by João Pedro Simões Dias | Set 7, 2016 | Diário Económico
As eleições estaduais alemãs do passado fim de semana, no Estado federado de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental constituíram um pequeno exemplo do ambiente político a que esta União Europeia sobrante tem estado a ser reconduzida, um pouco em todos os seus Estados. Os sociais-democratas tornaram-se no partido mais votado num Estado tradicionalmente democrata-cristão; a nova força do Altrenativa para a Alemanha (AfD) logrou alcançar o segundo lugar; e a CDU da chanceler Angela Merkel viu-se relegada para um inglório terceiro lugar na escolha dos eleitores, quando por regra este era um dos seus bastiões em toda a Alemanha.
A sensivelmente um ano das próximas eleições legislativas, estes resultados têm sido olhados com redobrada atenção e escalpelizados ao detalhe pelo estado-maior dos principais partidos germânicos, não faltando quem esteja a neles ver um ensaio importante para as próximas eleições gerais.
Dois dados resultam com particular evidência deste sufrágio – e devem merecer uma meditação mais aprofundada.
O primeiro tem a ver com a forte penalização da tradicional democracia-cristã da CDU, que de primeiro passa a terceiro partido no Estado. A generalidade dos comentadores que se debruçaram sobre estes resultados eleitorais foi unânime. Angela Merkel e a sua União Democrata-Cristã foram fortemente penalizados pela sua política europeia, com particular ênfase para a sua postura relativa aos refugiados e migrantes que têm demandado a Alemanha e se têm deparado, apesar de tudo, com uma política de acolhimento flexível e disposta a integrar um número significativo desta nova vaga de refugiados, política iniciada em setembro do ano passado, quando a chanceler decidiu não bloquear o caminho para os refugiados detidos na Hungria. Não faltaram, de então para cá, dentro e fora da Alemanha, vozes reclamando um endurecimento da política alemã face a estes migrantes e um endurecimento das leis federais que permitiam que os mesmos passassem e ficassem em território alemão. Da mesma forma que não faltaram os que associaram a esta vaga de migrantes o aumento da criminalidade e, sobretudo, o recrudescimento da onda terrorista que há muito a Alemanha já não conhecia. De todas as formas, sempre as questões atinentes à política europeia a justificarem esta queda eleitoral do partido da chanceler Merkel. Diga-se, já agora e à laia de parêntesis, terem sido muito poucos os que repararam nas fracas qualidades do candidato democrata-cristão à chefia do governo estadual; detalhes, apenas detalhes….
Por outro lado, a par com esta descida da CDU, os eleitores de Mecklenburg-Pomerânia Ocidental optaram por beneficiar a extrema-direita populista da Alternativa para a Alemanha, guindando-a a um inesperado terceiro lugar no ranking eleitoral. Partido que se define como fora do sistema, populista e contrário à presença da Alemanha na União Europeia com tudo o que isso supõe (nomeadamente a pertença à zona euro, a aceitação da liberdade de circulação de pessoas, a política de assimilação de migrantes), o seu crescimento fez-se, também na Alemanha, à custa de um dos tradicionais partidos que moldaram o atual sistema político germânico (a CDU). Repetiu-se, com as devidas proporções, um fenómeno que já tínhamos visto acontecer em Espanha, na Grécia, no Reino Unido, em França, na Hungria, na Polónia. E que não está dito nem escrito em lado algum que se possa dar por terminado e encerrado.
A política europeia, em escalas e tonalidades diferentes, está, pois, a penalizar os clássicos e tradicionais partidos políticos que geriram os Estados europeus no pós-segunda guerra mundial, apadrinhando e criando condições propícias para a emergência de novas e desestruturadas propostas políticas, de matiz radical e sinais políticos contraditórios, que acabam por acolher e beneficiar de todo o descontentamento que as políticas europeias despertam e suscitam. A União Europeia, por sua vez, “põe-se a jeito”: em vez de construir um projeto político europeu, oferece políticas avulsas, dirigistas, regulamentadoras e não raro contraditórias entre si; em lugar de mostrar ao mundo lideranças inspiradoras e geradoras de confiança, contenta-se em escolher e substituir regularmente simples governantes de turno, que frequentemente nem são respeitados nem se dão ao respeito; à existência de uma opinião pública forte, consentânea com uma cidadania comum que pretende potenciar, convive com a existência de vinte e oito opiniões públicas nacionais onde o sentido de pertença a uma identidade comum que complete e complemente as identidades nacionais, está completamente ausente e não é estimulado nem alimentado.
Eis-nos, pois, perante um caldo de condições verdadeiramente potenciador de um atrofiamento capaz de constranger o aprofundamento e o desenvolvimento de um espírito europeu indispensável ao projeto que se pretendeu edificar sob a égide da União Europeia. Está nas mãos dos europeus impedir que este perigo potencial se transforme numa realidade triste e deplorável.
Se a Europa e os Estados europeus pretendem ter uma voz neste mundo cada vez mais globalizado e cada vez mais estruturado em torno de grandes espaços, urge que se organize e se institucionalizem para poderem ser ouvidos e escutados. Nenhum Estado europeu, por muito grande que seja, conseguirá sobreviver por si só neste mundo globalizado e de grandes espaços. Nem sobreviver, nem fazer-se ouvir. Nem os grandes, muito menos os pequenos e médios Estados. A União Europeia tem sido, até ao presente, essa estrutura mínima que almeja representar a Europa. Se não puder ser ela, que seja outra qualquer que venha a suceder-lhe. Mas o mundo, lá fora, não prescinde da Europa para se estruturar e se organizar. Mas se esta velha Europa não se apressar, esse mesmo mundo não ficará parado à espera dela.
by João Pedro Simões Dias | Jun 3, 2014 | Diário de Aveiro
No rescaldo do último ato eleitoral para o Parlamento Europeu, resulta claro que, para além das diferentes conclusões que podem ser retiradas no plano nacional em cada um dos 28 Estados-Membros onde os cidadãos foram chamados às urnas, também no específico plano europeu há ilações a extrair deste sufrágio e que as lições que o mesmo forneceu nesse mesmo plano europeu não podem ser ignoradas nem escamoteadas.
Tendo-se tratado de eleições europeias, seria suposto que as mesmas não causassem acentuada perturbação política nos planos nacionais, para além daquelas que por regra já lhes aparecem associadas e que se prendem sempre com alguma dose de censura aos governos nacionais de turno. Desta vez, porém, as coisas foram significativamente diferentes e, em alguns Estados o ato eleitoral perturbou profundamente os respectivos sistemas político-partidários.
Descontando o caso português, já suficientemente escalpelizado e analisado, há três casos que devem merecer a nossa atenção – o que aconteceu em Espanha, no Reino Unido e em França.
Aqui bem ao lado, em Espanha, os tradicionais partidos da governação – PP e PSOE – ficaram nos dois primeiros lugares da eleição. Ambos, todavia, perderam votos e mandatos e, em conjunto, valem hoje menos de 50% do eleitorado espanhol. Em contrapartida, em quarto lugar e com 1,2 milhões de votos, 9,7% dos sufrágios e 5 eurodeputados eleitos, surge um partido novo – chamado Podemos – emanação direta do célebre movimento dos indignados do 15M (por referência ao movimento de 15 de maio de 2011), liderado por Pablo Iglesias, de 35 anos, um intelectual marxista, professor de Ciência Política e vedeta televisiva. Inequivocamente, o ambiente político em Madrid tremeu com este resultado eleitoral.
No Reino Unido, por seu lado, o UKIP (Partido da Independência do Reino Unido) venceu as eleições, levando para Estrasburgo 24 deputados, mais do que qualquer dos tradicionais partidos conservador, liberal e trabalhista. Há mais de cem anos que não se assistia a nada assim e, mais de uma semana volvida, Nigel Farage continua no centro da cena política britânica para completa estupefacção dos que se habituaram a ver no sistema político-partidário do Reino Unido o paradigma da estabilidade e da previsibilidade.
Finalmente, de França, da pátria da revolução e dos direitos do homem na Europa, veio a maior das surpresas da noite eleitoral: a Frente Nacional, matizando o carácter radicar que lhe havia sido imprimido pelo seu fundador, liderada agora por Marine Le Pen, venceu as eleições, logrou mais de 25% dos sufrágios contra os 20% da direita tradicional e os 14% dos socialistas do Presidente Hollande. Foi um resultado que só surpreendeu quem não acompanhava a vida política francesa, há muito previsível, mas que continua a causar perplexidades e incredulidades.
Se a todos estes factos – e a tantos outros que poderíamos mencionar – somarmos os elevadíssimos valores da abstenção, dos votos brancos e nulos que foram contados por todo o continente, impõe-se tentar perceber o que vai a União Europeia fazer deles e com eles e que ilações e consequências a própria União e as suas instituições dos mesmos irão retirar. Quando se apregoa que não há uma ligação estreita entre a UE e os cidadãos europeus, convocam-se os cidadãos às urnas e verifica-se que o voto foi diminuto, disperso e de protesto. Sabe-se que esse voto de protesto coincide em muitas críticas feitas ao projecto europeu mas, pela sua própria natureza, é insusceptível de construir ou viabilizar um projecto comum, uma alternativa credível. E, felizmente, ainda é, também, incapaz de construir minorias de bloqueio que impeçam o normal funcionamento dessas mesmas instituições europeias. Mas o sinal está dado – e se a União e as suas instituições não perceberem o sentido das urnas e não escutarem o que disseram os europeus (os que votaram e falaram e os outros também) nada nos garante que, num futuro próximo o panorama continue a ser o mesmo. Hoje por hoje, ainda são as tradicionais forças políticas europeias – democratas-cristãos, socialistas e liberais – que têm meios, deputados e instrumentos para governarem a União. Amanhã poderá já não ser assim. E se é verdade que aquela União Europeia que nos ensinaram e que ensinámos – sucessora das velhas Comunidades Europeias nascidas para reconstruirem a Europa dos escombros da segunda guerra mundial – já acabou e já não existe, no dia em que a instabilidade e o fator de ingovernabilidade atingirem as suas instituições, provavelmente nem “esta” UE resistirá e sobreviverá. Por ora, ainda pode conter danos e limitar os estragos. Se não tiver nem arte nem engenho para o fazer, pouco ou nada se salvará, pouco ou nada se aproveitará.
by João Pedro Simões Dias | Abr 8, 2014 | Diário de Aveiro
Não chegasse ao Presidente francês, François Hollande, ter de se defrontar com a grave crise política resultante das últimas eleições autárquicas – que levou, inclusivamente, à remodelação governamental e à substituição de Jean-Marc Ayrault por Manuel Valls como Primeiro-Ministro – onde os socialistas franceses quase foram varridos do mapa autárquico gaulês nas cidades que verdadeiramente contam (com excepção de Paris) e a extrema-direita alcançou resultados nunca antes alcançados, os mais recentes dados conhecidos da economia francesa fizeram, igualmente, soar as campainhas de alarme tanto em Paris como em Bruxelas. Com a economia a crescer 0,3% no último trimestre, mas com o desemprego acima dos 11% e o buraco fiscal por resolver, o défice de 2013 foi de 4,3% do PIB, dois pontos acima da meta decidida por Bruxelas. E segundo as previsões da Comissão Europeia, se nada for feito, a diferença será ainda maior no final deste ano. Face a este cenário macroeconómico, o Presidente francês terá solicitado mais tempo a Bruxelas para cumprir as metas do défice público – mas tanto Olli Rehn, o liberal finlandês vice-presidente da Comissão Europeia responsável pelas questões económicas, como Jeroen Dijsselbloem, o socialista holandês presidente do Eurogrupo, terão recusado liminarmente o pedido de Hollande, recordando que já tinham sido oferecidos à França dois anos para estancar o buraco fiscal e que o que agora faltava eram medidas efectivas para acelerar as reformas estruturais de que o país necessita. Em linguagem simples: enveredar pela adopção de políticas austeritárias, à semelhança das que já estão a ser impostas aos “relapsos incumpridores” do sul da Europa.
Pessoalmente, há muito tempo que sustento que essa política austeritária que os grandes da Europa e as próprias instituições europeias têm imposto aos Estados em dificuldade do Sul da Europa só mudará no dia em que essas mesmas grandes economias da Europa começarem a “provar do seu próprio veneno”, tendo de enveredar por políticas igualmente austeritárias e recessivas. Porque não creio ser possível existirem ilhas de progresso em oceanos de pobreza, ou algumas poucas economias europeias pujantes numa Europa em crise ou recessão económica e social, acredito que nesse dia o apelo aos valores europeus, da solidariedade, da partilha, da coesão, falem mais alto, se façam ouvir e se traduzam na adopção de medidas concretas que dêem forma e corpo a esses princípios. No fundo – quando a política voltar a prevalecer sobre a economia, os valores e os princípios voltarem a sobrepor-se às folhas de excel. Quando a Europa, e sobretudo a da União, voltar a ter líderes e lideranças do jaez das que já conheceu e que lhe abriu as portas do sonho, da ousadia, da própria utopia.
Mas para isso acontecer será inevitável que, antes, os ditos grandes tenham de sofrer na pele um pouco do que tem sido imposto – do que têm imposto e ajudado a impor – a muitos outros Estados e povos europeus. Note-se: sem que isso signifique laxismo nas contas públicas, défices orçamentais ou aumentos exponenciais de dívida pública, mas também sem uma obediência cega à teologia dos mercados e à ditadura das finanças e dos orçamentos, antes buscando uma sábia e prudente combinação de políticas que reúnam princípios e critérios de rigor e exigência com adequadas doses de estímulo ao crescimento económico e, sobretudo, de combate a esse flagelo social constituído pelo exército de desempregados que rouba a esperança a mais de 25 milhões de europeus. Sempre tendo presente que o Estado existe para as pessoas e não são estas que devem estar ao serviço do Estado. A França parece ser a primeira grande economia europeia a ter de se defrontar com esse problema.
Nessa medida, por paradoxal que possa parecer, ver um grande Estado europeu e uma grande economia europeia a atravessarem algumas dificuldades pode não ser, necessariamente, uma má notícia para a Europa. Mais: se tiver de ser o preço a pagar para a Europa da União e as suas instituições reverem práticas, políticas, objectivo e metas poderá ser, mesmo, o dia de vésperas de melhores dias para este velho continente, matriz dum ocidente sem bússola, sem valores, sem rumo.
by João Pedro Simões Dias | Mar 11, 2014 | Diário de Aveiro
O mundo foi apanhado desprevenido quando, há cerca de uma semana, a câmara alta do Parlamento russo, o Conselho da Federação, aprovou o envio de forças armadas para a Crimeia, na Ucrânia, após um pedido do Presidente Vladimir Putin, replicando nas televisões de todo o mundo as imagens que vimos no distante Afeganistão nos idos de 1979/1980 e que viriam a dar origem, anos mais tarde, a uma retirada muito pouco edificante e ainda menos digna. Constituiu o momento decisivo, porque de natureza militar externa, da escalada do conflito que se vive na Ucrânia. E que foi completado com as decisões do novo poder instalado naquela região autónoma ucraniana de convocar para breve um referendo onde se perguntará aos cidadãos da Crimeia se pretendem continuar integrados na Ucrânia ou, em alternativa, abrir as portas de um novo independentismo que fatalmente contribuirá para atirar a região para os braços de Moscovo.
Utilizando as palavras da ex-primeira-ministra ucraniana, Iúlia Timochenko – proferidas em Dublin perante o Congresso do Partido Popular Europeu – a consulta popular será realizada debaixo da tutela das Kalashnikov fornecidas por Moscovo e sob o controle e a organização de milícias armadas e instruídas pela Rússia. Ambos os factos – a violação territorial das fronteiras ucranianas e a convocação deste referendo-fantasma – dão corpo a uma nova formulação da clássica doutrina da soberania limitada, dos tempos da guerra-fria, desta feita praticada por um descendente/discípulo de Leonidas Brejnev, de seu nome Vladimir Putin. A justificação e a fundamentação desta nova doutrina podem variar; mas os objectivos permanecem iguais: a Rússia, a grande santa-mãe Rússia, só se sente defendida e protegida com um cordão sanitário à sua volta. Nem que para tanto tenha de espezinhar a soberania e a integridade territorial dos seus vizinhos. A Rússia de hoje tal como a União Soviética de ontem.
Perante estes desenvolvimentos da crise ucraniana que comportou já uma dimensão militar, a União Europeia voltou a mostrar a sua fraqueza e a titubear na sua reação. Se os EUA deram evidente prova de terem sido apanhados de surpresa tanto com o eclodir da crise como com o seu desenvolvimento, a Europa da União demonstrou, uma vez mais, a absoluta incapacidade de reação em tempo útil e a total impreparação da sua estrutura institucional para lidar com esta crise que ocorre no limite das suas fronteiras externas. Pese embora dotada de uma Alta Representante para uma suposta política externa comum, foram os Ministros dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, da França e da Polónia quem, num primeiro momento, teve de rumar para Kiev para tentar perceber o que se passava e fazer as necessárias pontes quer com o novo poder ucraniano quer, sobretudo, com o Kremlin. E, num segundo momento, voltando ao tradicional e clássico método usado nos tempos de crise, a realização de mais uma cimeira do Conselho Europeu Extraordinário – daquelas que também não ficará para a história por aquilo que (não) decidiu: condenando veementemente a violação da soberania e da integridade territorial ucranianas pela Federação da Rússia, que não resultou de qualquer provocação; e exortando a Federação da Rússia a retirar imediatamente as suas forças armadas e a enviá-las para as suas áreas de estacionamento permanente, em conformidade com os acordos internacionais vigentes; considerando que a decisão do Conselho Superior da República Autónoma da Crimeia de realizar um referendo sobre o futuro estatuto do território é contrária à Constituição ucraniana e, portanto, ilegal; constatando que seria profundamente lamentável se a Federação da Rússia não fizesse esforços no sentido de encontrar uma solução conjunta para a crise ucraniana, muito especialmente se persistisse na sua recusa em participar num diálogo construtivo com o Governo da Ucrânia; e decidindo, nomeadamente, suspender as conversações bilaterais com a Federação da Rússia em matéria de vistos. Convenhamos: fraca reação para tamanha provocação.
Ou seja – ante a que está a ser unanimemente reconhecida como a mais grave crise internacional desde a queda do muro de Berlim e a guerra na ex-Jugoslávia, esta União Europeia, em caminho acelerado para a sua descredibilização, voltou a evidenciar toda a sua fragilidade e a dificuldade em reagir e em assumir-se como um ator credível na cena internacional. Enquanto assim continuar a suceder a Europa não pode aspirar a ter voz de relevo e a ser levada a sério nas questões internacionais.
Post-scriptum – O Congresso do Partido Popular Europeu que reuniu em Dublin escolheu Jean-Claude Junker como seu candidato a Presidente da Comissão Europeia, para substituir José Manuel Durão Barroso. Encerra-se, assim, a lista dos principais candidatos ao cargo: Jean-Claude Junker (Partido Popular Europeu), Martin Schulz (Partido Socialista Europeu), Guy Verhofstadt (Liberais Europeus), Alexis Tsipras (Grupo da Esquerda Unitária) e Ska Keller (Verdes), sendo que, realisticamente, apenas os dois primeiros poderão aspirar ao cargo. O problema é que o sistema instituído remete para o Conselho Europeu a apresentação do candidato ao cargo de Presidente da Comissão Europeia ao Parlamento Europeu, nada garantindo que o nome escolhido saia deste leque de indigitados. A que acresce o facto, não particularmente estimulante, de quem quiser que o futuro Presidente da Comissão Europeia seja Junker tenha de votar em Paulo Rangel ou quem pretender que o cargo seja desempenhado por Schulz tenha de dar o seu voto a Francisco Assis. Ou que, em Portugal, não haja como exprimir um voto em favor de Verhofstadt, posto não existir nenhum partido político português integrante da família liberal europeia. Ironias de um sistema que urge ser aperfeiçoado, nomeadamente concretizando a possibilidade de, em conjunto com a eleição dos deputados ao Parlamento Europeu, poder ser eleito diretamente o próprio Presidente da Comissão Europeia.
by João Pedro Simões Dias | Jan 6, 2014 | Diário de Aveiro
Terminado o ano de 2013, aqui se deixa a respectiva revista europeia (de A a Z) para efeitos de memória futura e com tudo o que de subjetivo e aleatório pode envolver uma escolha e um exercício desta natureza:
Alemanha – O gigante económico da Europa da União fortaleceu, a cada dia que passou, o seu poder político. Voluntária ou involuntariamente, é a um verdadeiro processo de germanização da Europa que assistimos, mais do que a um processo de europeização da Alemanha – enquanto os seus Estados parceiros oscilam entre o medo do fortalecimento desse poder e o receio de perderem o apoio que a Alemanha lhes pode dispensar. Contradição que 2013 não contribuiu em nada para resolver. Bem pelo contrário.
Barroso (José Manuel Durão) – Depois de um início de segundo mandato à frente da Comissão Europeia em que foi completamente ultrapassado pela lógica intergovernamental imposta pela Alemanha à União Europeia, recuperou algum protagonismo directamente proporcional à aproximação do fim do seu mandato. Se o sonho comanda a vida, o sonho de um inédito terceiro mandato pareceu comandar a sua actuação. Pode ter despertado tarde da sua letargia.
Chipre – Chipre constituiu o exemplo mais traumático de resgates efectuados pela troika, neste caso devido a grave crise do sector financeiro e bancário da ilha. Não pelo valor do empréstimo concedido mas pelas condicionantes impostas pelos credores, que obrigaram depositantes nos bancos a suportarem parte dos custos da respectiva recapitalização. Pela primeira vez na história da UE ultrapassou-se uma linha vermelha e abriu-se um precedente perigoso – os depósitos bancários passaram a poder ser confiscados para contribuir para pagar erros de gestão bancária. O Parlamento de Nicósia ainda ensaiou opor-se à medida, mas a força da realidade acabou por se impor.
Dijsselbloem (Jeroen) – O socialista holandês que sucedeu a Junker na presidência do Eurogrupo e que, não raro, se tem mostrado mais ortodoxo que os ortodoxos alemães em decisões concretas que têm sido tomadas – de que, talvez, o mecanismo de gestão de falências bancárias seja o exemplo mais acabado.
Eslovénia – A Eslovénia posiciona-se como um dos mais sérios candidatos a receber novo auxílio financeiro das instituições europeias quando, na sequência dos resultados dos testes de ‘stress’ supervisionados pela UE, se constata que as necessidades de recapitalização da banca do país ascende a 4,8MM€, até junho de 2014.
Federalismo – Por oposição ao trilho intergovernamental constitucionalizado com o Tratado de Lisboa, é cada vez mais o caminho alternativo que parece poder tirar a União da letargia para onde foi encaminhada. Durante muito tempo constituiu a palavra maldita e o conceito tabu do projecto europeu. Tão só porque ousaram equipará-lo a outros modelos federais existentes. Também aqui a UE deverá inovar – e optando por uma via federal será seguramente uma via original e não duplicada de qualquer outra existente. Terá como componente o necessário reforço das instituições comuns, a respectiva relegitimação democrática, a recusa do modelo do diretório, a afirmação da via supranacional e o respeito pelo princípio da subsidiariedade. Em 2013 prefigurou-se, sem complexos, como um dos (poucos) caminhos possíveis a seguir para se ultrapassar a crise que vivemos.
Grécia – Continuou a ser o país-problema da União Europeia. Com dois resgates e a caminho dum terceiro, cortes de dívida a credores particulares e enorme agitação social cabe-lhe entrar em 2014 a presidir ao Conselho da União – com a responsabilidade de demonstrar que um Estado pode estar em estado de emergência financeira sem que isso signifique que abdica das suas funções políticas no quadro da União.
Hollande (François) – Iniciou o seu mandato como a grande esperança da esquerda europeia contra o austeritarismo ortodoxo germânico e em nome das políticas de crescimento económico, como caminho que a própria Europa devia seguir; encerra 2013 com a França sujeita à mais elevada carga de austeridade fiscal da V República e os índices de popularidade mais baixos de qualquer chefe de Estado francês desde que há registos e medições dos mesmos. Pior saldo do ano – potencía o crescimento eleitoral da Frente Nacional de Marine Le Pen a patamares nunca antes vistos nem alcançados pela extrema-direita gaulesa.
Irlanda – Termina 2013 anunciando que, finalizado o seu resgate, quer ver-se livre da troika e das instituições europeias com uma “saída limpa”, sem depender dos humores dos burocratas de Bruxelas, sem segundo resgate ou, sequer, sem essa incógnita chamada programa cautelar. Decerto – os juros a dez anos na ordem dos 3%, uma almofada financeira de cerca de 25MM€ e as necessidades de financiamento garantidas até meados de 2015 ajudaram a tomar uma atitude que objectivamente espantou quase tudo e quase todos.
Junker (Jean-Claude) – O democrata-cristão decano dos líderes europeus, talvez o mais europeísta de todos eles, resto sobrante da geração de Kohl e Mitterrand, deixou de ser Presidente do Eurogrupo e Primeiro Ministro do Luxemburgo (apesar de aqui ter ganho as eleições legislativas, ainda que só com maioria relativa). Paradoxalmente, pode ser a oportunidade para um 2014 mais risonho, com a Presidência da Comissão Europeia ou a Presidência do Conselho Europeu.
Kenny (Enda) – O Taioseach (Primeiro-Ministro) irlandês viu-se catapultado para as luzes da ribalta europeia quando o plano de ajustamento que negociou e conseguiu impor à troika terminou com uma “saída limpa”, sem necessidade de qualquer programa cautelar. Com discrição mas firmeza, sem subserviências nem seguidismos provincianos, liderou um país sob resgate com prudência e bom-senso. Os resultados viram-se. Declarou prescindir de novos apoios internacionais e granjeou reputação e credibilidade suficiente para ser encarado como uma das mais fortes possibilidades para vir a suceder a Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. Resta saber se o desejará.
Letta (Enrico) – O democrata-cristão, membro do Partido Democrático de centro-esquerda, salta para a primeira linha da política europeia ao conseguir formar governo em Itália, baseado numa coligação instável com o Povo da Liberdade de Silvio Berlusconi. Teve o difícil encargo de suceder a Mario Monti, o eurocrata que liderou o governo de Roma entre Novembro de 2011 e Abril de 2013 restituindo-lhe a credibilidade perdida sob a liderança de Berlusconi. Apostou inequivocamente na via europeia para rumo dos primeiros meses da sua governação.
Merkel (Angela) – A chanceler alemã, que traiu Helmut Kohl e desonrou o seu legado europeísta, foi uma das grandes vencedoras de 2013. A sua política ortodoxa e austeritária face ao sul da Europa em provação e de germanização da UE foi amplamente sufragada pelos seus concidadãos em eleições internas. Cada vez mais governa mais a Europa sendo escolhida apenas pelos alemães. Nem a mudança de parceiro político lhe alterou os hábitos ou fez mudar o rumo. Nos sociais-democratas do SPD encontrou aliados para a sustentação de uma política europeia que ainda acredita que podem existir ilhas de prosperidade em mares de desesperança. Quando a desesperança der à costa da ilha germânica, o rumo será alterado. Até lá, vai mandando. Bruxelas e as demais capitais europeias vão obedecendo.
NATO – Ainda não foi em 2013 que a organização de defesa militar do ocidente logrou alcançar um nível de articulação satisfatório com a União Europeia em matérias de segurança e defesa. É um daqueles casos em que a responsabilidade não pode ser assacada à organização transatlântica. Se o pilar europeu da aliança não se mostra suficientemente sensibilizado para o tema nem se consegue articular e coordenar satisfatoriamente entre si, dificilmente a União que formam se pode entender com a organização de defesa que, paradoxalmente, quase todos integram.
Orban (Viktor) – A Hungria, liderada pelo Primeiro-Ministro Viktor Órban, conseguiu saldar a dívida de 20MM€ que tinha para com o Fundo Monetário Internacional desde 2008, sete meses antes do prazo previsto. Com uma liderança frequentemente criticada pelas suas opções conservadoras, o Governo de Órban considerou que a Hungria vai conseguir financiar-se nos mercados financeiros internacionais depois do que chamou “uma luta pela liberdade de atuação do país”.
Portugal – Exemplo acabado e consumado das políticas erráticas concebidas e impostas pela troika, inicialmente acolhidas com entusiasmo por parte do governo, entusiasmo que se foi perdendo à medida que o tempo foi passando. Quem se der ao trabalho de comparar os números previstos para final de 2013 no memorando de entendimento original e aqueles que, de facto, se atingiram (em termos de défice, dívida pública e desemprego, por exemplo) tem a noção clara da errância das referidas políticas austeritárias.
Quadro financeiro 2014-2020 – O Conselho e o Parlamento Europeu puseram-se de acordo relativamente ao quadro financeiro plurianual da UE. Denotou ambição pouca e ousadia nenhuma. Com orçamentos que continuam a ser inferiores a 1% do PIB comunitário não é possível ousar sonhar qualquer aprofundamento das políticas comuns. Enquanto a UE não se dotar de meios financeiros suficientemente capazes, as suas capacidades de intervenção estão limitadas e definitivamente cerceadas.
Rompuy (Herman Van) – O Presidente permanente do Conselho Europeu pareceu ganhar algum protagonismo à medida que a crise por que passou a UE em 2013 foi abrandando e foram surgindo ligeiros sinais de retoma económica. Pese embora esse facto, continuou por se perceber a utilidade do cargo e da função. E se o hábito não faz o monge, neste caso o monge não fez nem justificou uma função que veio, inequivocamente, introduzir um elemento de confusão na estabilidade institucional da União Europeia. Terminará o seu segundo mandato em 2014.
Secessionismos e Separatismos – Constituem o pior legado que 2013 deixa a 2014: a marcação de referendos independentistas e separatistas em 2014 para a Escócia e para a Catalunha podem obrigar a União Europeia a defrontar-se com um problema novo em mais de 60 anos de projecto europeu – o da integridade territorial dos seus Estados-membros, que é como quem diz, da sua própria integridade territorial. Mais grave que isso, os referendos prometidos, a realizarem-se, podem constituir precedente sério para outras aspirações independentistas que se encontram apenas adormecidas.
Troika – Os coordenadores dos principais grupos políticos na Comissão Económica e de Assuntos Monetários do Parlamento Europeu e, posteriormente, a própria eurocâmara, decidem lançar um processo de inquérito à actuação da troika nos planos de resgate lançados nos últimos três anos. A investigação pretende apurar, ainda, a “legitimação democrática das decisões tomadas” pela troika nesses processos.
Ucrânia – Não pertencendo à União, foi o palco onde se travou a última disputa entre a UE e a Rússia sobre as respectivas esferas de influência. Contra a vontade de milhares que se manifestaram nas ruas, o governo de Kiev deu sinais de tombar para o lado de Moscovo, recusando associar-se à parceria com Bruxelas. Território de fronteira e zona de influência ambicionada tanto pela Rússia como pela União Europeia, protagonizou o reavivar dos tempos da guerra-fria, onde a influência em cada palmo de terreno geoestratégico era disputada ao milímetro. Estando fora da União, por paradoxal que pareça, a Ucrânia pode vir a determinar muito do sucesso ou insucesso da sempre anunciada e nunca concretizada política externa e de segurança comum.
Vilnius – Foi na capital da Lituânia que ocorreu um dos maiores desaires da UE em matéria de política exterior comum no ano de 2013. A Cimeira da Parceria Oriental da UE com a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia, a Bielorrússia, a Arménia e o Azerbaijão ficou marcada pelo desacordo entre a Ucrânia – pressionada por Moscovo para não assinar qualquer acordo com a União – e a UE. Ao não assinar o acordo que marcaria a aproximação ucraniana à UE os resultados da Cimeira restringiram-se à assinatura duma primeira versão de acordo com a Geórgia e a Moldávia e um acordo de facilitação de vistos com o Azerbaijão. Foi pouco.
Xavier (Bettel) – O Presidente da Câmara da Cidade do Luxemburgo tornou-se o improvável Primeiro-Ministro do Grã-Ducado, após a realização de eleições legislativas em que Jean-Claude Juncker, apesar de liderar o partido mais votado, não logra alcançar a maioria absoluta, deixando o poder nas mãos de uma coligação governamental formada pelo Partido Democrático, o Partido Operário Socialista e Os Verdes.
Yousafzai (Malala) – Jovem paquistanesa de 16 anos que, baleada na cabeça pelos talibãs quando regressava da escola, recebeu o “Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Consciência” perante o plenário da eurocâmara de Estrasburgo, apelando de forma vigorosa ao direito das crianças à educação.
Wharton (James) – Deputado conservador britânico, autor de um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Comuns – numa sessão em que a oposição trabalhista apenas participou no debate e esteve ausente da votação – destinado à realização de um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE em 2017.
Zagreb – Foi nas ruas de Zagreb que os croatas assinalaram, em clima de festa, a 1 de Julho de 2013, a adesão do seu país à União que, assim, se tornou o 28º Estado-Membro da UE, numa altura em que esta atravessa a sua mais profunda crise desde a origem do projeto europeu.