by João Pedro Simões Dias | Jun 21, 2017 | Jornal Económico
Concluiu-se no passado domingo uma série de sufrágios eleitorais em França, com quatro idas às urnas por parte dos franceses em dois escassos meses (duas voltas das eleições presidenciais e duas voltas das eleições legislativas). Se as eleições presidenciais constituíram um verdadeiro terramoto político que ameaçou destroçar os partidos políticos clássicos do sistema partidário francês, potenciando a eleição de um “Presidente-sem-Partido”, apoiado num movimento cívico que cortou transversalmente o centro político-partidário francês, relegando os candidatos “do sistema” para uma posição secundária, as eleições legislativas que se seguiram não só confirmaram esse terramoto, varrendo do mapa parlamentar tanto Republicanos como Socialistas e Comunistas (e até nacionalistas que, verdade se diga, nunca tiveram representação parlamentar de relevo), como determinaram a emergência duma enorme maioria absoluta centrista, sob a sigla do LREM (La Republique em Marche), maioria tão grande que, repare-se no pormenor, não encontrou na monumental Assembleia Nacional de Paris sala de apoio suficientemente grande para a receber e reunir todos os seus deputados.
Com um total de 350 deputados eleitos, num universo de 577 parlamentares, a maioria LREM/MODEM logrou alcançar a maior maioria absoluta alcançada por uma força política de suporte presidencial durante a vigência já longa da Constituição da V República.
Ora, este resultado imenso obtido por Emmanuel Macron vai, por paradoxal que possa parecer, levantar-lhe um imenso problema, mas também conferir-lhe uma imensa oportunidade.
O imenso problema que esta imensa maioria absoluta vai começar por colocar ao seu líder passa, desde logo, por conseguir geri-la. Não será fácil nem será simples ao Presidente Macron gerir uma maioria que preenche 60% do hemiciclo parlamentar. É uma maioria grande em demasia e, portanto, atreita ou propícia a conter no seu seio o gérmen das suas próprias contradições, das suas próprias divisões, no fundo, de pagar o tributo da sua pluralidade. Porque não haja dúvidas – formado em menos de um ano e tendo como polo agregador apenas a figura do Presidente da República recém-eleito, ninguém pode esperar da nova maioria absoluta que suportará o governo nomeado por Macron uma dose de coerência, de coesão doutrinária ou de harmonia ideológica. Surgindo originalmente como um movimento da sociedade civil que evoluiu para partido político em função das necessidades, a sua justificação prendeu-se mais com a rejeição dos partidos clássicos do sistema do que com a afirmação de qualquer linha doutrinária, ideológica ou programática coerente e uniforme.
Porém, por outro lado, é inegável que esta imensa maioria representa também uma oportunidade única para o novo Presidente da República francesa introduzir na sociedade francesa a vasta agenda de reformas que se propôs introduzir. Posto é que, previamente, consiga resolver e solucionar a questão que atrás identificámos: que consiga controlar e “ter mão” na sua imensa maioria parlamentar. É que, controlado este imenso grupo parlamentar, e beneficiando da legitimidade recém-recebida do eleitorado francês, Macron dispõe de condições políticas e legislativas únicas e verdadeiramente ímpares de que, nunca antes dele, nenhum outro Presidente da V República beneficiou ou conheceu.
É, por isso e a essa luz, uma verdadeira “era Macron” que se abre na política interna francesa. Na política interna francesa mas, também, e no que aqui agora nos interessa considerar, na própria política europeia. Durante anos a fio, a França (de Mitterrand) constituiu, com a Alemanha (do recém-falecido Helmut Kohl) o motor de arranque da própria União Europeia. Se a Alemanha aportava ao projeto europeu a força da sua pujança económica, a França dava-lhe a respeitabilidade da sua autoridade política. Atualmente a Alemanha continua forte economicamente, mas tem faltado quem aporte ao projeto europeu respeitabilidade política. A França de Macron pode voltar a desempenhar esse papel – assim o seu novo Presidente consiga realizar e concretizar a agenda europeia com base na qual, também, foi eleito. É, a todos os títulos, uma esperança renovada que surge no panorama político europeu. O tempo dirá se a saberá encarnar e protagonizar ou se, pelo contrário, se transformará em mais uma deceção para quem anseia voltar a ver estadistas, e não apenas governantes, ao leme da Europa.
by João Pedro Simões Dias | Jun 7, 2017 | Diário de Aveiro
Amanhã, quinta-feira, a atenção política europeia vai centrar-se no Reino Unido: os britânicos voltam a ir às urnas, ainda que desta vez num contexto especial. O acto eleitoral foi convocado pela primeira-ministra Theresa May para reforçar e relegitimar o seu governo que tem pela frente a espinhosa tarefa de negociar e concretizar um Brexit escolhido, há precisamente um ano, na sequência de uma consulta popular convocada pelo então primeiro-ministro David Cameron.
Não chegasse, todavia, este particular contexto envolvente do acto eleitoral de amanhã, dá-se ainda o caso de o mesmo nos aparecer, inevitavelmente, condicionado pelos atentados terroristas que o Reino Unido tem sofrido – em Londres, em Manchester e, no passado fim-de-semana, de novo na capital britânica.
Ambos os factos – a postura de Theresa May ante o Brexit, ela que fez campanha pelo “Remain” no referendo do ano passado e, de repente, viu-se a braços com a liderança de um governo que tinha por principal tarefa, justamente, concretizar o Brexit; e a escalada do terrorismo islâmico radical e extremista no Reino Unido, contra o qual todo o empenho e perseverança da polícia britânica se tem revelado insuficiente – são suficientes para deixar em aberto todas as previsões sobre qual poderá vir a ser o veredicto das urnas, pese embora, à data de convocação deste acto eleitoral, os conservadores beneficiassem de mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas.
Porém, a sucessão recente de erros do governo de May e a sua postura arrogante, por exemplo recusando participar em quaisquer debates eleitorais, poderão custar-lhe uma maioria em Westminster tão confortável como aquela de que presentemente beneficia. E assim, paradoxalmente, umas eleições que foram convocadas para darem suporte a um governo fortalecido e relegitimado eleitoralmente poderão acabar por conduzir a um governo comparativamente mais débil, menos forte e em condição mais desvantajosa para negociar com Bruxelas a saída do Reino da União. No fundo seria, a outra escala, a repetição do acontecido há um ano com a convocação do referendo sobre o Brexit por David Cameron: as previsões saíram furadas, o tiro saiu pela culatra. O eleitorado afirmou, de forma inequívoca, que nem sempre os governantes de turno sabem interpretar o seu sentir. O que sucedeu no referendo do ano passado, poderá vir a repetir-se nas eleições de amanhã. Não seria surpreendente.
Mas logo a seguir às eleições britânicas, teremos no próximo domingo, outro acto eleitoral de extraordinário relevo para a Europa – a primeira volta das eleições legislativas francesas.
Será o primeiro teste verdadeiro à recém-estreada presidência de Emmanuel Macron e, sobretudo, à capacidade que este teve, ou não, para dar um mínimo de forma institucional ao amplo movimento político e de cidadania que há poucas semanas o conduziu ao Eliseu. Macron tornou-se Presidente da República de França mercê de uma improvável conjugação de votos que cortou transversalmente a sociedade francesa, do centro-esquerda ao centro-direita. Beneficiou de muitos votos negativos, sobretudo daqueles que descreram no sistema político-partidário francês – desde os que quiseram recusar Le Pen aos que pretenderam censurar Fillon e penalizar Hollande e os respectivos partidos. O desafio que o novo Presidente tem, agora, pela frente, traduz-se em conseguir que o seu “La République En Marche” fidelize e sustenha uma parte significativa dos votos que ele reuniu. Se o conseguir fazer, nomeadamente se lograr uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, a sua tarefa de governação será significativamente simplificada; se não lograr alcançar este desiderato e tiver de encetar uma política de alianças num parlamento previsivelmente mais fragmentado, com elevada representação da Frente Nacional, com os partidos tradicionais do sistema – republicanos gaullistas e socialistas – debilitados e enfraquecidos e uma extrema-esquerda previsivelmente bem representada, a tarefa da governação começará a complicar-se. Desde logo porque será necessário negociar uma maioria parlamentar que suporte o próprio governo.
A primeira volta destas eleições legislativas, a realizar no próximo domingo, já nos dará um cenário minimamente consistente que permita antecipar o resultado final e a composição definitiva da Assembleia Nacional francesa. A política europeia dos próximos anos vai depender, também, muito daquilo que vier a ser essa composição e das condições de governabilidade de que o Presidente francês venha a dispor.
E para completar a “trilogia” eleitoral teremos de esperar pelo próximo mês de Setembro – quando os alemães forem às urnas para eleger o seu Parlamento donde sairá o seu próximo governo. Decerto – ainda falta muito tempo para esse acto eleitoral. Mas é inquestionável que estas três eleições legislativas nos três (ainda) principais Estados da União Europeia, a par das passadas eleições presidenciais francesas, irão determinar parte significativa da Europa dos tempos próximos. E determinando o futuro da Europa, é o nosso próprio futuro que estará em jogo e em causa. Desengane-se, pois, quem pensar que se tratam de actos eleitorais relativamente aos quais nos poderemos dar ao luxo de sermos alheios ou indiferentes.
Em nenhum deles poderemos votar. Mas é inegável e inquestionável que, todos eles, no seu conjunto, nos afectam, nos dizem respeito e condicionarão e determinarão o nosso futuro.
by João Pedro Simões Dias | Mai 10, 2017 | Jornal Económico
Continua a ser incontornável uma pequena reflexão, mais a frio e sem a pressão da noite eleitoral, sobre o resultado da segunda volta das eleições presidenciais francesas do passado domingo. A primeira sensação registada, de uma certa euforia, foi rapidamente contida e refreada. Passou muito pouco tempo sobre a vitória de Emmanuel Macron para que os excessos fossem travados e contidos ante a magnitude de desafios que o novo Presidente terá pela frente.
Sem grande preocupação de ordenação cronológica, (i) a escolha do próximo Primeiro-Ministro francês, (ii) a implantação ao longo dos 577 círculos eleitorais franceses do seu movimento de cidadãos “En Marche” – que, entretanto, já evoluiu para um movimento político denominado “La République En Marche” –; (iii) a composição do próximo governo; (iv) a decisiva batalha eleitoral das legislativas; (v) a formação de uma aliança governativa que permita sustentar parlamentarmente o novo governo numa Assembleia Nacional onde o chamado arco do poder ou da governabilidade será restrito ao movimento-partido presidencial, aos Republicanos em acentuada crise de identidade e liderança e ao que restará dos escombros do outrora grande Partido Socialista francês, dado que, nos extremos, nem a “França Insubmissa” de Mélénchon nem a Frente Nacional de Le Pen poderão ou estarão interessadas em contar para essas contas; (vi) e finalmente, mas não por último, o lançamento das suas primeiras medidas governativas que tranquilizem a França e os seus parceiros europeus sobre o rumo da sua governação. Convenhamos – para um horizonte temporal de trinta dias, até ao próximo ato eleitoral, espécie de terceira volta da eleição presidencial, a tarefa não é leve e os desafios apresentam-se deveras exigentes.
Dar resposta a todos estes desafios, no quadro de uma base de apoio eleitoral extraordinariamente alargada e heterodoxa, sem um princípio coerente e unificador, irá traduzir-se numa era de incerteza que, dependendo da forma como for ultrapassada, poderá (ou não) vir a pôr em causa os fundamentos do próprio sistema político da V República inaugurada pelo General De Gaulle e, eventualmente, abrir as portas para a Constituição da VI República. Até porque, a par de todas estas questões políticas – que, como vimos, não são despiciendas – há uma questão maior, subjacente a todas elas, que não pode ser descurada.
Centrando-nos nos resultados do passado domingo, e nos votos obtidos pelos candidatos, constata-se que Marine Le Pen, apesar de derrotada, logrou alcançar 36,5% dos sufrágios e, praticamente, 11 milhões (!) de votos. Demonstrou-se que conseguiu segurar o seu eleitorado da primeira volta e entrar em largos campos do eleitorado tradicional republicano-gaullista – a ponto de Marine ter reclamado, no seu discurso de derrota, a liderança da futura oposição. Ora, convém determo-nos um pouco neste ponto. Onze milhões de votos é score nunca alcançado pela Frente Nacional. E mesmo que, nas próximas eleições legislativas, dentro de um mês, a FN não faça o pleno deste resultado, não haverá dúvidas que obterá um resultado que lhe permitirá eleger para a próxima Assembleia Nacional um grupo parlamentar significativamente superior aos 2 deputados que têm presentemente. Um grupo parlamentar que poderá condicionar significativamente o próprio Parlamento francês e a governabilidade do país. E é este o facto que nos deve preocupar e interrogar – o que é que faz com que, num país central da Europa, com a história e a tradição de França, existam 11 milhões de pessoas dispostas a entregarem o seu voto a uma candidata nacionalista, populista e extremista? Esta é a questão que nos deve preocupar e levar a uma séria reflexão. E é uma questão que apenas foi ofuscada com a vitória de Macron – mas que não se encontra respondida nem, muito menos, resolvida. E que num prazo não muito longínquo poderá levantar sérios problemas à França e, por extensão, à própria Europa, particularmente à da União. O facto de este projeto político, com mais de 40 anos de gestação, ter sido derrotado, não nos deve tranquilizar nem apaziguar as nossas preocupações e as nossas consciências. O perigo do nacionalismo populista e extremista continua à espreita, no centro da Europa, na pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade – e à mínima escorregadela do funcionamento do sistema político liberal implantado nas sociedades ocidentais, a alternativa pode estar ao virar da esquina.
by João Pedro Simões Dias | Mai 10, 2017 | Diário de Aveiro
Foi com algum alívio que a Europa encarou os resultados da segunda volta das eleições presidenciais francesas do passado domingo. A vitória de Emmanuel Macron era esperada, a derrota de Marine Le Pen era bastante desejada mas, à primeira vista, os números finais ultrapassaram as melhores expectativas de uns e de outros – tanto dos que desejavam a vitória de Macron como dos que ansiavam pela derrota de Le Pen. Mas esta foi a primeira e mais imediata leitura dos referidos resultados. Aquela que conferiu a tal sensação de alívio a quem se limitou a ver, pelo canto do olho, os números projectados e divulgados por televisões, rádios e jornais. Uma atenção e uma leitura mais fina e aprofundada dos mesmos conduz-nos, inevitavelmente a outro tipo de conclusões e suporta várias outras reflexões.
O primeiro dado que convém ter presente é que, apesar de termos estado perante uma segunda volta de eleições presidenciais, a taxa abstenção registada foi a mais alta desde 1969, aproximando-se dos 25%. Ou seja, um em cada quatro eleitores franceses virou as costas ao ato eleitoral e demonstrou a sua indiferença perante o que esteve em jogo. Não será de excluir que uma parte significativa dos abstencionistas haja tido origem no movimento insubmisso de Mélénchon – a esquerda radical francesa que sempre sustentou ser necessário derrotar Marine Le Pen sem, contudo, nunca se ter atrevido a recomendar o voto em Emmanuel Macron. Obtendo cerca de 20% dos votos na primeira volta e não formulando uma orientação de voto para a segunda volta, antes permanecendo no limbo da ambiguidade, é plausível que parte significativa deste eleitorado haja optado pelo voto abstencionista – uma outra e diferente forma de exercer o direito de voto.
Para além desta elevadíssima taxa abstencionista, as eleições presidenciais do passado domingo, conheceram uma anormalmente elevada taxa de votos nulos e brancos – quase 12%. Outro (anormal e negativo) recorde.
Centrando-nos nos votos obtidos pelos candidatos, Marine Le Pen, apesar de derrotada, logrou alcançar 36,5% dos sufrágios e, praticamente, 11 milhões (!) de votos. Demonstrou-se que conseguiu segurar o seu eleitorado da primeira volta e entrar em largos campos do eleitorado tradicional republicano-gaullista – a ponto de Marine ter reclamado, no seu discurso de derrota, a liderança da futura oposição. Ora, convém determo-nos um pouco neste ponto. Onze milhões de votos é score nunca alcançado pela Frente Nacional. E mesmo que, nas próximas eleições legislativas, dentro de um mês, a FN não faça o pleno deste resultado, não haverá dúvidas que obterá um resultado que lhe permitirá eleger para a próxima Assembleia Nacional um grupo parlamentar significativamente superior aos 2 deputados que têm presentemente. Um grupo parlamentar que poderá condicionar significativamente o próprio Parlamento francês e a governabilidade do país. E é este o facto que nos deve preocupar e interrogar – o que é que faz com que, num país central da Europa, com a história e a tradição de França, existam 11 milhões de pessoas dispostas a entregarem o seu voto a uma candidata nacionalista, populista e extremista? Esta é a questão que nos deve preocupar e levar a uma séria reflexão. E é uma questão que apenas foi ofuscada com a vitória de Macron – mas que não se encontra respondida nem, muito menos, resolvida. E que num prazo não muito longínquo poderá levantar sérios problemas à França e, por extensão, à própria Europa, particularmente à da União. O facto de este projecto político, com mais de 40 anos de gestação, ter sido derrotado, não nos deve tranquilizar nem apaziguar as nossas preocupações e as nossas consciências. O perigo do nacionalismo populista e extremista continua à espreita, no centro da Europa, na pátria da liberdade, da igualdade e da fraternidade – e à mínima escorregadela do funcionamento do sistema político liberal implantado nas sociedades ocidentais, a alternativa pode estar ao virar da esquina.
Centremo-nos no vencedor. Emmanuel Macron superou todas as previsões, inclusive as mais favoráveis, que lhe davam a vitória. Congregou o voto de 2/3 dos franceses; 66% do eleitorado gaulês confiou num político sem experiência política relevante a que acresceu o facto de se apoiar apenas num movimento de cidadania que terá de evoluir rapidamente para partido político para se poder candidatar às eleições legislativas do próximo mês de Junho. Estrutura-se, basicamente, em torno da antiga UDF, a que se vão juntar uma série de independentes unidos por um programa que congregou desde a esquerda democrática à direita democrática. Macron ganhou mas só agora vão começar as suas verdadeiras dores de cabeça. A primeira talvez seja logo a da nomeação do seu primeiro-ministro. Depois, a de conseguir reunir um apoio parlamentar maioritário para o seu governo. O “En Marche” – que, entretanto, já evoluiu para “La République En Marche” – se não lograr maioria absoluta no próximo Parlamento, terá de optar por se virar para a sua esquerda, onde encontrará os resquícios dum Partido Socialista desfeito e uma esquerda radical unificada em torno da “França Insubmissa”, ou para a sua direita, onde se deparará com Os Republicanos em crise de identidade e uma Frente Nacional apostada em liderar a oposição ao governo de Macron. Donde, serem grandes as probabilidades de o próximo governo de França vir a resultar duma mais que provável aliança entre o “La République En Marche” e Os Republicanos – no quadro dum parlamento mais pulverizado, mais dividido e mais fracionado. Composta sua maioria parlamentar, irá Macron ter de se centrar nos diferentes dossiers da sua governação. Atendendo às competências constitucionais do Presidente da República francesa, o dossier europeu terá de estar entre as suas prioridades. A eurocracia de Bruxelas e a generalidade dos governos europeus congratulou-se com a vitória de Macron. Este, porém, ao lado da afirmação no projeto europeu, já deixou avisos claros de que a Europa da União tem de mudar e de se reformar, sob pena de desaparecer ou se diluir. Há cinco anos, Hollande disse quase o mesmo – e depois foi o que se viu. Daí que, seja bom dar tempo a Macron para avaliarmos o seu projeto europeu, as suas ideias e a sua capacidade de mobilização da própria França para o projeto europeu. Também aqui a euforia do passado domingo pode ter sido manifestamente prematura.
Em síntese, de Paris veio um voto que serviu, apenas, para um relativo alívio face às preocupações que emergiam. Um alívio, mas apenas um alívio relativo. Pela frente vão-se deparar desafios de magnitude ainda imprevisível.
by João Pedro Simões Dias | Fev 22, 2017 | Diário de Aveiro
Foi no final da passada semana que, na habitual Conferência sobre Segurança que costuma reunir anualmente em Munique os principais líderes mundiais com a comunidade académica e científica transatlântica, o ministro dos negócios estrangeiros russo, Sergei Lavrov, pediu o fim da ordem mundial dominada pelo Ocidente e afirmou que Moscovo pretende estabelecer uma relação “pragmática” com os EUA. O governante russo adiantou que o tempo em que o Ocidente disparava acabou e, considerando a NATO como uma relíquia da Guerra Fria, afirmou: “Espero que o mundo venha a escolher uma ordem mundial democrática – uma ordem pós-Ocidente – em que cada país é definido pela sua própria soberania”. Esta intervenção teve a particularidade de se seguir à do Vice-Presidente norte-americano, Mike Pence que, falando em nome do Presidente Donald Truman, reiterou a fidelidade e o empenho dos EUA na Aliança Atlântica desde que, não se esqueceu de o reafirmar, os restantes Estados-membros suportem a respectiva quota-parte nas despesas da organização.
Historicamente este desejo de Moscovo ver surgir uma ordem internacional pós-ocidental – que talvez melhor se apelidasse de uma ordem internacional pós-NATO – não constitui em si mesmo nenhuma novidade. É um tema recorrente no discurso internacional de Moscovo que conheceu particular acuidade nos tempos que se seguiram à queda da União Soviética e ao desmantelamento de todas as organizações internacionais que esta patrocinava, nomeadamente o Pacto de Varsóvia. Já na altura – finais dos anos oitenta, princípios dos anos noventa do século passado – nomeadamente quando Kohl e Gorbachov discutiam o processo de reunificação da Alemanha, uma das pretensões ou exigências de Moscovo passou pelo desmantelamento da Aliança Atlântica e, depois, pela solene afirmação de que nunca permitiria que uma Alemanha reunificada integrasse a Aliança Atlântica. Sabe-se o que aconteceu: a NATO permaneceu e a Alemanha reunificada manteve a sua presença no quadro da organização. Posteriormente, poucos anos volvidos, ouviram-se semelhantes exigências aquando do processo de adesão dos Estados bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) à Aliança. Moscovo voltou a sustentar que a NATO deveria ser dissolvida e que os Estados bálticos, antigas repúblicas socialistas soviéticas integrantes da extinta URSS, nunca adeririam à organização. Sabe-se, também, o que aconteceu: não só a NATO subsistiu como, entre 1999 e 2004, acabariam por integrar a Aliança uma série de Estados que uma década antes constituíam satélites soviéticos na Europa: a Hungria, a Polónia, a República Checa, a Bulgária, a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Roménia, a Eslováquia e a Eslovénia. Ou seja, uma vez mais a cruzada soviético-russa contra a Aliança Atlântica havia fracassado. E percebem-se bem as razões desta obstinação soviético-russa contra a Aliança ocidental.
Tendo perdido, objetivamente, sem apelo nem agravo, a guerra-fria; tendo visto o seu império esboroar-se como um castelo de cartas com os Estados dominados e os Estados-satélites a escolherem, um após outro, o campo ocidental e livre; com o comunismo, a ideologia mater do império a ser reduzida à sua mais absoluta irrelevância, passando num ápice de ideologia temida que assustava muitos a ideologia errónea que deixou de assustar quem quer que fosse – toda esta sucessão de factos e de acontecimentos foi alcançada pelo mundo livre e ocidental sob o manto protetor da NATO, a aliança transatlântica que associava os Estados Unidos aos Estados europeus ocidentais que haviam formado a meia-Europa livre do pós-segunda guerra mundial. Nessa medida, se alguém pode, legitimamente, reivindicar o título de vencedor da guerra-fria, esse alguém foi, objetivamente, a Aliança Atlântica, fruto da visão, da estratégia, da firmeza e da determinação dos seus líderes que nunca tergiversaram nem nunca cederam ante as mais diversas manobras, infiltrações e manipulações da opinião pública ocidental (lembram-se do “antes vermelhos que mortos”?) ensaiadas por Moscovo. A eles e à geração desses líderes de referência, de ambos os lados do Atlântico, devemos hoje o facto de vivermos em liberdade e de a NATO haver ganho a guerra-fria.
Moscovo sabe disso perfeitamente e nunca lidou bem com essa evidência. Como continua a não lidar. E por isso, no momento em que os Estados Unidos, o principal membro da Aliança Atlântica e a superpotência sobrante do mundo da guerra-fria, vive um estado de transtorno geral fruto das errâncias da sua nova administração, Moscovo volta, uma vez mais, ao seu tema de estimação: é preciso que a NATO desapareça; a NATO é um resquício do mundo da guerra-fria; é preciso uma nova ordem internacional pós-ocidental, que o mesmo é dizer, pós-NATO. Ou seja, em termos muito simples, uma nova ordem internacional onde o papel liderante se transfira dos Estados Unidos para a Rússia. No fundo, foi isto que Sergei Lavrov foi defender a Munique no final da semana passada. É criticável? De forma alguma – é a Rússia a defender os seus interesses. Da mesma forma que defende os seus interesses quando interfere nas eleições norte-americanas ou quando subsidia a Frente Nacional de Le Pen com milhões de dólares. Fazendo-nos ver que estes interesses diferem em muito pouco dos que foram os interesses territorialmente expansionistas da defunta União Soviética e que coincidem ainda mais com os métodos de atuação que esta desenvolvia nos tempos da guerra-fria, comprando a fidelidade de parte das opiniões públicas ocidentais. Cabe-nos a nós, cabe ao Ocidente, cabe aos Estados ocidentais, hoje como inúmeras vezes no passado, manterem-se coesos na defesa da sua aliança transatlântica e evidenciarem que não estão interessados em viver nessa tal ordem pós-ocidental que Moscovo propugna e defende.
Não será uma tarefa fácil, tanto mais que, atualmente, as nossas lideranças ocidentais não se comparam às que outrora fizeram frente às ambições do Kremlin. A começar, obviamente, na liderança norte-americana. Mas no dia em que for admitida, ainda que no puro plano teórico, a possibilidade de se evoluir para o tal mundo pós-ocidental defendido por Moscovo, estejamos bem cientes que nada será como dantes.
E que pouco sobrará do Ocidente para contar a sua história. Putin não costuma brincar em serviço.