by João Pedro Simões Dias | Out 21, 2008 | O Diabo
O último Conselho Europeu reuniu sob auspícios da grave crise económica e financeira que perpassa praças e mercados cada vez mais globalizados e, por isso mesmo, cada vez mais sujeitos às mútuas e recíprocas influências que entre si se vão estabelecendo. Atendendo à gravidade da crise, talvez fosse difícil ser de outra forma; talvez fosse impossível não ser esse o tema dominante da Cimeira. Nesse plano, portanto, nenhuma novidade merece realce ou destaque.
O que, eventualmente, merecerá uma reflexão será o caminho percorrido pelos líderes europeus que antecedeu e preparou as deliberações adoptadas formalmente pelo Conselho Europeu. Recordemos esse caminho.
A 4 de Outubro, numa «mini-cimeira», os líderes dos quatro países europeus que integram o G8 – que continua a ser o verdadeiro centro do poder do mundo globalizado do pós-guerra-fria – Nicolas Sarkozy, Angela Merkel, Silvio Berlusconi e Gordon Brown, juntamente com Durão Barroso, reuniram em Paris e acordaram solicitar ao BEI 31,5 MM de euros para apoio às pequenas e médias empresas e às instituições bancárias europeias que mostrem dificuldade em suportar a crise mundial.
Uma semana depois, a 12, durante a cimeira dos Chefes de Estado ou de Governo dos Quinze países do euro – espécie de «Conselho Europeu do Euro» que Sarkozy convocou para reunir pela primeira vez na história – os governos de Portugal, Espanha, França, Alemanha, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Itália, Grécia, Irlanda, Áustria, Finlândia, Eslovénia, Malta e Chipre não só ratificaram o que fora decidido uma semana antes como assumiram o compromisso de garantir os novos empréstimos entre os bancos no seu território, de modo a desbloquear o mercado do crédito interbancário, através de garantias de Estado, sobre empréstimos contraídos até 31 de Dezembro de 2009 – compromisso acordado «a 15» devendo ser apresentado aos restantes 12 Estados-Membros da UE na Cimeira do Conselho Europeu.
Nesta, na Cimeira propriamente dita, o Conselho Europeu (i) consensualizou o alargamento aos 27 do acordo alcançado pelos 15 da zona euro no sentido de garantir os empréstimos intra-bancários e a recapitalização, se necessário, dos bancos comerciais – para além de (ii) chegar a acordo sobre a necessidade de uma reforma profunda no sistema financeiro mundial; (iii) proclamar a necessidade de uma cimeira internacional com a presença dos líderes de todas as grandes economias, incluindo as dos países emergentes, para debater a questão do sistema financeiro mundial; (vi) reafirmar os compromissos em matéria de política energética e climática, apesar das objecções levantadas por vários países devido aos custos dos mesmos numa altura de desaceleração económica; e (iv) adoptar formalmente o Pacto para a Imigração e Asilo.
Aqui chegados, e independentemente do mérito das deliberações adoptadas – que conseguiram transmitir a ideia de uma Europa concertada para encarar a crise mundial e que foram tributárias da acção precursora de Gordon Brown no Reino Unido – impossível será não concluir que o núcleo fundamental dessas mesmas deliberações acabou por ser fruto, em primeira e última instância, do que foi decidido pelas quatro grandes potências económicas da Europa da União, posteriormente confirmado pelo «Conselho Europeu do Euro» e, finalmente, comunicado e aceite aos restantes 12 Estados da UE. Foi, a todos os títulos, um processo decisório sui generis, em que as deliberações essenciais foram adoptadas por uma sucessão de círculos concêntricos e cada vez mais alargados e em cuja origem se encontra o directório das quatro grandes economias da UE.
É provável que, no cenário atual e face à gravidade da situação, não pudesse ter sido de outro modo e não tivesse sido possível outra metodologia. A questão que permanece em aberto, todavia, é a de saber se o método e o modelo adotados foram excecionais, em vista da excecionalidade da própria crise internacional, ou se, pelo contrário, vieram para ficar e não caminharemos a passos largos nesta Europa da União cada vez mais alargada e cada vez menos preparada institucionalmente para responder aos grandes desafios que o mundo lhe lança, para que o método agora seguido se transforme em procedimento-regra, reconstruindo velhas práticas de diretório que, quando observadas, nunca conduziram a Europa a tempos de felicidade. Ora, numa Europa cada vez mais à la carte – onde, fruto de sucessivos e mal preparados alargamentos, cada vez mais se registam várias velocidades de integração política e económica, sendo uns os Estados que aderem ao Euro, outros os que partilham Schengen, outros os que reclamam diferentes opting-outs e outros ainda, por exemplo, os que desejam reforçar a sua integração política e até mesmo militar – a resposta a esta questão permanece em aberto e por esclarecer. No entretanto a ameaça de uma Europa de diretório volta a assomar à porta dos europeus.
by João Pedro Simões Dias | Jan 23, 2005 | Diário
[Chicago, Illinois, EUA] O discurso de Tony Blair no Parlamento Europeu, para apresentar o programa da próxima presidência britânica da União Europeia, permitiu evidenciar, mais uma vez, o clima de crise política e económico-financeira que atravessa a Europa da União. A que se soma agora – e a alocução evidenciou-o de forma clara – um dispensável e de todo indesejável clima de crispação pessoal entre alguns dos líderes europeus.
A partir de Chicago (Illinois, EUA) e aproveitando as maravilhas do progresso técnico, tivemos oportunidade de produzir um primeiro comentário sobre o discurso de Mr Blair aos microfones da TSF poucos minutos depois de o mesmo ter terminado – comentário que aqui agora se reproduz de forma desenvolvida.
A primeira reflexão que se impõe fazer é que Tony Blair se viu na contingência de ter de fazer uma profissão de fé no ideal europeu e declarar-se um “apaixonado” pela Europa e pela União Europeia – talvez venha a propósito, aqui, agora, recordar que a paixão é um estado de alma passageiro e transitório, que na maior parte das vezes vai com a mesma rapidez com que vem… O primeiro-ministro britânico, que saiu da última cimeira europeia com o anátema da responsabilidade pelo fracasso da mesma no plano das perspectivas financeiras, escolheu claramente a sede parlamentar da União para se defender dos ataques e das pressões sofridas em público (e presume-se que em privado, durante os trabalhos do Conselho Europeu) – e esse caminho não beneficia o clima institucional no quadro da União Europeia, pois o Parlamento Europeu não deve servir de contrapeso ao Conselho nem de caixa de ressonância de problemas deixados em aberto e por resolver na sede intergovernamental.
Por outro lado, perpassou por quase todo o discurso de Blair a sombra do Presidente francês Jacques Chirac. Sem nunca ter citado ou mencionado o chefe de Estado francês, foi para Paris e para o Palácio do Eliseu que a maior parte dos recados deixados por Blair se dirigiram. E não foram recados meigos ou simpáticos. Desde logo quando afirmou taxativamente que a crise europeia não é institucional mas é de lideranças, recordando (bem) que não foram artigos concretos do tratado que estabelece uma Constituição para a Europa que foram derrotados nos referendos – mas sim políticas concretas personificadas e interpretadas por líderes concretos. Era impossível Blair ser mais directo em mensagem dirigida ao Eliseu. Pena foi não ter explicado se manteria a sua tese se, como todos os estudos de opinião deixavam perceber, idêntico referendo se realizasse no Reino Unido e o “não” também obtivesse vantagem. Mas nesse capítulo, convenhamos, franceses e holandeses facilitaram-lhe a vida, dispensando-o, pelo menos para já, de realizar a prometida consulta ao eleitorado o qual, por sua vez, já lhe havia prometido resultado nada favorável.
Mas houve outras mensagens com o mesmo destinatário: a afirmação de que foi ele, Blair, o primeiro líder britânico a admitir colocar em cima da mesa, para ser negociado, o famoso “cheque britânico”, contrariamente ao que a delegação francesa ao Conselho Europeu divulgou até à exaustão (embora Blair não tenha dito, e teria sido útil dizê-lo, como e em que termos se dispôs a negociar o famoso “cheque”); a afirmação que nunca pretendeu discutir o custo da agricultura francesa para o orçamento agrícola comum como “moeda de troca” para a diminuição do mesmo “cheque” que Londres recebe desde 1984 e que foi concebido, justamente, como contrapartida dada ao Reino Unido pelo peso na política agrícola comum da agricultura francesa; e – sobretudo – a afirmação de que, apesar da crise que atravessa, a Europa da União não pode nem deve travar os projectos e processos de alargamento em curso – todo o contrário, recorde-se, da primeira declaração tornada pública por Chirac, no primeiro dia do último Conselho Europeu, quando preconizou que os novos alargamentos deveriam ser seriamente repensados, face à crise resultante da não aprovação do tratado constitucional europeu. Com tanta resposta directamente endereçada a Chirac, este foi o verdadeiro “ausente-presente” ao longo de todo o discurso de Blair. O que revela de forma insofismável que o relacionamento pessoal entre ambos deixa muito a desejar. E a questão apenas é politicamente relevante porquanto quem se detiver um pouco a ler algumas biografias de antigos estadistas europeus dos anos oitenta ou noventa aperceber-se-á do quão importante é o bom relacionamento pessoal entre os membros do Conselho Europeu para garantir o sucesso dos seus trabalhos. Na monografia que dedicámos ao estudo da instituição (João Pedro Simões Dias, O Conselho Europeu, estudo de direito comunitário institucional, Editora Quarteto, Coimbra, 2002) pudemos evidenciar de forma particular esse aspecto. Inexistindo esse bom relacionamento, está aberto o caminho para o inêxito e para o insucesso. A cimeira da passada semana comprovou-o em absoluto – se necessário fosse ou dúvidas existissem na matéria.
Outro ponto a merecer destaque neste “discurso da paixão” de Blair – a afirmação de que não pretende concentrar os esforços da sua presidência apenas na dimensão comercial da União, porquanto não vê esta apenas como um amplo espaço de livre comércio intraeuropeu, antes lhe reconhece, também, uma efectiva dimensão política objectivada nos vectores da segurança, do combate à criminalidade e ao terrorismo, eventualmente na justiça. Ao mesmo tempo, porém, uma fortíssima crítica era desferida ao modelo social europeu – responsável, entre outras coisas, por um passivo social que conta com mais de 20 milhões de desempregados. pena que o líder britânico – que nesta Europa de crise de lideranças, como o próprio reconheceu, é dos poucos que podem aspirar ao verdadeiro estatuto de estadista na esteira dos que lideraram a União nos anos oitenta e noventa – não tenha ido mais além, explicitando o seu pensamento e as suas propostas em matéria social.
Em todo o caso, este “discurso da paixão” – que teve tanto de justificativo quanto de omisso relativamente a questões nucleares com que se debate actualmente a União – não pode ser visto como um estimulante suficientemente forte para afastar as sombrias núvens outonais que perpassam sobre este projecto comunitário que envolve 25 Estados europeus. Resta esperar que a prática revele maior arte e não menor empenho do governo de Londres na forma como se propõe enfrentar os desafios que terá pela frente.