Vai o Reino Unido mudar?

Amanhã o Reino Unido vai a votos.
Na sequência do resultado do referendo sobre a permanência na União Europeia, que ditou o Brexit, e do consequente abandono do poder por parte de David Cameron, a primeira-ministra Theresa May optou por dissolver a Câmara dos Comuns para relegitimar o seu governo, reforçar a sua maioria e refrescar a sua liderança. Tudo para, em seu dizer, se encontrar em posição mais vantajosa para negociar com Bruxelas as condições de saída do Reino da União. Quando dissolveu a Câmara, as sondagens eram-lhe simpáticas: mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre um Partido Trabalhista anémico, radicalizado à esquerda em torno da liderança de um pouco ou nada carismático Jeremy Corbyn. May avaliou as suas possibilidades e arriscou. No entretanto, políticas internas mal percebidas ou mal explicadas, uma dose inesperada de arrogância que a levou a recusar debates eleitorais em que se fez substituir, uma colagem em muitos pontos da política externa às posições de Donald Trump e, sobretudo, a onda de ataques terroristas que teve obrigou a suspender a campanha eleitoral por duas vezes, na sequência dos ataques de Manchester e da London Bridge do passado sábado – tudo contribuiu para baralhar as opiniões e as sondagens, a ponto de, no momento em que este texto é escrito, a menos de 24 horas da abertura das urnas, os últimos números disponíveis apontem para a perda da maioria absoluta dos tories em Westminster e, necessariamente, para o surgimento de um governo mais débil, de uma maioria provavelmente só alcançada através de acordos parlamentares, ou seja, todo o contrário daquilo que Theresa May pretendia ao convocar estas eleições legislativas antecipadas.
Não seria, de resto, a primeira vez que tal sucederia. No referendo do ano passado, convocado por Cameron – e que, indiretamente, foi responsável por tudo o que se passou daí para cá em termos de estabilidade governativa britânica – a história foi a mesma: uma má avaliação do sentir e do sentimento de um povo, uma má perceção da tendência do eleitorado, que acabou por lhe custar a carreira política e mergulhar o Reino Unido no pântano de indefinição em que hoje se encontra. Theresa May que, recorde-se, no referendo do ano passado se destacou como defensora da permanência do Reino na União Europeia para, depois da queda de Cameron, acabar por aceitar liderar um governo que tinha como eixo central da sua existência fazer exatamente o oposto daquilo que ela própria defendeu e negociar com Bruxelas a saída do Reino da União, estará a ser vítima da sua própria errância política e da sua própria incoerência política. Tentou sanar ambas com o beneplácito do eleitorado e do sufrágio popular. Poderá estar a horas de ter de reconhecer ou admitir que a sua estratégia terá falhado.
Daí que, para respondermos à questão com que titulámos este texto – vai o Reino Unido mudar? – a nossa resposta só possa ser a de um receio de que, a haver mudança, a mesma seja em sentido negativo e na direção errada.
Dir-se-á – em que é que tudo isto nos toca ou nos interessa? Num mundo cada vez mais globalizado, toca-nos e interessa-nos de sobremaneira. Nós não votamos no Reino Unido nem escolhemos deputados para Westminster. Mas não nos podemos dar ao luxo de pensar que o que por lá acontece nos é estranho, alheio ou indiferente. Estamos perante uma eleição que vai influenciar significativamente o futuro da Europa na medida em que, qualquer que venha a ser o governo saído da mesma, a sua tarefa principal continuará a ser negociar as condições do brexit; nessa medida, nunca deixaremos de ser afetados pela decisão que os britânicos vierem a tomar. Estarmos atentos ao que por lá se vai passando é o mínimo que se nos pode exigir, em nome dos nossos próprios interesses e da nossa própria condição cidadã.

A trilogia eleitoral

Amanhã, quinta-feira, a atenção política europeia vai centrar-se no Reino Unido: os britânicos voltam a ir às urnas, ainda que desta vez num contexto especial. O acto eleitoral foi convocado pela primeira-ministra Theresa May para reforçar e relegitimar o seu governo que tem pela frente a espinhosa tarefa de negociar e concretizar um Brexit escolhido, há precisamente um ano, na sequência de uma consulta popular convocada pelo então primeiro-ministro David Cameron.
Não chegasse, todavia, este particular contexto envolvente do acto eleitoral de amanhã, dá-se ainda o caso de o mesmo nos aparecer, inevitavelmente, condicionado pelos atentados terroristas que o Reino Unido tem sofrido – em Londres, em Manchester e, no passado fim-de-semana, de novo na capital britânica.
Ambos os factos – a postura de Theresa May ante o Brexit, ela que fez campanha pelo “Remain” no referendo do ano passado e, de repente, viu-se a braços com a liderança de um governo que tinha por principal tarefa, justamente, concretizar o Brexit; e a escalada do terrorismo islâmico radical e extremista no Reino Unido, contra o qual todo o empenho e perseverança da polícia britânica se tem revelado insuficiente – são suficientes para deixar em aberto todas as previsões sobre qual poderá vir a ser o veredicto das urnas, pese embora, à data de convocação deste acto eleitoral, os conservadores beneficiassem de mais de vinte pontos percentuais de vantagem sobre os trabalhistas.
Porém, a sucessão recente de erros do governo de May e a sua postura arrogante, por exemplo recusando participar em quaisquer debates eleitorais, poderão custar-lhe uma maioria em Westminster tão confortável como aquela de que presentemente beneficia. E assim, paradoxalmente, umas eleições que foram convocadas para darem suporte a um governo fortalecido e relegitimado eleitoralmente poderão acabar por conduzir a um governo comparativamente mais débil, menos forte e em condição mais desvantajosa para negociar com Bruxelas a saída do Reino da União. No fundo seria, a outra escala, a repetição do acontecido há um ano com a convocação do referendo sobre o Brexit por David Cameron: as previsões saíram furadas, o tiro saiu pela culatra. O eleitorado afirmou, de forma inequívoca, que nem sempre os governantes de turno sabem interpretar o seu sentir. O que sucedeu no referendo do ano passado, poderá vir a repetir-se nas eleições de amanhã. Não seria surpreendente.
Mas logo a seguir às eleições britânicas, teremos no próximo domingo, outro acto eleitoral de extraordinário relevo para a Europa – a primeira volta das eleições legislativas francesas.
Será o primeiro teste verdadeiro à recém-estreada presidência de Emmanuel Macron e, sobretudo, à capacidade que este teve, ou não, para dar um mínimo de forma institucional ao amplo movimento político e de cidadania que há poucas semanas o conduziu ao Eliseu. Macron tornou-se Presidente da República de França mercê de uma improvável conjugação de votos que cortou transversalmente a sociedade francesa, do centro-esquerda ao centro-direita. Beneficiou de muitos votos negativos, sobretudo daqueles que descreram no sistema político-partidário francês – desde os que quiseram recusar Le Pen aos que pretenderam censurar Fillon e penalizar Hollande e os respectivos partidos. O desafio que o novo Presidente tem, agora, pela frente, traduz-se em conseguir que o seu “La République En Marche” fidelize e sustenha uma parte significativa dos votos que ele reuniu. Se o conseguir fazer, nomeadamente se lograr uma maioria absoluta na Assembleia Nacional, a sua tarefa de governação será significativamente simplificada; se não lograr alcançar este desiderato e tiver de encetar uma política de alianças num parlamento previsivelmente mais fragmentado, com elevada representação da Frente Nacional, com os partidos tradicionais do sistema – republicanos gaullistas e socialistas – debilitados e enfraquecidos e uma extrema-esquerda previsivelmente bem representada, a tarefa da governação começará a complicar-se. Desde logo porque será necessário negociar uma maioria parlamentar que suporte o próprio governo.
A primeira volta destas eleições legislativas, a realizar no próximo domingo, já nos dará um cenário minimamente consistente que permita antecipar o resultado final e a composição definitiva da Assembleia Nacional francesa. A política europeia dos próximos anos vai depender, também, muito daquilo que vier a ser essa composição e das condições de governabilidade de que o Presidente francês venha a dispor.
E para completar a “trilogia” eleitoral teremos de esperar pelo próximo mês de Setembro – quando os alemães forem às urnas para eleger o seu Parlamento donde sairá o seu próximo governo. Decerto – ainda falta muito tempo para esse acto eleitoral. Mas é inquestionável que estas três eleições legislativas nos três (ainda) principais Estados da União Europeia, a par das passadas eleições presidenciais francesas, irão determinar parte significativa da Europa dos tempos próximos. E determinando o futuro da Europa, é o nosso próprio futuro que estará em jogo e em causa. Desengane-se, pois, quem pensar que se tratam de actos eleitorais relativamente aos quais nos poderemos dar ao luxo de sermos alheios ou indiferentes.
Em nenhum deles poderemos votar. Mas é inegável e inquestionável que, todos eles, no seu conjunto, nos afectam, nos dizem respeito e condicionarão e determinarão o nosso futuro.

Manchester, o nosso combate

Manchester. Mais um nome a acrescentar à longa série de cidades europeias vitimadas pela horda terrorista. Foi Paris, foi Londres, foi Madrid, foi Nice, foi Bruxelas, foi Berlim…. E foi, agora, Manchester. E com tudo isto, falta-nos em palavras o que nos sobra em indignação. A indignação contra mais um acto terrorista. A indignação contra mais um flagrante desrespeito pelos mais elementares valores humanos, a começar pela própria vida humana. A indignação por mais um vil ataque contra a nossa civilização ocidental.
Desta feita, todavia, a perversidade do acto ultrapassou tudo quanto já havíamos visto num detalhe não irrelevante. Desta vez, os destinatários desta nova barbaridade não foram cidadãos anónimos e indiferenciados. Foram adolescentes; foram jovens: foram pouco mais do que crianças que se haviam deslocado, pacatamente, para assistir a um concerto musical de uma das suas artistas da moda. Quem preparou o acto, quem executou a carnificina, o próprio daesh que já o reivindicou, sabia perfeitamente que do outro lado, do lado das vítimas, iriam estar jovens adolescentes, pouco mais velhas do que simples crianças, que era imperioso aterrorizar, que era imperativo traumatizar, que era fundamental marcar indelevelmente e para o resto das suas vidas. Para ter a certeza que a nova geração irá formar-se e estruturar-se sabendo que o terror existe, que já o vivenciou. As gerações mais velhas estão cientes desse perigo e dessa ameaça permanente. Impunha-se, na lógica dos terroristas, estender esse conhecimento às novas gerações, aos jovens que estão a formar a sua personalidade. Foi isso que este ato ignóbil também quis significar. Um detalhe e um pormenor que mais não fez do que aumentar a perfídia.
Esta nova manifestação da barbárie só pode ter como resposta aumentar a nossa indignação e reforçar a nossa determinação no combate ao terror assassino dos que, em nossa casa, pretendem destruir a nossa forma de viver e o nosso modo de vida. E fazê-lo de uma forma redobrada. Atacaram os nossos jovens, atacaram-nos a nós e atacaram as gerações futuras. Dentro do respeito pela lei, que preservamos e queremos cumprir – e nisso também nos diferenciamos dos cobardes terroristas demonstrando a superioridade moral do nosso sistema – há que dar combate sem tréguas aos criminosos, àquilo que eles representam e ao modelo que nos querem impor. Se preciso for, endureça-se a lei, cominem-se sanções acessórias para os culpados, reforce-se toda a cooperação judicial internacional, aprofunde-se o sistema de trocas de informações entre serviços especializados de informações e contra-informações. Mas sob hipótese alguma poderemos dar aos criminosos terroristas o mais precioso dos bens por que eles buscam e lutam desenfreadamente: a nossa liberdade e o controle das nossas vidas.
É por isso que impõe-se saber reagir a frio e com racionalidade a esta horda sanguinária. Reagir a quente e deixarmo-nos levar pelo calor das emoções, advogando medidas aparentemente – mas só aparentemente – eficazes, tais como o fecho de fronteiras, as limitações à liberdade de circulação de pessoas e outras que tais, constitui um erro crasso que se impõe evitar. Entrar por aí será, sempre, fazer o jogo do nossos inimigos, irmos jogar para o campo deles e com as regras deles. O desafio tem de ser travado no nosso campo e com as nossas regras. E a nossa vitória sobre esta cadeia de crime organizado que está disseminada por grande parte do continente europeu dependerá, tão-só, da unidade de que dermos provas, da solidariedade que formos capazes de evidenciar. Estará aí o segredo da nossa vitória sobre esta forma moderna de mal que, a maior parte das vezes, actua, cobardemente, em nome de um qualquer deus menor, à sombra de uma qualquer putativa religião. Deus algum, verdadeiro Deus no sentido literal da palavra, pode justificar que se mate, que se chacine, que se torture, que se aterrorize em seu nome.
Mas esse vai ser o nosso combate. O combate que vamos ter pela frente nos próximos (longos) anos. Que terá de ser travado de uma forma implacável e sem contemplações. Porque é da nossa civilização, do nosso modo de vida, da nossa forma de existência que se trata. E se não formos nós a zelar por nós próprios, ninguém mais o fará. É bom que nos consciencializemos e que nos habituemos à ideia do que nos espera. Sobretudo porque o horizonte é escuro e as dificuldades que se anteveem nesse combate não serão poucas nem fáceis.