by João Pedro Simões Dias | Abr 12, 2017 | Jornal Económico
Foi há dois dias que, em Madrid, reuniram pela terceira vez em cimeira, os Estados do sul mediterrânico – a Espanha, França, Itália, Portugal, Grécia, Chipre e Malta. Disseram algumas coisas óbvias, outras quantas banalidades mas deram sinais de, de uma forma informal e não estruturada (ao contrário, por exemplo, do que acontece com os Estados do Grupo de Visegrado), estarem na disposição de buscarem os consenso possíveis para enfrentarem os desafios que se vão colocar à Europa durante a fase de negociação do Brexit e, sobretudo, após a concretização da saída do Reino Unido. Foi a primeira vez que este grupo se reuniu, como foi assinalado, depois da declaração de Roma que assinalou os 60 anos do Tratado de Roma e depois de o Reino Unido ter accionado formalmente o artigo 50º do Tratado de Lisboa. Foi, ao mesmo tempo, o momento adequado para ser consensualizada uma posição comum face à próxima cimeira de finais de abril, em Bruxelas, do Conselho Europeu.
Ainda sobre as conclusões desta III Cimeira do Sul europeu, um aspeto se destaca, a meu ver, de todos os restantes – pela sua importância prática, pela sua relevância humanitária e pelo seu impacto na atual (des)ordem internacional. Refiro-me à política de vistos, que foi decidido pelos sete de Madrid que deverá continuar a ser uma política e uma competência comunitária. A pressão das migrações e dos refugiados conferem, a esta decisão, uma importância enorme. Mas faz recair também, sobre as estruturas decisórias e a máquina administrativa da União um repto e um desafio sem igual – o de conseguir montar e manter em funcionamento eficaz um serviço adequado a dar uma resposta em tempo útil aos pedidos e à pressão de que vier a ser alvo. Mas isso será todo o contrário do que, até agora, tem acontecido e sucedido.
E a importância desta cimeira pode, ainda, ser aferida por dois outros dados de relevo: em primeiro lugar o facto de, estes sete Estados que reuniram em Madrid, quando articulados, poderem formar, a qualquer momento, uma minoria de bloqueio que impede qualquer tomada de deliberação ordinária em sede de Conselho da União; em segundo lugar, a sua heterogeneidade. Ao lado de três das maiores economias da União (França, Itália e Espanha), tomam assento na mesma três dos Estados resgatados na sequência da crise das dívidas soberana (Grécia, Portugal e Chipre). Ou seja, seria difícil encontrar composição mais heterogénea para um grupo de Estados que voluntariamente se deseja articular e consensualizar posições no quadro europeu. Isto porque, seguramente, independentemente das diferenças económicas que intercedem entre eles, o facto de serem Estados do “mal-amado” sul europeu, são Estados que comungam de muitas especificidades comuns, que partilham muitos problemas e desafios em comum e que encontram nessas dificuldades que se lhes deparam uma boa base de partida para entendimentos futuros. Sobretudo num tempo em que, todos os indícios apontam para tal, a discussão do Livro Branco sobre o futuro da União, da responsabilidade da Comissão Europeia liderada por Jean-Claude Juncker, acabará para apontar para um cenário de desenvolvimento futuro da União em torno de vários círculos ou a várias velocidades. No fundo, um cenário em que os 27 sobrantes não participarão, todos, nas mesmas e das mesmas políticas comuns, podendo escolher, de entre as existentes, quais aquelas em que pretendem participar e quais aquelas matérias onde pretendem reservar para a sua competência nacional o poder e a decisão final. Um pouco, afinal, à imagem e semelhança do que já acontece hoje em dia com, por exemplo, a União Económica e Monetária e o espaço Schengen.
Numa altura em que nada parece impedir que as velocidades diferentes para que aponta o futuro da integração do projeto europeu tenha na sua génese um critério geográfico – e em que outros parece já o terem compreendido e parecem apostados nisso mesmo, e teremos de voltar sempre ao caso do Grupo de Visegrado – articular e consensualizar posições e interesses entre estes sete Estados reunidos em Madrid pode não constituir o método ideal de contribuir para a o futuro da integração europeia. Mas como, frequentemente, o ótimo é inimigo do bom, pode ser a melhor forma possível destes Estados darem o seu contributo para esse mesmo futuro.
by João Pedro Simões Dias | Nov 9, 2016 | Diário de Aveiro
Durante os pretéritos cinco anos, dois jornalistas franceses – Gérard Davet e Fabrice Lhomme – acompanharam quase diariamente a atividade do Presidente francês, François Hollande, e foram recolhendo as mais diversas opiniões, análises, desabafos e confissões que Hollande com eles ia partilhando sobre o exercício da sua função presidencial, com vista a, futuramente, virem a publicar um livro que ilustrasse, fundamentalmente, os bastidores e o lado menos conhecido do Palácio do Eliseu e do pensamento do seu pequeno ocupante. Com o aproximar do fim do mandato presidencial – em Abril do próximo ano – o livro foi dado à estampa e saiu agora ao público com o sugestivo título “Um Presidente não deveria dizer isto…” (“Un Président ne devrait pas dire ça…”). É pacífico, entre os observadores atentos à realidade política francesa, que a publicação deste livro neste momento preciso – em que a sondagens dão uma taxa de aprovação de François Hollande a rondar os 4% e há a firme convicção que as próximas eleições presidenciais se disputarão “à direita”, entre Marine Le Pen que parece ter um lugar garantido, e outro candidato gaullista que tanto poderá ser Alain Juppé como Nicolas Sarcozy, une fois de plus…. – terá significado a machadada final e fatal em qualquer hipótese de Hollande renovar a sua suprema magistratura por mais um quinquénio, tal é o conteúdo comprometedor da obra publicada.
Não nos interessa, neste momento, tecer um comentário geral sobre o livro que acaba de sair a público nem, tão-pouco, sobre as suas eventuais consequências no panorama político francês. É matéria que ficará para momento mais oportuno e espaço mais adequado.
Há, todavia, um aspeto que merece a nossa atenção e obriga a que nos detenhamos numa reflexão mais aprofundada.
Uma das revelações que o livro citado se encarregou de trazer a público consistiu no anúncio de que François Hollande fez um “acordo secreto” com a União Europeia para não cumprir as metas do défice, apresentando sempre previsões orçamentais falsas. O acordo acontece desde que Hollande foi eleito, em 2012, e segundo os autores vigora até 2017. Terá sido assim que a França escapou a qualquer processo de sanções por incumprimento do défice e aos consequentes procedimentos por défices excessivos.
A divulgação deste entendimento não foi, até agora, negada por nenhum dos seus intervenientes: François Hollande não reagiu (nem a esta nem a outras revelações feitas pelo livro); os Presidentes da Comissão Europeia – tanto o anterior, Durão Barroso, como o actual, Jean-Claude Juncker – têm-se remetido a um silêncio ensurdecedor sobre a matéria. Na prática, pela falta de reações ocorridas, ninguém hoje põe em causa a existência, efetiva, de um tal convénio entre a Comissão Europeia e a França.
Que dizer sobre este entendimento?
Deste logo que ele roça o que de mais indigno e ultrajante pode existir no quadro da vivência comunitária europeia. Estamos, inquestionavelmente, perante mais uma prova provada da velha máxima orwelliana de que todos os Estados são iguais mas uns são mais iguais do que outros. Percebe-se, agora, de forma bem mais eloquente, o que pretendia dizer há meses o Presidente da Comissão Europeia quando se permitia afirmar que a França era….. a França. Claro que este entendimento não teria sido possível, na atual Comissão Europeia, se o Comissário Europeu responsável pelo orçamento não fosse um….. socialista e francês: Pierre Moscovici, o tal senhor que se tem caracterizado por um rigor formal e intransigência relativamente a Portugal quando se tem tratado de avaliar o cumprimento dos limites do défice por parte de Lisboa.
Mas o acordo em causa é tão mais ignominioso quanto sabemos (e temos sentido bem na pele…) o quanto a mesma Comissão Europeia que transige e tergiversa ante Paris se tem mostrado tão inflexível e rigorosa face a outros Estados (sobretudo da zona euro) que arriscam a violação dos critérios de convergência. A política dos diferentes pesos e diferentes medidas consoante a dimensão do Estado que se tem pela frente. Para uma instituição que, à luz dos Tratados da União Europeia, tem a missão de ser a guardiã dos tratados, não estamos mal servidos.
Duas notas finais não podem deixar de ficar registadas.
Em primeiro lugar a tristeza de vermos, a posteriori, a “Comissão Barroso” envolvida nesta barganha inqualificável com o governo francês. Se alguém tinha a mais estrita obrigação de se colocar à margem deste tipo de entendimentos era José Manuel Durão Barroso. Hipotecou a gestão do seu mandato a benefício de uma trafulhice perpetrada por François Hollande. Sai manchado naquilo que, até ao momento e independentemente das opções políticas subjacentes ao seu mandato, nunca ninguém havia contestado: o rigor dos seus dois mandatos.
Em segundo lugar, a constatação óbvia de que a atual “Comissão Juncker” se encontra em claro processo de degenerescência. Não só por ter dado sequência e seguimento ao acordo que vinha de trás e que, dessa maneira, herdou do colégio de comissários que a antecedeu, como por haver renovado esse mesmo pacto no quadro de uma nova legislatura acabada de iniciar. E, para cúmulo da incongruência e do disparate, é uma Comissão Europeia cujo Presidente vem, publicamente, defender que os procedimentos éticos contidos no seu Código de Conduta deverão ser reforçados e aperfeiçoados – nomeadamente para aumentar o “período de nojo” de 18 meses para três anos, exigindo que quem tiver tido responsabilidades como presidente ou comissário tenha de esperar três anos até poder aceitar empregos no setor privado – que prescinde de todas as regras e valores éticos negociando este acordo vergonhoso com o governo de Paris.
Definitivamente, os tempos de Juncker parecem pertencer, cada vez mais, aos tempos do passado, aos tempos da ética de geometria variável.
by João Pedro Simões Dias | Out 11, 2016 | Diário de Aveiro
Passadas as emoções iniciais provocadas pelo sucesso de António Guterres na sua corrida ao cargo de Secretário-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é tempo de podermos extrair algumas lições desse sucesso que, tendo sido inegavelmente e em primeira linha um êxito do candidato, não deixou de ser, também, um triunfo nacional e um sucesso do país.
A primeira nota tem de se centrar, merecidamente, no êxito e no sucesso de António Guterres. Antes de mais e acima de tudo, foi dele o mérito da eleição e a ele se devem os créditos da mesma. Foi a sua personalidade, o seu currículo, a sua formação e a forma como exerceu durante dez anos a função de Alto Comissário para os Refugiados que constituíram o cartão de visita que culminou numa cena muito pouco vista no Conselho de Segurança: a aprovação da resolução propondo à Assembleia Geral a sua eleição aprovada por unanimidade e aclamação. Numa altura em que se cimentam as divisões no Conselho de Segurança, se multiplicam os vetos cruzados dos EUA, França e Reino Unido por um lado e Rússia por outro, a aprovação da referida resolução constituiu um intervalo de consenso e unanimidade como há muito não se via na sala de sessões do Conselho de Segurança.
A segunda ilação que podemos extrair de mais este êxito internacional do país é que, enquanto Estado actuando no quadro da sociedade internacional, Portugal tem tido uma projecção e um poder incomensuravelmente superiores ao que a sua real dimensão física poderia fazer supor. Ainda há poucos dias o influente jornal espanhol El País dava nota desse facto, assinalando que, num intervalo de dois anos, Portugal conseguia colocar dois nacionais seus à frente das duas principais organizações internacionais existentes (a UE e, agora, a ONU; a primeira com Durão Barroso entre 2004 e 2014 e agora a ONU com António Guterres entre 2017 e, no mínimo, 2021). Foram dois êxitos absolutamente notáveis da diplomacia portuguesa que merece todos os encómios e elogios que lhe possamos dirigir. E demonstra, inequivocamente, como, em torno de grandes causas mobilizadoras, este mesmo país se consegue reunir em torno dos seus melhores, envolvendo todos os órgãos de soberania, todos os partidos políticos, a generalidade das instituições da sociedade civil, sem distinção de cores ou credos. A última vez que tal sucedeu foi, curiosamente, também com a ONU e também com António Guterres – quando o então primeiro-ministro conseguiu mobilizar o país para o apoio à causa de Timor-Leste. Na senda da nossa tradição histórica, estamos destinados a dar ao mundo os melhores dos nossos melhores. É um facto notável que nos deve orgulhar.
A terceira lição a retirar desta candidatura vencedora é a de que, afinal, mesmo na sociedade internacional, nem tudo está perdido. Ainda permanece uma réstia de esperança em valores como a transparência, a decência, a ética ou o decoro. No momento em que decidiram dar maior transparência ao processo de escolha do Secretário-Geral das Nações Unidas, os membros do Conselho de Segurança não se deixaram aprisionar nem enredar em estratégias ínvias e obscuras que lançaram mão da candidatura da búlgara Kristalina Georgieva para criar entropias no processo. A votação obtida pela “búlgara oficial”, que acabou colocada atrás da “búlgara oficiosa”, não foi só a penalização de uma candidata; foi, também e principalmente, a censura de um método de atuação e de uma prática típica de uma diplomacia obscura e de confidencialidade protagonizada, sobretudo pelo eixo “Bruxelas-Berlim”.
O quarto ensinamento a retirar desta eleição de António Guterres prende-se com o absoluto desastre que foi a posição da União Europeia em todo este processo. Começando no facto de não ter sabido consensualizar a apresentação se um candidato comum aos seus Estados-membros e terminando no vergonhoso e incompreensível atraso do Presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, em cumprimentar e felicitar o candidato vencedor, passando pelo indiscreto apoio concedido à candidatura de última hora e à falta de imparcialidade que se exigia em todo este processo eleitoral.
Em quinto lugar e estreitamente ligada à posição da União Europeia, surgiu-nos a postura do governo de Berlim, verdadeiro motor do lançamento da candidatura da senhora Georgieva. Habituada a mandar na Europa, Merkel não percebeu uma coisa elementar: que o mundo já não é eurocêntrico e que nesse mesmo mundo a Alemanha não beneficia da posição de liderança ou supremacia que desfruta na Europa. Como anotava alguém há poucos dias, esta foi a prova provada de que Berlim tem muito a aprender sobre o que significa uma liderança e como se exerce uma liderança. Se quisermos construir um autêntico manual do que não fazer numa situação destas, basta dar o exemplo de tudo o que Merkel fez. Fez tudo o que não devia ter feito; não fez nada do que devia ter feito. Instrumentalizou as instituições comunitárias, serviu-se do governo búlgaro, quis encostar Putin à parede, ignorou a posição dos EUA, traiu e violou compromissos de neutralidade que tinha assumido, faltou à palavra dada. Nada disto é particularmente novo em Merkel – basta ver a posição que assumiu para com o chanceler Helmut Kohl que abandonou e traiu de forma ignóbil. Não tendo estado presente na mesa do Conselho de Segurança foi, talvez, a grande derrotada da votação do Conselho de Segurança. Veremos se aprendeu a lição; ou ainda se terá hipótese de voltar a intervir em assuntos desta magnitude. Em 2017 a Alemanha irá a votos…
by João Pedro Simões Dias | Jul 8, 2014 | Diário de Aveiro
Quando, no passado dia 1, a Itália assumiu a presidência rotativa e turno do Conselho da União Europeia, era grande a expectativa que se erigia em torno do seu novo Primeiro-Ministro, o democrata (socialista) Matteo Renzi, o mais novo Primeiro-Ministro Italiano de sempre que, cansado de governar apenas a sua cidade de Florença, se abalançou a conquistar a liderança do Partido Democrático e, consequentemente, apear o também democrata Enrico Letta da chefia do governo de Roma.
Face à inexperiência em matéria de política europeia do chefe do governo romano, os receios eram muitos, as dúvidas não eram menores e, portanto, a expectativa dir-se-ia imensa. Expectativa que, apenas uns quantos – poucos – acreditavam que se poderia volver em oportunidade. Ademais, Renzi, talvez um tanto ou quanto injustamente, acabava por sofrer da “síndrome Hollande”: talvez o socialista europeu que mais esperanças concitou nos últimos anos mas cuja errância e descalabro na condução da política (interna e externa) francesa o arrastou para as ruas da amargura, a ele e ao seu partido, como os eleitores fizeram questão de afirmar, sem dó nem piedade, nas últimas eleições autárquicas e, sobretudo, nas últimas eleições para o Parlamento Europeu. Face a Renzi, as expectativas não ousaram subir tão alto como subiram com Hollande. A prudência, quase sempre, é boa conselheira, e um erro cometido duas vezes não poderia continuar a ser qualificado como um simples erro. E por isso, a começar nos próprios socialistas europeus, Renzi foi olhado com reserva, com uma certa esperança secreta mas quase nunca verbalizada.
O certo é que bastaram dois discursos para tudo mudar, para a força da palavra se impor e o novo Primeiro-Ministro italiano ir buscar créditos onde menos se esperava e conseguir gerar um sentimento generalizado de, no mínimo, elevadas e positivas expectativas.
Os dois discursos em causa aconteceram, primeiro, em Roma, ante o Parlamento italiano quando Renzi apresentou as grandes linhas gerais a que pensava submeter o seu mandato semestral à frente do Conselho da União Europeia; e, depois, em Estrasburgo, ante o plenário do Parlamento Europeu, quando os novos eurodeputados recentemente eleitos iniciaram a nova legislatura europeia discutindo as prioridades da nova presidência do Conselho. Ambos os discursos foram complementares e constituíram uma lufada de ar fresco no cinzentismo eurocrático que têm vindo a pairar sobre o céu europeu.
Desde logo e em primeiro lugar, Renzi ousou assumir o que nas mais recentes décadas muitos líderes europeus pareceram ter esquecido – “o grande desafio do semestre será não apenas agendar medidas e encontros, mas reencontrar a alma da Europa e o sentido de estarmos juntos. […] Há uma identidade a reencontrar.” De forma clara, explícita e assumida, há aqui um verdadeiro apelo a um regresso aos valores, aos princípios, a tudo o que determinou e esteve na origem fundacional do atual projecto europeu. A União Europeia não se pode reduzir a um redil despersonalizado de números, estatísticas e burocracias. Tem de ir mais longe e conquistar a alma dos europeus. Respeitando a sua diversidade mas identificando a sua identidade. É um discurso novo que se escuta, com a particularidade de coincidir com o momento em que, tudo indica, Jean-Claude Juncker – o democrata-cristão sobrante da era de Kohl e Mitterrand, que alguns consideram como o mais socialista dos democratas-cristãos europeus pela sua sensibilidade à dimensão social da ideia europeia – acederá à presidência da Comissão Europeia.
Mas Renzi foi mais longe e disse mais. Sem estender a mão, apontou o dedo a Berlim e a Haia – a Merkel mas também ao seu correligionário socialista Jeroen Dijsselbloem, Presidente do Eurogrupo, os arautos e os rostos mais visíveis das políticas austeritárias e ortodoxas europeias de reacção à crise – para assumir que “sem crescimento a Europa morre”. E que crescimento económico não tem de significar falta de rigor orçamental. Curiosamente – ou talvez não – foi da liderança parlamentar do PPE que se ouviram as principais críticas ao modelo de desenvolvimento apresentado por Renzi. O alemão Manfred Weber, novo líder da bancada do PPE (mas que, como qualquer eurodeputado alemão, antes de ser de qualquer partido é…. alemão), criticou fortemente Renzi, a propósito da “flexibilidade” orçamental. Foi a oportunidade para recordar que a Alemanha conseguiu transformar-se na potência económica que é hoje, precisamente à custa da violação das regras previstas no Pacto de Estabilidade e Crescimento, tendo sido objecto de processo de incumprimento por défice excessivo que a anterior Comissão Europeia resolveu arquivar. Ou seja, foi com base na violação das regras orçamentais da União, que a Alemanha se guindou à posição de supremacia económica de que hoje beneficia. E Renzi relembrou-o e recordou-o. O que não é frequente no Parlamento Europeu.
Em suma, os tempos próximos merecem que se dedique uma atenção cuidada à prestação do novo Primeiro-Ministro italiano. Matteo Renzi pode vir a ser aquela voz que faltava aos socialistas europeus (que o francês Hollande defraudou e o alemão Schulz nunca conseguiu ser) para credibilizar a sua visão europeia e o seu próprio projeto europeu. Se assim for, serão boas notícias para o futuro próximo da União Europeia.
by João Pedro Simões Dias | Jul 1, 2014 | Diário de Aveiro
Finalmente o Conselho Europeu da passada sexta-feira, com a expressa oposição dos Primeiros-Ministros do Reino Unido e da Hungria – David Cameron e Viktor Orban – designou um candidato à presidência da Comissão Europeia. A escolha, óbvia a partir do momento em que Merkel deu sinais de recuar nas suas objecções, recaiu em Jean-Claude Juncker, o candidato que o Partido Popular Europeu apresentou às últimas eleições para o Parlamento Europeu. Agora resta ao incumbente congregar os necessários 376 votos necessários da Assembleia europeia. Uma Assembleia onde o Partido Popular Europeu dispõe de 221 deputados, o Partido Socialista Europeu de 191, os Conservadores e Reformistas Europeus de 70 e os Liberais de 67 deputados. Haverá, assim e por definição, de assistir a uma negociação que, tudo indica, acabará por assentar nos dois principais grupos políticos europeus – democratas-cristãos e socialistas europeus.
Ministro das finanças do pequeno Grão-Ducado do Luxemburgo desde 1989, cargo que acumulou desde 1995 e até ao fim de 2013 com o de Primeiro-Ministro do principado; oito anos Presidente do Eurogrupo e várias vezes Presidente de turno do Conselho Europeu, dispõe de uma experiência e de um conhecimento tanto da máquina administrativa e burocrática da UE como das questões europeias como poucos; não por acaso é visto como o rosto sobrante dos últimos estadistas europeus, beneficiando da experiência e do convívio com a geração que o precede – a geração de Mitterrand, de Delors ou de Helmut Kohl. com a presidência do Eurogrupo (os ministros das finanças do euro). Não por acaso é igualmente tido como o mais socialista dos democratas-cristãos europeus, sobretudo pelas críticas tecidas à deriva liberalizante da economia europeia como, sobretudo, pela sua persistente atenção e sensibilidade para as causas sociais e a dimensão social do próprio projeto europeu.
Numa altura em que ainda é prematuro fazer um balanço dos dez anos de Durão Barroso à frente do executivo comunitário, uma certeza se poderá ter quase por adquirida – uma “Comissão Juncker” será, seguramente, muito distinta de qualquer uma das Comissões lideradas por Durão Barroso. Daí, de resto, os bem disfarçados receios de Angela Merkel e os muito mal disfarçados receios de David Cameron relativamente à indigitação de Jean-Claude Juncker. Olhando para o seu percurso e para a sua linha de atuação em matéria europeia, ninguém duvidará – ou poucos ousarão duvidar – que Jean-Claude Juncker irá apostar fortemente na revalorização do papel da Comissão Europeia, na sua recolocação no centro do processo europeu de decisão, na recuperação de uma parte significativa do protagonismo e da influência que a Comissão Europeia já teve e que, nos últimos anos, perdeu claramente em benefício do Conselho Europeu. Dir-se-á, dirão alguns e Cameron enfatizou o facto, que se trata de um programa de cariz federal. Será, seguramente, um programa não intergovernamental que poderá aprofundar a integração política da União – todo o contrário dum rumo e dum caminho percorridos ao longo dos últimos anos.
Erroneamente têm, alguns, dedicado parte significativa do seu tempo a realizarem uma espécie de contabilidade, de “deve” e “haver”, sobre o que pode Portugal ganhar ou perder com uma possível liderança de Jean-Claude Juncker à frente da Comissão Europeia. É matéria em que não entramos por demasiado despropositada. Nem é tarefa dum Presidente da Comissão Europeia beneficiar particularmente algum dos Estados-Membros da União – e temos aí o exemplo de Durão Barroso a atestar e comprovar o que afirmamos – como, mais importante do que isso, será sua missão e tarefa evitar que prossiga e continue uma marcha que parece irreversível no caminho do diretório das grandes potências, reequilibrando os poderes no quadro da União e restabelecendo a normalidade prevista e consagrada nos tratados mas que a prática recente tem pervertido quase em absoluto.
Oriundo dum pequeno Estado-membro da União, dum verdadeiro micro-Estado mas que foi um Estado fundador do projeto europeu, com a experiência que possui dos assuntos europeus, do funcionamento da eurocracia e o conhecimento adquirido dos principais dossiers em discussão, a presidência de Jean-Claude Juncker tem, à partida, todas as condições para alcançar o que dela se espera: recolocar a Comissão Europeia no centro do processo europeu de decisão, diminuir a deriva intergovernamental promovida pela Alemanha após a assinatura do Tratado de Lisboa, reduzir a caminho para o diretório, completar a união económica e monetária e contribuir para o aprofundamento político da União. Se conseguir cumprir esta agenda, sem esquecer a necessária dimensão social europeia, terá reunidas as condições para uma liderança de sucesso do próximo executivo comunitário. É o mínimo que se lhe pode exigir e o máximo que poderá fazer pelo renascimento do projeto europeu.