by João Pedro Simões Dias | Set 13, 2017 | Jornal Económico
A passagem dos primeiros cem dias da presidência de Emmanuel Macron coincidiram, para quem esteve atento ao pormenor e ao detalhe, com a divulgação de sondagens e estu dos de opinião que reflectiram uma acentuada queda da popularidade e índice de aprova ção do Presidente da República junto do eleitorado francês. Pouco mais de três me ses depois de haver cilindrado e pulverizado todas as oposições, o centrista que apare ceu como demasiadamente liberal para muitos socialistas e o liberal que não dei xava de ter uma importante veia socialista para outros tantos republicanos, começou a sen tir na pele o inevitável choque de realidade que, mais tarde ou mais cedo, teria inevitavel mente de o atingir.
Curiosamente – e sem deixar de ser paradoxalmente – é no momento em que conhece as suas primeiras dificuldades políticas internas que Macron assume protagonismo pelas propos tas que avança no domínio e no plano europeu.
A defesa da criação de uma espécie de Fundo Monetário Europeu, a admissão da existên cia de um ministro das finanças da zona euro, o aprofundamento da própria união económica e monetária – constituem algumas das propostas que, no plano euro peu, Emmanuel Macron tem acolhido e sustentado.
Isto é – deliberadamente ou não, o Presidente francês tem tentado suprir as insuficiên cias denotadas no plano da política interna com a aposta deliberada nas questões euro peias. Dando a entender – e bem – que percebeu e compreendeu o papel que a França, conjunta mente com a Alemanha, pode vir a desempenhar no projecto europeu. Reacti vando o célebre “eixo Paris-Berlim”, personificado por Kohl e Mitterrand e, posterior mente, deixado cair em desuso por um Chirac cujos danos que infligiu à Europa – quando resol veu reavivar os fantasmas da Europa nova e da velha Europa – ainda estão por determi nar em toda a sua extensão e, seguidamente, enterrado por um Sarkozy que se subme teu em toda a linha e de forma indecorosa aos ditames da chanceler Merkel. Hollande, pelas razões óbvias e conhecidas, nem sequer pode ser chamado para estas con tas.
Esta ambição europeia de Macron – que já deixou indícios suficientes de não se preten der conformar com uma simples referência numa nota de rodapé da história do projeto europeu – pode vir a beneficiar, inequivocamente, da renovação do mandato de Merkel, que se anuncia como o cenário mais provável a sair das eleições legislativas germânicas do próximo dia 24.
Essas eleições, de resto, fecharão o ciclo das eleições legislativas e presidenciais ocorridas em 2017 que se revelarão determinantes para o futuro da União Europeia. Serão, tudo o indica, a consagração dos mandatos sucessivos de Angela Merkel – ainda que estando longe de poder vir a alcançar uma qualquer maioria absoluta que lhe permita vir a formar um governo unipartidário em Berlim. Eis-nos, pois, com enorme probabilidade, chegados à situação tida por paradoxal há poucos anos: Angela Merkel estará em vésperas de se volver na estadista de referência do projeto europeu. Quem o diria nos anos de chumbo da crise! Para a concretização deste estatuto, muito poderá Merkel vir a beneficiar da ambição francesa protagonizada por Macron. Este tem dito e feito propostas que a Alemanha tem gostado de escutar. Basta termos assistido ao debate eleitoral que a chanceler travou com o social-democrata Schulz para ficarmos a perceber os caminhos comuns que Paris e Berlim podem estar dispostos a trilhar. E, nessa medida, o futuro do projeto europeu poderá não ser tão sombrio como o foi o seu passado recente e o tem sido o seu longo presente. Oxalá não surjam, de onde menos se possa esperar, obstáculos ou entraves, endógenos ou exógenos, ao aprofundamento desse projeto. Por vezes, donde menos se espera, é donde vêm os entraves mais difíceis de ultrapassar.
E com isto estaremos reconduzidos à possível – e desejável! – reconstrução da velha aliança franco-alemã que, tendo estado na origem do projeto europeu, poderá voltar a estar na origem da sua refundação. É o seu alfa e será o seu ómega.
by João Pedro Simões Dias | Jun 7, 2017 | Diário de Aveiro
Amanhã, quinta-feira, a atenção política europeia vai centrar-se no Reino Unido: os britânicos voltam a ir às urnas, ainda que desta vez num contexto especial. O acto eleitoral foi convocado pela primeira-ministra Theresa May para reforçar e relegitimar o seu governo que tem pela frente a espinhosa tarefa de negociar e concretizar um Brexit escolhido, há precisamente um ano, na sequência de uma consulta popular convocada pelo então primeiro-ministro David Cameron.
Não chegasse, todavia, este particular contexto envolvente do acto eleitoral de amanhã, dá-se ainda o caso de o mesmo nos aparecer, inevitavelmente, condicionado pelos atentados terroristas que o Reino Unido tem sofrido – em Londres, em Manchester e, no passado fim-de-semana, de novo na capital britânica.
Ambos os factos – a postura de Theresa May ante o Brexit, ela que fez campanha pelo “Remain” no referendo do ano passado e, de repente, viu-se a braços com a liderança de um governo que tinha por principal tarefa, justamente, concretizar o Brexit; e a escalada do terrorismo islâmico radical e extremista no Reino Unido, contra o qual todo o empenho e perseverança da polícia britânica se tem revelado insuficiente – são suficientes para deixar em aberto todas as previsões sobre qual poderá vir a ser o veredicto das urnas, pese embora, à data de convocação deste acto eleitoral, os conservadores beneficiassem de mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas.
Porém, a sucessão recente de erros do governo de May e a sua postura arrogante, por exemplo recusando participar em quaisquer debates eleitorais, poderão custar-lhe uma maioria em Westminster tão confortável como aquela de que presentemente beneficia. E assim, paradoxalmente, umas eleições que foram convocadas para darem suporte a um governo fortalecido e relegitimado eleitoralmente poderão acabar por conduzir a um governo comparativamente mais débil, menos forte e em condição mais desvantajosa para negociar com Bruxelas a saída do Reino da União. No fundo seria, a outra escala, a repetição do acontecido há um ano com a convocação do referendo sobre o Brexit por David Cameron: as previsões saíram furadas, o tiro saiu pela culatra. O eleitorado afirmou, de forma inequívoca, que nem sempre os governantes de turno sabem interpretar o seu sentir. O que sucedeu no referendo do ano passado, poderá vir a repetir-se nas eleições de amanhã. Não seria surpreendente.
Mas logo a seguir às eleições britânicas, teremos no próximo domingo, outro acto eleitoral de extraordinário relevo para a Europa – a primeira volta das eleições legislativas francesas.
Será o primeiro teste verdadeiro à recém-estreada presidência de Emmanuel Macron e, sobretudo, à capacidade que este teve, ou não, para dar um mínimo de forma institucional ao amplo movimento político e de cidadania que há poucas semanas o conduziu ao Eliseu. Macron tornou-se Presidente da República de França mercê de uma improvável conjugação de votos que cortou transversalmente a sociedade francesa, do centro-esquerda ao centro-direita. Beneficiou de muitos votos negativos, sobretudo daqueles que descreram no sistema político-partidário francês – desde os que quiseram recusar Le Pen aos que pretenderam censurar Fillon e penalizar Hollande e os respectivos partidos. O desafio que o novo Presidente tem, agora, pela frente, traduz-se em conseguir que o seu “La République En Marche” fidelize e sustenha uma parte significativa dos votos que ele reuniu. Se o conseguir fazer, nomeadamente se lograr uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, a sua tarefa de governação será significativamente simplificada; se não lograr alcançar este desiderato e tiver de encetar uma política de alianças num parlamento previsivelmente mais fragmentado, com elevada representação da Frente Nacional, com os partidos tradicionais do sistema – republicanos gaullistas e socialistas – debilitados e enfraquecidos e uma extrema-esquerda previsivelmente bem representada, a tarefa da governação começará a complicar-se. Desde logo porque será necessário negociar uma maioria parlamentar que suporte o próprio governo.
A primeira volta destas eleições legislativas, a realizar no próximo domingo, já nos dará um cenário minimamente consistente que permita antecipar o resultado final e a composição definitiva da Assembleia Nacional francesa. A política europeia dos próximos anos vai depender, também, muito daquilo que vier a ser essa composição e das condições de governabilidade de que o Presidente francês venha a dispor.
E para completar a “trilogia” eleitoral teremos de esperar pelo próximo mês de Setembro – quando os alemães forem às urnas para eleger o seu Parlamento donde sairá o seu próximo governo. Decerto – ainda falta muito tempo para esse acto eleitoral. Mas é inquestionável que estas três eleições legislativas nos três (ainda) principais Estados da União Europeia, a par das passadas eleições presidenciais francesas, irão determinar parte significativa da Europa dos tempos próximos. E determinando o futuro da Europa, é o nosso próprio futuro que estará em jogo e em causa. Desengane-se, pois, quem pensar que se tratam de actos eleitorais relativamente aos quais nos poderemos dar ao luxo de sermos alheios ou indiferentes.
Em nenhum deles poderemos votar. Mas é inegável e inquestionável que, todos eles, no seu conjunto, nos afectam, nos dizem respeito e condicionarão e determinarão o nosso futuro.
by João Pedro Simões Dias | Mai 17, 2017 | Diário de Aveiro
Justamente no primeiro dia útil da nova presidência francesa, na passada segunda-feira, enquanto Emmanuel Macron se deslocava a Berlim para a sua primeira cimeira com a chanceler Angela Merkel visando retomar os laços do eixo franco-alemão na UE, o governo espanhol apresentou em Bruxelas um ousado plano visando a reforma da governação da zona euro. Dizem as notícias mais fidedignas que o referido plano terá sido acordado ou consensualizado por ocasião da cimeira dos países do sul da União, que reuniu em Lisboa, no passado mês de janeiro, António Costa, Mariano Rajoy (Espanha), François Hollande (França), Alexis Tsipras (Grécia), Nikos Anastasiades (Chipre), Paolo Gentiloni (Itália) e Joseph Muscat (Malta). Como já na altura se assinalou, o tema dominante desta cimeira foi a reforma da política monetária da UE, o acabamento da união económica e monetária e a introdução de mudanças e de reformas profundas na Zona Euro.
A coincidência da divulgação pública destas medidas por parte do governo espanhol com a deslocação de Macron a Berlim, não foi produto do acaso. Resulta do facto de, entre o texto consensualizado entre Madrid e Lisboa e as posições do novo Presidente francês em matéria de reforma da governação da zona euro existir uma ampla área de sintonia e consenso. Mas também zonas de dissenso e de divergência. Madrid apresentou as suas propostas em Bruxelas; Macron foi levá-las pessoalmente e em mão a Angela Merkel. No fundo, as mensagens, não tendo sido as mesmas, centraram-se ambas em torno da reforma da zona euro.
Entrando, no detalhe das medidas subscritas por Espanha e Portugal e as que são sustentadas pelo novo Presidente francês, como já se referiu, notam-se algumas divergências pontuais. Espanha e Portugal, por exemplo, defendem a criação de um orçamento anti-crise para a zona euro, um seguro de desemprego comunitário, a mutualização da dívida dos países da zona euro através da emissão de eurobonds, a conclusão da união bancária, a reforma do Pacto de Estabilidade retirando-lhe a componente “pro-cíclica” e o reforço da legitimidade democrática do Eurogrupo. Deste conjunto alargado de medidas, Macron já deu sinais de discordar, pelo menos para já, da mutualização das dívidas dos Estados da eurozona através da criação do mecanismo dos eurobonds. É uma discordância assinalável posto que, na proposta formulada por Madrid e que Portugal subscreveu, o mecanismo dos eurobonds constituía elemento fulcral e central.
Da parte do programa defendido pelo Presidente francês, por seu lado, há um elemento original – é defendida a criação de um Parlamento dos Estados da zona euro. E esta proposta parece merecer a discordância e oposição do governo português com base no argumento de que seria impossível de ser concretizada sem uma prévia conferência intergovernamental que procedesse a uma revisão dos tratados actualmente em vigor. Ora, parece defender – e bem! – o governo português que, no presente momento, não existem condições políticas que possibilitem encetar com sucesso um processo de revisão dos tratados comunitários.
Pese embora estas divergências, que se encontram quando analisamos o detalhe das medidas propostas, constatamos que, apesar das divergências mais ou menos pontuais registadas, existe uma ampla zona de convergência e de possível consenso entre as posições que estão a ser, actualmente, sustentadas pelo novo governo francês e, pelo menos, por Espanha e Portugal. Significa isto que começam a ser criadas condições mínimas para, finalmente, ser encarada de frente a questão do acabamento da estrutura institucional e de governação da zona euro – cuja falta tanto se fez sentir nos dias mais pesados da última grande crise que atingiu a zona euro.
Decerto – neste continente em busca desesperada pelo seu norte e que parece condenado a adiar as suas decisões sempre à espera da realização do próximo ato eleitoral, dificilmente serão tomadas medidas ou decisões concretas antes das próximas eleições legislativas alemãs marcadas para o próximo mês de setembro. Apesar dessa pausa forçada, e com a consciência de que antes de setembro pouco ou nada de relevante acontecerá na União Europeia, pelo menos de previsível, nada impede que determinados caminhos se comecem a trilhar e a caminhar. O da reforma da governação da zona euro e do seu acabamento será, sem dúvida, um desses caminhos.
Se, nesse debate, conseguirmos encontrar Portugal no pelotão da frente da discussão que terá de ser travada – ainda que integrado no grupo dos países ditos do Sul que regularmente se têm vindo a reunir em cimeiras regulares, no quadro das quais, por exemplo, poderão vira a ser articuladas as posições de França, Espanha, Portugal, Itália e restantes Estados-membros – só poderemos ter razões para nos congratular e felicitar.
by João Pedro Simões Dias | Mai 10, 2017 | Diário de Aveiro
Foi com algum alívio que a Europa encarou os resultados da segunda volta das eleições presidenciais francesas do passado domingo. A vitória de Emmanuel Macron era esperada, a derrota de Marine Le Pen era bastante desejada mas, à primeira vista, os números finais ultrapassaram as melhores expectativas de uns e de outros – tanto dos que desejavam a vitória de Macron como dos que ansiavam pela derrota de Le Pen. Mas esta foi a primeira e mais imediata leitura dos referidos resultados. Aquela que conferiu a tal sensação de alívio a quem se limitou a ver, pelo canto do olho, os números projectados e divulgados por televisões, rádios e jornais. Uma atenção e uma leitura mais fina e aprofundada dos mesmos conduz-nos, inevitavelmente a outro tipo de conclusões e suporta várias outras reflexões.
O primeiro dado que convém ter presente é que, apesar de termos estado perante uma segunda volta de eleições presidenciais, a taxa abstenção registada foi a mais alta desde 1969, aproximando-se dos 25%. Ou seja, um em cada quatro eleitores franceses virou as costas ao ato eleitoral e demonstrou a sua indiferença perante o que esteve em jogo. Não será de excluir que uma parte significativa dos abstencionistas haja tido origem no movimento insubmisso de Mélénchon – a esquerda radical francesa que sempre sustentou ser necessário derrotar Marine Le Pen sem, contudo, nunca se ter atrevido a recomendar o voto em Emmanuel Macron. Obtendo cerca de 20% dos votos na primeira volta e não formulando uma orientação de voto para a segunda volta, antes permanecendo no limbo da ambiguidade, é plausível que parte significativa deste eleitorado haja optado pelo voto abstencionista – uma outra e diferente forma de exercer o direito de voto.
Para além desta elevadíssima taxa abstencionista, as eleições presidenciais do passado domingo, conheceram uma anormalmente elevada taxa de votos nulos e brancos – quase 12%. Outro (anormal e negativo) recorde.
Centrando-nos nos votos obtidos pelos candidatos, Marine Le Pen, apesar de derrotada, logrou alcançar 36,5% dos sufrágios e, praticamente, 11 milhões (!) de votos. Demonstrou-se que conseguiu segurar o seu eleitorado da primeira volta e entrar em largos campos do eleitorado tradicional republicano-gaullista – a ponto de Marine ter reclamado, no seu discurso de derrota, a liderança da futura oposição. Ora, convém determo-nos um pouco neste ponto. Onze milhões de votos é score nunca alcançado pela Frente Nacional. E mesmo que, nas próximas eleições legislativas, dentro de um mês, a FN não faça o pleno deste resultado, não haverá dúvidas que obterá um resultado que lhe permitirá eleger para a próxima Assembleia Nacional um grupo parlamentar significativamente superior aos 2 deputados que têm presentemente. Um grupo parlamentar que poderá condicionar significativamente o próprio Parlamento francês e a governabilidade do país. E é este o facto que nos deve preocupar e interrogar – o que é que faz com que, num país central da Europa, com a história e a tradição de França, existam 11 milhões de pessoas dispostas a entregarem o seu voto a uma candidata nacionalista, populista e extremista? Esta é a questão que nos deve preocupar e levar a uma séria reflexão. E é uma questão que apenas foi ofuscada com a vitória de Macron – mas que não se encontra respondida nem, muito menos, resolvida. E que num prazo não muito longínquo poderá levantar sérios problemas à França e, por extensão, à própria Europa, particularmente à da União. O facto de este projecto político, com mais de 40 anos de gestação, ter sido derrotado, não nos deve tranquilizar nem apaziguar as nossas preocupações e as nossas consciências. O perigo do nacionalismo populista e extremista continua à espreita, no centro da Europa, na pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade – e à mínima escorregadela do funcionamento do sistema político liberal implantado nas sociedades ocidentais, a alternativa pode estar ao virar da esquina.
Centremo-nos no vencedor. Emmanuel Macron superou todas as previsões, inclusive as mais favoráveis, que lhe davam a vitória. Congregou o voto de 2/3 dos franceses; 66% do eleitorado gaulês confiou num político sem experiência política relevante a que acresceu o facto de se apoiar apenas num movimento de cidadania que terá de evoluir rapidamente para partido político para se poder candidatar às eleições legislativas do próximo mês de Junho. Estrutura-se, basicamente, em torno da antiga UDF, a que se vão juntar uma série de independentes unidos por um programa que congregou desde a esquerda democrática à direita democrática. Macron ganhou mas só agora vão começar as suas verdadeiras dores de cabeça. A primeira talvez seja logo a da nomeação do seu primeiro-ministro. Depois, a de conseguir reunir um apoio parlamentar maioritário para o seu governo. O “En Marche” – que, entretanto, já evoluiu para “La République En Marche” – se não lograr maioria absoluta no próximo Parlamento, terá de optar por se virar para a sua esquerda, onde encontrará os resquícios dum Partido Socialista desfeito e uma esquerda radical unificada em torno da “França Insubmissa”, ou para a sua direita, onde se deparará com Os Republicanos em crise de identidade e uma Frente Nacional apostada em liderar a oposição ao governo de Macron. Donde, serem grandes as probabilidades de o próximo governo de França vir a resultar duma mais que provável aliança entre o “La République En Marche” e Os Republicanos – no quadro dum parlamento mais pulverizado, mais dividido e mais fracionado. Composta sua maioria parlamentar, irá Macron ter de se centrar nos diferentes dossiers da sua governação. Atendendo às competências constitucionais do Presidente da República francesa, o dossier europeu terá de estar entre as suas prioridades. A eurocracia de Bruxelas e a generalidade dos governos europeus congratulou-se com a vitória de Macron. Este, porém, ao lado da afirmação no projeto europeu, já deixou avisos claros de que a Europa da União tem de mudar e de se reformar, sob pena de desaparecer ou se diluir. Há cinco anos, Hollande disse quase o mesmo – e depois foi o que se viu. Daí que, seja bom dar tempo a Macron para avaliarmos o seu projeto europeu, as suas ideias e a sua capacidade de mobilização da própria França para o projeto europeu. Também aqui a euforia do passado domingo pode ter sido manifestamente prematura.
Em síntese, de Paris veio um voto que serviu, apenas, para um relativo alívio face às preocupações que emergiam. Um alívio, mas apenas um alívio relativo. Pela frente vão-se deparar desafios de magnitude ainda imprevisível.
by João Pedro Simões Dias | Abr 26, 2017 | Jornal Económico
Quando o General de Gaulle fundou a V República francesa, nos idos de 1958, um dos pressupostos subjacente ao sistema político que a Constituição de 4 de outubro desse ano consagrou era o de que o Presidente da República e Chefe de Estado, eleito diretamente pelos cidadãos, seria uma espécie de chefe de fila ou líder de facto do partido ou movimento político que fosse maioritário na Assembleia Nacional de Paris. Enquanto líder de facto dessa maioria, designaria o seu Primeiro-Ministro o qual, depois de obtida a confiança presidencial, deveria ser confirmado pelo Parlamento. Esta estreita ligação que se estabelecia entre o Presidente, o seu Governo e a Assembleia Nacional eram, por assim dizer, a garantia da estabilidade e do funcionamento do sistema político gaulês. Quando, com Mitterrand, pela primeira vez, a sintonia foi quebrada, assistimos ao nascimento dos primeiros governos de coabitação, caracterizados, basicamente, por uma desconformidade entre as maiorias presidencial e parlamentar – com esta a impor os seus governos ao titular do Eliseu.
As eleições do passado domingo, porém, apesar de terem sido apenas a primeira volta das presidenciais, ao deixarem antever com alto grau de probabilidade a vitória do centrista Emmanuel Macron na segunda volta, podem trazer para o sistema político francês um dado totalmente novo, eventualmente capaz de testar aos limites esse mesmo sistema político-constitucional. Emmanuel Macron, o ex-Ministro de François Hollande que se demitiu para se poder lançar nesta aventura presidencial, apresta-se a ser Presidente da República de França sem ter atrás de si um partido político, suportado apenas na existência de um movimento cívico “Em Marcha” que ele próprio constituiu há cerca de um ano mas que, fruto da sua debilidade, dificilmente poderá evoluir para um partido político a tempo, por exemplo, de disputar as eleições legislativas do próximo mês de Junho. Ou seja, pela primeira vez desde a criação da V República, e contrariamente a um dos pressupostos e alicerces desta, a França poderá vir a ter um Presidente da República independente dos partidos políticos com assento na Assembleia Nacional. Mas um Presidente da República, ao mesmo tempo, que não poderá deixar de prestar atenção à composição que vier a ter a Assembleia Nacional posto que, desde logo, será ela que terá o encargo e a missão de viabilizar o novo Primeiro-Ministro e o novo Governo que vierem a ser escolhidos pelo futuro Presidente da República.
Se, a esta originalidade, acrescentarmos o facto, inegável, de os tradicionais partidos do sistema político francês ou já terem implodido há muito ou se encontrarem em fase de completa implosão ou descredibilização (o PCF há muito que deixou de contar; o PSF sofreu uma derrota histórica com a performance do seu candidato presidencial no passado domingo; os republicanos, antigos gaullistas, encontram-se profundamente divididos e em processo de ajuste de contas interno; só a Frente Nacional parece resistir e firmar-se como o primeiro partido político francês e o que mais deputados obteria se não fosse penalizado por um sistema eleitoral maioritário a duas voltas) estarão reunidas as condições ideais para uma tempestade quase perfeita no centro do sistema político francês: um Presidente sem Partido, uma Assembleia de pluripartidária e de partidos enfraquecidos e um governo a ter de depender de ambos.
Ora, a ser este o cenário a sair da segunda volta das presidenciais, dentro de duas semanas, e das legislativas do próximo mês de Junho, chegaremos facilmente à conclusão que a situação política em França se aproximará muito mais daquela que caracterizou a IV República do que da que resultou da implantação da V República e que pretendeu terminar com toda a instabilidade que até aí a França conhecia e vivia.
A ser assim, teremos a V República francesa levada ao extremo da sua viabilidade, com um dos princípios básicos em que a mesma assentava a ser posto em causa e a atingir o centro do seu sistema político. Poderá ser o prenúncio de uma alteração que se venha a refletir no próprio texto fundador desta V República inaugurada por De Gaulle com o apoio e o suporte de um referendo popular. Que o mesmo será dizer – poderemos estar na antecâmara de uma reforma constitucional que, em França, funde a VI República, sob os escombros da República gaullista, dos seus partidos tradicionais e do seu próprio sistema político. Acredito que já estivemos mais longe desse novo momento (re)fundador.