, que é como quem diz, da sua própria integridade territorial. Mais grave que isso, os referendos prometidos, a realizarem-se, podem constituir precedente sério para outras aspirações independentistas que se encontram apenas adormecidas.
Troika – Os coordenadores dos principais grupos políticos na Comissão Económica e de Assuntos Monetários do Parlamento Europeu e, posteriormente, a própria eurocâmara, decidem lançar um processo de inquérito à actuação da troika nos planos de resgate lançados nos últimos três anos. A investigação pretende apurar, ainda, a “legitimação democrática das decisões tomadas” pela troika nesses processos.
Ucrânia – Não pertencendo à União, foi o palco onde se travou a última disputa entre a UE e a Rússia sobre as respectivas esferas de influência. Contra a vontade de milhares que se manifestaram nas ruas, o governo de Kiev deu sinais de tombar para o lado de Moscovo, recusando associar-se à parceria com Bruxelas. Território de fronteira e zona de influência ambicionada tanto pela Rússia como pela União Europeia, protagonizou o reavivar dos tempos da guerra-fria, onde a influência em cada palmo de terreno geoestratégico era disputada ao milímetro. Estando fora da União, por paradoxal que pareça, a Ucrânia pode vir a determinar muito do sucesso ou insucesso da sempre anunciada e nunca concretizada política externa e de segurança comum.
Vilnius – Foi na capital da Lituânia que ocorreu um dos maiores desaires da UE em matéria de política exterior comum no ano de 2013. A Cimeira da Parceria Oriental da UE com a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia, a Bielorrússia, a Arménia e o Azerbaijão ficou marcada pelo desacordo entre a Ucrânia – pressionada por Moscovo para não assinar qualquer acordo com a União – e a UE. Ao não assinar o acordo que marcaria a aproximação ucraniana à UE os resultados da Cimeira restringiram-se à assinatura duma primeira versão de acordo com a Geórgia e a Moldávia e um acordo de facilitação de vistos com o Azerbaijão. Foi pouco.
Xavier (Bettel) – O Presidente da Câmara da Cidade do Luxemburgo tornou-se o improvável Primeiro-Ministro do Grã-Ducado, após a realização de eleições legislativas em que Jean-Claude Juncker, apesar de liderar o partido mais votado, não logra alcançar a maioria absoluta, deixando o poder nas mãos de uma coligação governamental formada pelo Partido Democrático, o Partido Operário Socialista e Os Verdes.
Yousafzai (Malala) – Jovem paquistanesa de 16 anos que, baleada na cabeça pelos talibãs quando regressava da escola, recebeu o “Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Consciência” perante o plenário da eurocâmara de Estrasburgo, apelando de forma vigorosa ao direito das crianças à educação.
Wharton (James) – Deputado conservador britânico, autor de um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Comuns – numa sessão em que a oposição trabalhista apenas participou no debate e esteve ausente da votação – destinado à realização de um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE em 2017.
Zagreb – Foi nas ruas de Zagreb que os croatas assinalaram, em clima de festa, a 1 de Julho de 2013, a adesão do seu país à União que, assim, se tornou o 28º Estado-Membro da UE, numa altura em que esta atravessa a sua mais profunda crise desde a origem do projeto europeu.