by João Pedro Simões Dias | Abr 26, 2017 | Diário de Aveiro
As eleições presidenciais do passado domingo, em França, foram, a vários títulos, umas eleições atípicas e “anormais”. Desde logo, e contrariamente ao sucedido em recentes actos eleitorais, a generalidade das sondagens e estudos de opinião acertaram em cheio nos resultados que se registaram no momento da contagem dos votos. Tem sido um dado raro e, por isso, merece relevo e realce. Claro – como se verificou um acerto, isso não constituiu notícia.
Por outro lado, se atentarmos aos resultados eleitorais comparados, há dois elementos que não podem deixar de ser realçados.
O primeiro, tem a ver com o facto de o Partido Socialista francês e o seu candidato Benoît Hamon terem tido o pior resultado eleitoral desde o longínquo ano de 1969. Nunca, desde então, o score eleitoral dos socialistas franceses desceu tão baixo como no passado domingo. Várias causas poderão justificar este verdadeiro desaire. Desde logo, o mandato desastroso de François Hollande. Aquele que, há tão-só cinco anos, era visto como o farol de esperança do socialismo democrático europeu, devido a uma série infindável de errâncias que marcaram o seu mandato, volveu-se em coveiro do Partido Socialista francês. Não se submeteu ao sufrágio presidencial, remetendo para a fogueira do eleitorado um impreparado Benoît Hamon que, jogando “à esquerda”, esbanjou o centro outrora protagonizado pela, agora, maldita “terceira via” – que um dia Tony Blair fundou e que constituiu o último momento que conferiu efetivo poder na Europa ao socialismo democrático. Hamon ficará, para a história, como o protagonista de um estertor desse mesmo socialismo democrático em França – o que, objetivamente, é um péssimo serviço prestado a esse mesmo socialismo democrático europeu.
O segundo elemento prende-se com o facto de, pela primeira vez desde 1958, data em que se fundou a atual V República francesa, a direita tradicional e gaullista não ter um candidato na segunda volta das eleições presidenciais. François Fillon, o mais bem posicionado há escassos meses, coberto por um labéu de corrupção, não resistiu a uma série de escândalos em cadeia que afetou a sua credibilidade e até a sua honorabilidade. O eleitorado que conseguiu segurar, apesar de tudo, na casa dos 20%, foi insuficiente para lhe garantir uma presença na segunda volta presidencial.
Com este cenário, a segunda volta das presidenciais, dentro de duas semanas, jogar-se-á entre dois candidatos “atípicos” mas prováveis.
De um lado, o independente centrista e europeísta Emmanuel Macron, o candidato que, sem partido, que há cerca de um ano fundou o seu movimento “En marche” e logrou ser o mais votado na primeira volta e parte para a segunda volta “confortado” com uma pluralidade de apoios que atravessa transversalmente todo o campo democrático francês, da esquerda democrática à direita democrática. Muito deste voto e muitos destes apoios são, manifestamente, votos contra Marine Le Pen. No momento da verdade, porém, não deixarão de somar para Macron.
Do outro lado – Marine Le Pen. A candidata da extrema-direita nacionalista que, pasme-se!, lidera o maior partido político francês nesta altura. É, nessa medida, uma vítima do sistema político-eleitoral gaulês. A consagração do sistema maioritário a duas voltas não lhe dá mais de 2 (!) deputados entre o 577 que compõem a Assembleia Nacional francesa – apesar de ser, neste momento, o partido político mais votado em França.
Significa isto que o próximo Presidente da República francês irá ter de trabalhar sem um partido que o suporte e que apoie explicitamente o governo que terá de apresentar à Assembleia Nacional. É uma rutura com os fundamentos e as bases constitucionais da V República. Não nos esqueçamos que quando o General de Gaulle fundou a V República francesa, nos idos de 1958, um dos pressupostos subjacente ao sistema político que a Constituição de 4 de outubro desse ano consagrou era o de que o Presidente da República e Chefe de Estado, eleito diretamente pelos cidadãos, seria uma espécie de chefe de fila ou líder de facto do partido ou movimento político que fosse maioritário na Assembleia Nacional de Paris. Enquanto líder de facto dessa maioria, designaria o seu Primeiro-Ministro o qual, depois de obtida a confiança presidencial, deveria ser confirmado pelo Parlamento. Esta estreita ligação que se estabelecia entre o Presidente, o seu Governo e a Assembleia Nacional eram, por assim dizer, a garantia da estabilidade e do funcionamento do sistema político gaulês. Quando, com Mitterrand, pela primeira vez, a sintonia foi quebrada, assistimos ao nascimento dos primeiros governos de coabitação, caracterizados, basicamente, por uma desconformidade entre as maiorias presidencial e parlamentar – com esta a impor os seus governos ao titular do Eliseu.
Mesmo essa anormalidade, porém, parece ultrapassada. Os novos tempos que se anunciam prenunciam novos e mais difíceis desafios lançados à Constituição da V República. Esta irá ser levada aos seus limites e testada como até agora nunca o foi. E pode acontecer que, quando nos apercebermos, estejamos a ser confrontados com o caminho para uma nova Constituição que funde uma nova República. Talvez já tenha faltado mais tempo.
by João Pedro Simões Dias | Abr 12, 2017 | Jornal Económico
Foi há dois dias que, em Madrid, reuniram pela terceira vez em cimeira, os Estados do sul mediterrânico – a Espanha, França, Itália, Portugal, Grécia, Chipre e Malta. Disseram algumas coisas óbvias, outras quantas banalidades mas deram sinais de, de uma forma informal e não estruturada (ao contrário, por exemplo, do que acontece com os Estados do Grupo de Visegrado), estarem na disposição de buscarem os consenso possíveis para enfrentarem os desafios que se vão colocar à Europa durante a fase de negociação do Brexit e, sobretudo, após a concretização da saída do Reino Unido. Foi a primeira vez que este grupo se reuniu, como foi assinalado, depois da declaração de Roma que assinalou os 60 anos do Tratado de Roma e depois de o Reino Unido ter accionado formalmente o artigo 50º do Tratado de Lisboa. Foi, ao mesmo tempo, o momento adequado para ser consensualizada uma posição comum face à próxima cimeira de finais de abril, em Bruxelas, do Conselho Europeu.
Ainda sobre as conclusões desta III Cimeira do Sul europeu, um aspeto se destaca, a meu ver, de todos os restantes – pela sua importância prática, pela sua relevância humanitária e pelo seu impacto na atual (des)ordem internacional. Refiro-me à política de vistos, que foi decidido pelos sete de Madrid que deverá continuar a ser uma política e uma competência comunitária. A pressão das migrações e dos refugiados conferem, a esta decisão, uma importância enorme. Mas faz recair também, sobre as estruturas decisórias e a máquina administrativa da União um repto e um desafio sem igual – o de conseguir montar e manter em funcionamento eficaz um serviço adequado a dar uma resposta em tempo útil aos pedidos e à pressão de que vier a ser alvo. Mas isso será todo o contrário do que, até agora, tem acontecido e sucedido.
E a importância desta cimeira pode, ainda, ser aferida por dois outros dados de relevo: em primeiro lugar o facto de, estes sete Estados que reuniram em Madrid, quando articulados, poderem formar, a qualquer momento, uma minoria de bloqueio que impede qualquer tomada de deliberação ordinária em sede de Conselho da União; em segundo lugar, a sua heterogeneidade. Ao lado de três das maiores economias da União (França, Itália e Espanha), tomam assento na mesma três dos Estados resgatados na sequência da crise das dívidas soberana (Grécia, Portugal e Chipre). Ou seja, seria difícil encontrar composição mais heterogénea para um grupo de Estados que voluntariamente se deseja articular e consensualizar posições no quadro europeu. Isto porque, seguramente, independentemente das diferenças económicas que intercedem entre eles, o facto de serem Estados do “mal-amado” sul europeu, são Estados que comungam de muitas especificidades comuns, que partilham muitos problemas e desafios em comum e que encontram nessas dificuldades que se lhes deparam uma boa base de partida para entendimentos futuros. Sobretudo num tempo em que, todos os indícios apontam para tal, a discussão do Livro Branco sobre o futuro da União, da responsabilidade da Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker, acabará para apontar para um cenário de desenvolvimento futuro da União em torno de vários círculos ou a várias velocidades. No fundo, um cenário em que os 27 sobrantes não participarão, todos, nas mesmas e das mesmas políticas comuns, podendo escolher, de entre as existentes, quais aquelas em que pretendem participar e quais aquelas matérias onde pretendem reservar para a sua competência nacional o poder e a decisão final. Um pouco, afinal, à imagem e semelhança do que já acontece hoje em dia com, por exemplo, a União Económica e Monetária e o espaço Schengen.
Numa altura em que nada parece impedir que as velocidades diferentes para que aponta o futuro da integração do projeto europeu tenha na sua génese um critério geográfico – e em que outros parece já o terem compreendido e parecem apostados nisso mesmo, e teremos de voltar sempre ao caso do Grupo de Visegrado – articular e consensualizar posições e interesses entre estes sete Estados reunidos em Madrid pode não constituir o método ideal de contribuir para a o futuro da integração europeia. Mas como, frequentemente, o ótimo é inimigo do bom, pode ser a melhor forma possível destes Estados darem o seu contributo para esse mesmo futuro.
by João Pedro Simões Dias | Nov 9, 2016 | Diário de Aveiro
Durante os pretéritos cinco anos, dois jornalistas franceses – Gérard Davet e Fabrice Lhomme – acompanharam quase diariamente a atividade do Presidente francês, François Hollande, e foram recolhendo as mais diversas opiniões, análises, desabafos e confissões que Hollande com eles ia partilhando sobre o exercício da sua função presidencial, com vista a, futuramente, virem a publicar um livro que ilustrasse, fundamentalmente, os bastidores e o lado menos conhecido do Palácio do Eliseu e do pensamento do seu pequeno ocupante. Com o aproximar do fim do mandato presidencial – em Abril do próximo ano – o livro foi dado à estampa e saiu agora ao público com o sugestivo título “Um Presidente não deveria dizer isto…” (“Un Président ne devrait pas dire ça…”). É pacífico, entre os observadores atentos à realidade política francesa, que a publicação deste livro neste momento preciso – em que a sondagens dão uma taxa de aprovação de François Hollande a rondar os 4% e há a firme convicção que as próximas eleições presidenciais se disputarão “à direita”, entre Marine Le Pen que parece ter um lugar garantido, e outro candidato gaullista que tanto poderá ser Alain Juppé como Nicolas Sarcozy, une fois de plus…. – terá significado a machadada final e fatal em qualquer hipótese de Hollande renovar a sua suprema magistratura por mais um quinquénio, tal é o conteúdo comprometedor da obra publicada.
Não nos interessa, neste momento, tecer um comentário geral sobre o livro que acaba de sair a público nem, tão-pouco, sobre as suas eventuais consequências no panorama político francês. É matéria que ficará para momento mais oportuno e espaço mais adequado.
Há, todavia, um aspeto que merece a nossa atenção e obriga a que nos detenhamos numa reflexão mais aprofundada.
Uma das revelações que o livro citado se encarregou de trazer a público consistiu no anúncio de que François Hollande fez um “acordo secreto” com a União Europeia para não cumprir as metas do défice, apresentando sempre previsões orçamentais falsas. O acordo acontece desde que Hollande foi eleito, em 2012, e segundo os autores vigora até 2017. Terá sido assim que a França escapou a qualquer processo de sanções por incumprimento do défice e aos consequentes procedimentos por défices excessivos.
A divulgação deste entendimento não foi, até agora, negada por nenhum dos seus intervenientes: François Hollande não reagiu (nem a esta nem a outras revelações feitas pelo livro); os Presidentes da Comissão Europeia – tanto o anterior, Durão Barroso, como o actual, Jean-Claude Juncker – têm-se remetido a um silêncio ensurdecedor sobre a matéria. Na prática, pela falta de reações ocorridas, ninguém hoje põe em causa a existência, efetiva, de um tal convénio entre a Comissão Europeia e a França.
Que dizer sobre este entendimento?
Deste logo que ele roça o que de mais indigno e ultrajante pode existir no quadro da vivência comunitária europeia. Estamos, inquestionavelmente, perante mais uma prova provada da velha máxima orwelliana de que todos os Estados são iguais mas uns são mais iguais do que outros. Percebe-se, agora, de forma bem mais eloquente, o que pretendia dizer há meses o Presidente da Comissão Europeia quando se permitia afirmar que a França era….. a França. Claro que este entendimento não teria sido possível, na atual Comissão Europeia, se o Comissário Europeu responsável pelo orçamento não fosse um….. socialista e francês: Pierre Moscovici, o tal senhor que se tem caracterizado por um rigor formal e intransigência relativamente a Portugal quando se tem tratado de avaliar o cumprimento dos limites do défice por parte de Lisboa.
Mas o acordo em causa é tão mais ignominioso quanto sabemos (e temos sentido bem na pele…) o quanto a mesma Comissão Europeia que transige e tergiversa ante Paris se tem mostrado tão inflexível e rigorosa face a outros Estados (sobretudo da zona euro) que arriscam a violação dos critérios de convergência. A política dos diferentes pesos e diferentes medidas consoante a dimensão do Estado que se tem pela frente. Para uma instituição que, à luz dos Tratados da União Europeia, tem a missão de ser a guardiã dos tratados, não estamos mal servidos.
Duas notas finais não podem deixar de ficar registadas.
Em primeiro lugar a tristeza de vermos, a posteriori, a “Comissão Barroso” envolvida nesta barganha inqualificável com o governo francês. Se alguém tinha a mais estrita obrigação de se colocar à margem deste tipo de entendimentos era José Manuel Durão Barroso. Hipotecou a gestão do seu mandato a benefício de uma trafulhice perpetrada por François Hollande. Sai manchado naquilo que, até ao momento e independentemente das opções políticas subjacentes ao seu mandato, nunca ninguém havia contestado: o rigor dos seus dois mandatos.
Em segundo lugar, a constatação óbvia de que a atual “Comissão Juncker” se encontra em claro processo de degenerescência. Não só por ter dado sequência e seguimento ao acordo que vinha de trás e que, dessa maneira, herdou do colégio de comissários que a antecedeu, como por haver renovado esse mesmo pacto no quadro de uma nova legislatura acabada de iniciar. E, para cúmulo da incongruência e do disparate, é uma Comissão Europeia cujo Presidente vem, publicamente, defender que os procedimentos éticos contidos no seu Código de Conduta deverão ser reforçados e aperfeiçoados – nomeadamente para aumentar o “período de nojo” de 18 meses para três anos, exigindo que quem tiver tido responsabilidades como presidente ou comissário tenha de esperar três anos até poder aceitar empregos no setor privado – que prescinde de todas as regras e valores éticos negociando este acordo vergonhoso com o governo de Paris.
Definitivamente, os tempos de Juncker parecem pertencer, cada vez mais, aos tempos do passado, aos tempos da ética de geometria variável.
by João Pedro Simões Dias | Out 11, 2016 | Diário de Aveiro
Passadas as emoções iniciais provocadas pelo sucesso de António Guterres na sua corrida ao cargo de Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é tempo de podermos extrair algumas lições desse sucesso que, tendo sido inegavelmente e em primeira linha um êxito do candidato, não deixou de ser, também, um triunfo nacional e um sucesso do país.
A primeira nota tem de se centrar, merecidamente, no êxito e no sucesso de António Guterres. Antes de mais e acima de tudo, foi dele o mérito da eleição e a ele se devem os créditos da mesma. Foi a sua personalidade, o seu currículo, a sua formação e a forma como exerceu durante dez anos a função de Alto Comissário para os Refugiados que constituíram o cartão de visita que culminou numa cena muito pouco vista no Conselho de Segurança: a aprovação da resolução propondo à Assembleia Geral a sua eleição aprovada por unanimidade e aclamação. Numa altura em que se cimentam as divisões no Conselho de Segurança, se multiplicam os vetos cruzados dos EUA, França e Reino Unido por um lado e Rússia por outro, a aprovação da referida resolução constituiu um intervalo de consenso e unanimidade como há muito não se via na sala de sessões do Conselho de Segurança.
A segunda ilação que podemos extrair de mais este êxito internacional do país é que, enquanto Estado actuando no quadro da sociedade internacional, Portugal tem tido uma projecção e um poder incomensuravelmente superiores ao que a sua real dimensão física poderia fazer supor. Ainda há poucos dias o influente jornal espanhol El País dava nota desse facto, assinalando que, num intervalo de dois anos, Portugal conseguia colocar dois nacionais seus à frente das duas principais organizações internacionais existentes (a UE e, agora, a ONU; a primeira com Durão Barroso entre 2004 e 2014 e agora a ONU com António Guterres entre 2017 e, no mínimo, 2021). Foram dois êxitos absolutamente notáveis da diplomacia portuguesa que merece todos os encómios e elogios que lhe possamos dirigir. E demonstra, inequivocamente, como, em torno de grandes causas mobilizadoras, este mesmo país se consegue reunir em torno dos seus melhores, envolvendo todos os órgãos de soberania, todos os partidos políticos, a generalidade das instituições da sociedade civil, sem distinção de cores ou credos. A última vez que tal sucedeu foi, curiosamente, também com a ONU e também com António Guterres – quando o então primeiro-ministro conseguiu mobilizar o país para o apoio à causa de Timor-Leste. Na senda da nossa tradição histórica, estamos destinados a dar ao mundo os melhores dos nossos melhores. É um facto notável que nos deve orgulhar.
A terceira lição a retirar desta candidatura vencedora é a de que, afinal, mesmo na sociedade internacional, nem tudo está perdido. Ainda permanece uma réstia de esperança em valores como a transparência, a decência, a ética ou o decoro. No momento em que decidiram dar maior transparência ao processo de escolha do Secretário-Geral das Nações Unidas, os membros do Conselho de Segurança não se deixaram aprisionar nem enredar em estratégias ínvias e obscuras que lançaram mão da candidatura da búlgara Kristalina Georgieva para criar entropias no processo. A votação obtida pela “búlgara oficial”, que acabou colocada atrás da “búlgara oficiosa”, não foi só a penalização de uma candidata; foi, também e principalmente, a censura de um método de atuação e de uma prática típica de uma diplomacia obscura e de confidencialidade protagonizada, sobretudo pelo eixo “Bruxelas-Berlim”.
O quarto ensinamento a retirar desta eleição de António Guterres prende-se com o absoluto desastre que foi a posição da União Europeia em todo este processo. Começando no facto de não ter sabido consensualizar a apresentação se um candidato comum aos seus Estados-membros e terminando no vergonhoso e incompreensível atraso do Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em cumprimentar e felicitar o candidato vencedor, passando pelo indiscreto apoio concedido à candidatura de última hora e à falta de imparcialidade que se exigia em todo este processo eleitoral.
Em quinto lugar e estreitamente ligada à posição da União Europeia, surgiu-nos a postura do governo de Berlim, verdadeiro motor do lançamento da candidatura da senhora Georgieva. Habituada a mandar na Europa, Merkel não percebeu uma coisa elementar: que o mundo já não é eurocêntrico e que nesse mesmo mundo a Alemanha não beneficia da posição de liderança ou supremacia que desfruta na Europa. Como anotava alguém há poucos dias, esta foi a prova provada de que Berlim tem muito a aprender sobre o que significa uma liderança e como se exerce uma liderança. Se quisermos construir um autêntico manual do que não fazer numa situação destas, basta dar o exemplo de tudo o que Merkel fez. Fez tudo o que não devia ter feito; não fez nada do que devia ter feito. Instrumentalizou as instituições comunitárias, serviu-se do governo búlgaro, quis encostar Putin à parede, ignorou a posição dos EUA, traiu e violou compromissos de neutralidade que tinha assumido, faltou à palavra dada. Nada disto é particularmente novo em Merkel – basta ver a posição que assumiu para com o chanceler Helmut Kohl que abandonou e traiu de forma ignóbil. Não tendo estado presente na mesa do Conselho de Segurança foi, talvez, a grande derrotada da votação do Conselho de Segurança. Veremos se aprendeu a lição; ou ainda se terá hipótese de voltar a intervir em assuntos desta magnitude. Em 2017 a Alemanha irá a votos…
by João Pedro Simões Dias | Set 28, 2016 | Jornal Económico
A última cimeira informal de chefes de Estado e de Governo da União Europeia, ocorrida em Brastilava – com a particularidade de reunir apenas 27 dos 28 líderes europeus posto que, realizando-se para, supostamente, abordar o pós-Brexit, não contou com a presença da primeira-ministra May – surpreendeu a generalidade dos observadores quando, por forte influência de Hollande, resolveu erigir a questão da defesa comum europeia num dos temas centrais que ocupou os chefes de Estado e de Governo dos 27.
Não porque a questão da defesa europeia seja assunto menor ou tema irrelevante. Bem pelo contrário! Acontece, porém, que para a União Europeia se lançar numa tarefa de tal forma grandiosa e de tal magnitude como a de lançar as bases para a edificação de um projecto comum de defesa europeia, tal supõe a existência prévia de um consenso político que está muito longe de coincidir com aquele que a Europa da União actualmente conhece. Ocorre, aliás, recordar, que não é esta a primeira vez que a Europa tenta lançar e construir um projecto comum de defesa.
Durante a fase de negociações do que viria a ser o Tratado fundador da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, Jean Monnet aproveitou para dirigir um pequeno memorando a René Pleven — entretanto nomeado Presidente do Conselho francês — onde se sugeria a federação da Europa em torno de um Plano Schuman desenvolvido que agisse de forma concertada com os Estados Unidos e com o império britânico para fazer face à ameaça militar que provinha do leste da Europa. Conjuntamente com uma equipa restrita de colaboradores diretos — nomeadamente Bernard Clappier, Paul Reuter, Etienne Hirsch, Pierre Uri e Hervé Alphand — Monnet deitou mão à tarefa de redigir um projeto de Tratado que contemplasse a criação de um exército europeu integrado sob comando único e que faria parte do dispositivo atlântico de defesa e segurança, dotado de um orçamento comum e colocado sob autoridade de um Ministro Europeu da Defesa que seria responsável ante um Conselho de Ministros e uma Assembleia Parlamentar europeia. Este projeto ambicioso viria a ser condenado ao fracasso às mãos e aos votos da própria Assembleia Nacional francesa quando, uma estranha aliança entre deputados gaullistas e comunistas, acabaria por rejeitar a aprovação do respetivo tratado institutivo, depois de o mesmo já ter sido aprovado por todos os parlamentos dos restantes Estados comunitários. Foi este, aliás, o primeiro de uma série de revezes que o projeto comunitário conheceria desde o seu início até aos dias de hoje, insucesso que o próprio Jean Monnet sentiu como um fracasso pessoal e determinou a sua demissão do cargo que desempenhava na Comunidade Europeia do Carvão e do Aço — informando os seus colegas da Alta Autoridade, a 9 de Novembro de 1954, que não pretendia ser reconduzido no cargo.
Ora, no momento presente, em que a Europa da União demonstra a sua completa incapacidade em fazer frente aos principais desafios que tem pela frente – Brexit, migrantes, segurança, desemprego – introduzir na agenda política europeia o exigente e não consensual tema da defesa comum europeia, constitui óbvia manobra furtiva que demonstra que esta União Europeia tem aprendido muito pouco com a sua história e com os seus erros. Na impossibilidade de encontrar um consenso efetivo sobre temas concretos que atingem e preocupam os europeus, o Conselho Europeu (informal) optou pela “fuga em frente”: uma vez mais não perece ter sido o caminho mais prudente e mais avisado para enfrentar os reais problemas com a que o que resta da Europa da União de defronta e se debate.