by João Pedro Simões Dias | Nov 9, 2016 | Diário de Aveiro
Durante os pretéritos cinco anos, dois jornalistas franceses – Gérard Davet e Fabrice Lhomme – acompanharam quase diariamente a atividade do Presidente francês, François Hollande, e foram recolhendo as mais diversas opiniões, análises, desabafos e confissões que Hollande com eles ia partilhando sobre o exercício da sua função presidencial, com vista a, futuramente, virem a publicar um livro que ilustrasse, fundamentalmente, os bastidores e o lado menos conhecido do Palácio do Eliseu e do pensamento do seu pequeno ocupante. Com o aproximar do fim do mandato presidencial – em Abril do próximo ano – o livro foi dado à estampa e saiu agora ao público com o sugestivo título “Um Presidente não deveria dizer isto…” (“Un Président ne devrait pas dire ça…”). É pacífico, entre os observadores atentos à realidade política francesa, que a publicação deste livro neste momento preciso – em que a sondagens dão uma taxa de aprovação de François Hollande a rondar os 4% e há a firme convicção que as próximas eleições presidenciais se disputarão “à direita”, entre Marine Le Pen que parece ter um lugar garantido, e outro candidato gaullista que tanto poderá ser Alain Juppé como Nicolas Sarcozy, une fois de plus…. – terá significado a machadada final e fatal em qualquer hipótese de Hollande renovar a sua suprema magistratura por mais um quinquénio, tal é o conteúdo comprometedor da obra publicada.
Não nos interessa, neste momento, tecer um comentário geral sobre o livro que acaba de sair a público nem, tão-pouco, sobre as suas eventuais consequências no panorama político francês. É matéria que ficará para momento mais oportuno e espaço mais adequado.
Há, todavia, um aspeto que merece a nossa atenção e obriga a que nos detenhamos numa reflexão mais aprofundada.
Uma das revelações que o livro citado se encarregou de trazer a público consistiu no anúncio de que François Hollande fez um “acordo secreto” com a União Europeia para não cumprir as metas do défice, apresentando sempre previsões orçamentais falsas. O acordo acontece desde que Hollande foi eleito, em 2012, e segundo os autores vigora até 2017. Terá sido assim que a França escapou a qualquer processo de sanções por incumprimento do défice e aos consequentes procedimentos por défices excessivos.
A divulgação deste entendimento não foi, até agora, negada por nenhum dos seus intervenientes: François Hollande não reagiu (nem a esta nem a outras revelações feitas pelo livro); os Presidentes da Comissão Europeia – tanto o anterior, Durão Barroso, como o actual, Jean-Claude Juncker – têm-se remetido a um silêncio ensurdecedor sobre a matéria. Na prática, pela falta de reações ocorridas, ninguém hoje põe em causa a existência, efetiva, de um tal convénio entre a Comissão Europeia e a França.
Que dizer sobre este entendimento?
Deste logo que ele roça o que de mais indigno e ultrajante pode existir no quadro da vivência comunitária europeia. Estamos, inquestionavelmente, perante mais uma prova provada da velha máxima orwelliana de que todos os Estados são iguais mas uns são mais iguais do que outros. Percebe-se, agora, de forma bem mais eloquente, o que pretendia dizer há meses o Presidente da Comissão Europeia quando se permitia afirmar que a França era….. a França. Claro que este entendimento não teria sido possível, na atual Comissão Europeia, se o Comissário Europeu responsável pelo orçamento não fosse um….. socialista e francês: Pierre Moscovici, o tal senhor que se tem caracterizado por um rigor formal e intransigência relativamente a Portugal quando se tem tratado de avaliar o cumprimento dos limites do défice por parte de Lisboa.
Mas o acordo em causa é tão mais ignominioso quanto sabemos (e temos sentido bem na pele…) o quanto a mesma Comissão Europeia que transige e tergiversa ante Paris se tem mostrado tão inflexível e rigorosa face a outros Estados (sobretudo da zona euro) que arriscam a violação dos critérios de convergência. A política dos diferentes pesos e diferentes medidas consoante a dimensão do Estado que se tem pela frente. Para uma instituição que, à luz dos Tratados da União Europeia, tem a missão de ser a guardiã dos tratados, não estamos mal servidos.
Duas notas finais não podem deixar de ficar registadas.
Em primeiro lugar a tristeza de vermos, a posteriori, a “Comissão Barroso” envolvida nesta barganha inqualificável com o governo francês. Se alguém tinha a mais estrita obrigação de se colocar à margem deste tipo de entendimentos era José Manuel Durão Barroso. Hipotecou a gestão do seu mandato a benefício de uma trafulhice perpetrada por François Hollande. Sai manchado naquilo que, até ao momento e independentemente das opções políticas subjacentes ao seu mandato, nunca ninguém havia contestado: o rigor dos seus dois mandatos.
Em segundo lugar, a constatação óbvia de que a atual “Comissão Juncker” se encontra em claro processo de degenerescência. Não só por ter dado sequência e seguimento ao acordo que vinha de trás e que, dessa maneira, herdou do colégio de comissários que a antecedeu, como por haver renovado esse mesmo pacto no quadro de uma nova legislatura acabada de iniciar. E, para cúmulo da incongruência e do disparate, é uma Comissão Europeia cujo Presidente vem, publicamente, defender que os procedimentos éticos contidos no seu Código de Conduta deverão ser reforçados e aperfeiçoados – nomeadamente para aumentar o “período de nojo” de 18 meses para três anos, exigindo que quem tiver tido responsabilidades como presidente ou comissário tenha de esperar três anos até poder aceitar empregos no setor privado – que prescinde de todas as regras e valores éticos negociando este acordo vergonhoso com o governo de Paris.
Definitivamente, os tempos de Juncker parecem pertencer, cada vez mais, aos tempos do passado, aos tempos da ética de geometria variável.
by João Pedro Simões Dias | Jun 3, 2014 | Diário de Aveiro
No rescaldo do último ato eleitoral para o Parlamento Europeu, resulta claro que, para além das diferentes conclusões que podem ser retiradas no plano nacional em cada um dos 28 Estados-Membros onde os cidadãos foram chamados às urnas, também no específico plano europeu há ilações a extrair deste sufrágio e que as lições que o mesmo forneceu nesse mesmo plano europeu não podem ser ignoradas nem escamoteadas.
Tendo-se tratado de eleições europeias, seria suposto que as mesmas não causassem acentuada perturbação política nos planos nacionais, para além daquelas que por regra já lhes aparecem associadas e que se prendem sempre com alguma dose de censura aos governos nacionais de turno. Desta vez, porém, as coisas foram significativamente diferentes e, em alguns Estados o ato eleitoral perturbou profundamente os respectivos sistemas político-partidários.
Descontando o caso português, já suficientemente escalpelizado e analisado, há três casos que devem merecer a nossa atenção – o que aconteceu em Espanha, no Reino Unido e em França.
Aqui bem ao lado, em Espanha, os tradicionais partidos da governação – PP e PSOE – ficaram nos dois primeiros lugares da eleição. Ambos, todavia, perderam votos e mandatos e, em conjunto, valem hoje menos de 50% do eleitorado espanhol. Em contrapartida, em quarto lugar e com 1,2 milhões de votos, 9,7% dos sufrágios e 5 eurodeputados eleitos, surge um partido novo – chamado Podemos – emanação direta do célebre movimento dos indignados do 15M (por referência ao movimento de 15 de maio de 2011), liderado por Pablo Iglesias, de 35 anos, um intelectual marxista, professor de Ciência Política e vedeta televisiva. Inequivocamente, o ambiente político em Madrid tremeu com este resultado eleitoral.
No Reino Unido, por seu lado, o UKIP (Partido da Independência do Reino Unido) venceu as eleições, levando para Estrasburgo 24 deputados, mais do que qualquer dos tradicionais partidos conservador, liberal e trabalhista. Há mais de cem anos que não se assistia a nada assim e, mais de uma semana volvida, Nigel Farage continua no centro da cena política britânica para completa estupefacção dos que se habituaram a ver no sistema político-partidário do Reino Unido o paradigma da estabilidade e da previsibilidade.
Finalmente, de França, da pátria da revolução e dos direitos do homem na Europa, veio a maior das surpresas da noite eleitoral: a Frente Nacional, matizando o carácter radicar que lhe havia sido imprimido pelo seu fundador, liderada agora por Marine Le Pen, venceu as eleições, logrou mais de 25% dos sufrágios contra os 20% da direita tradicional e os 14% dos socialistas do Presidente Hollande. Foi um resultado que só surpreendeu quem não acompanhava a vida política francesa, há muito previsível, mas que continua a causar perplexidades e incredulidades.
Se a todos estes factos – e a tantos outros que poderíamos mencionar – somarmos os elevadíssimos valores da abstenção, dos votos brancos e nulos que foram contados por todo o continente, impõe-se tentar perceber o que vai a União Europeia fazer deles e com eles e que ilações e consequências a própria União e as suas instituições dos mesmos irão retirar. Quando se apregoa que não há uma ligação estreita entre a UE e os cidadãos europeus, convocam-se os cidadãos às urnas e verifica-se que o voto foi diminuto, disperso e de protesto. Sabe-se que esse voto de protesto coincide em muitas críticas feitas ao projecto europeu mas, pela sua própria natureza, é insusceptível de construir ou viabilizar um projecto comum, uma alternativa credível. E, felizmente, ainda é, também, incapaz de construir minorias de bloqueio que impeçam o normal funcionamento dessas mesmas instituições europeias. Mas o sinal está dado – e se a União e as suas instituições não perceberem o sentido das urnas e não escutarem o que disseram os europeus (os que votaram e falaram e os outros também) nada nos garante que, num futuro próximo o panorama continue a ser o mesmo. Hoje por hoje, ainda são as tradicionais forças políticas europeias – democratas-cristãos, socialistas e liberais – que têm meios, deputados e instrumentos para governarem a União. Amanhã poderá já não ser assim. E se é verdade que aquela União Europeia que nos ensinaram e que ensinámos – sucessora das velhas Comunidades Europeias nascidas para reconstruirem a Europa dos escombros da segunda guerra mundial – já acabou e já não existe, no dia em que a instabilidade e o fator de ingovernabilidade atingirem as suas instituições, provavelmente nem “esta” UE resistirá e sobreviverá. Por ora, ainda pode conter danos e limitar os estragos. Se não tiver nem arte nem engenho para o fazer, pouco ou nada se salvará, pouco ou nada se aproveitará.
by João Pedro Simões Dias | Jan 6, 2014 | Diário de Aveiro
Terminado o ano de 2013, aqui se deixa a respectiva revista europeia (de A a Z) para efeitos de memória futura e com tudo o que de subjetivo e aleatório pode envolver uma escolha e um exercício desta natureza:
Alemanha – O gigante económico da Europa da União fortaleceu, a cada dia que passou, o seu poder político. Voluntária ou involuntariamente, é a um verdadeiro processo de germanização da Europa que assistimos, mais do que a um processo de europeização da Alemanha – enquanto os seus Estados parceiros oscilam entre o medo do fortalecimento desse poder e o receio de perderem o apoio que a Alemanha lhes pode dispensar. Contradição que 2013 não contribuiu em nada para resolver. Bem pelo contrário.
Barroso (José Manuel Durão) – Depois de um início de segundo mandato à frente da Comissão Europeia em que foi completamente ultrapassado pela lógica intergovernamental imposta pela Alemanha à União Europeia, recuperou algum protagonismo directamente proporcional à aproximação do fim do seu mandato. Se o sonho comanda a vida, o sonho de um inédito terceiro mandato pareceu comandar a sua actuação. Pode ter despertado tarde da sua letargia.
Chipre – Chipre constituiu o exemplo mais traumático de resgates efectuados pela troika, neste caso devido a grave crise do sector financeiro e bancário da ilha. Não pelo valor do empréstimo concedido mas pelas condicionantes impostas pelos credores, que obrigaram depositantes nos bancos a suportarem parte dos custos da respectiva recapitalização. Pela primeira vez na história da UE ultrapassou-se uma linha vermelha e abriu-se um precedente perigoso – os depósitos bancários passaram a poder ser confiscados para contribuir para pagar erros de gestão bancária. O Parlamento de Nicósia ainda ensaiou opor-se à medida, mas a força da realidade acabou por se impor.
Dijsselbloem (Jeroen) – O socialista holandês que sucedeu a Junker na presidência do Eurogrupo e que, não raro, se tem mostrado mais ortodoxo que os ortodoxos alemães em decisões concretas que têm sido tomadas – de que, talvez, o mecanismo de gestão de falências bancárias seja o exemplo mais acabado.
Eslovénia – A Eslovénia posiciona-se como um dos mais sérios candidatos a receber novo auxílio financeiro das instituições europeias quando, na sequência dos resultados dos testes de ‘stress’ supervisionados pela UE, se constata que as necessidades de recapitalização da banca do país ascende a 4,8MM€, até junho de 2014.
Federalismo – Por oposição ao trilho intergovernamental constitucionalizado com o Tratado de Lisboa, é cada vez mais o caminho alternativo que parece poder tirar a União da letargia para onde foi encaminhada. Durante muito tempo constituiu a palavra maldita e o conceito tabu do projecto europeu. Tão só porque ousaram equipará-lo a outros modelos federais existentes. Também aqui a UE deverá inovar – e optando por uma via federal será seguramente uma via original e não duplicada de qualquer outra existente. Terá como componente o necessário reforço das instituições comuns, a respectiva relegitimação democrática, a recusa do modelo do diretório, a afirmação da via supranacional e o respeito pelo princípio da subsidiariedade. Em 2013 prefigurou-se, sem complexos, como um dos (poucos) caminhos possíveis a seguir para se ultrapassar a crise que vivemos.
Grécia – Continuou a ser o país-problema da União Europeia. Com dois resgates e a caminho dum terceiro, cortes de dívida a credores particulares e enorme agitação social cabe-lhe entrar em 2014 a presidir ao Conselho da União – com a responsabilidade de demonstrar que um Estado pode estar em estado de emergência financeira sem que isso signifique que abdica das suas funções políticas no quadro da União.
Hollande (François) – Iniciou o seu mandato como a grande esperança da esquerda europeia contra o austeritarismo ortodoxo germânico e em nome das políticas de crescimento económico, como caminho que a própria Europa devia seguir; encerra 2013 com a França sujeita à mais elevada carga de austeridade fiscal da V República e os índices de popularidade mais baixos de qualquer chefe de Estado francês desde que há registos e medições dos mesmos. Pior saldo do ano – potencía o crescimento eleitoral da Frente Nacional de Marine Le Pen a patamares nunca antes vistos nem alcançados pela extrema-direita gaulesa.
Irlanda – Termina 2013 anunciando que, finalizado o seu resgate, quer ver-se livre da troika e das instituições europeias com uma “saída limpa”, sem depender dos humores dos burocratas de Bruxelas, sem segundo resgate ou, sequer, sem essa incógnita chamada programa cautelar. Decerto – os juros a dez anos na ordem dos 3%, uma almofada financeira de cerca de 25MM€ e as necessidades de financiamento garantidas até meados de 2015 ajudaram a tomar uma atitude que objectivamente espantou quase tudo e quase todos.
Junker (Jean-Claude) – O democrata-cristão decano dos líderes europeus, talvez o mais europeísta de todos eles, resto sobrante da geração de Kohl e Mitterrand, deixou de ser Presidente do Eurogrupo e Primeiro Ministro do Luxemburgo (apesar de aqui ter ganho as eleições legislativas, ainda que só com maioria relativa). Paradoxalmente, pode ser a oportunidade para um 2014 mais risonho, com a Presidência da Comissão Europeia ou a Presidência do Conselho Europeu.
Kenny (Enda) – O Taioseach (Primeiro-Ministro) irlandês viu-se catapultado para as luzes da ribalta europeia quando o plano de ajustamento que negociou e conseguiu impor à troika terminou com uma “saída limpa”, sem necessidade de qualquer programa cautelar. Com discrição mas firmeza, sem subserviências nem seguidismos provincianos, liderou um país sob resgate com prudência e bom-senso. Os resultados viram-se. Declarou prescindir de novos apoios internacionais e granjeou reputação e credibilidade suficiente para ser encarado como uma das mais fortes possibilidades para vir a suceder a Durão Barroso à frente da Comissão Europeia. Resta saber se o desejará.
Letta (Enrico) – O democrata-cristão, membro do Partido Democrático de centro-esquerda, salta para a primeira linha da política europeia ao conseguir formar governo em Itália, baseado numa coligação instável com o Povo da Liberdade de Silvio Berlusconi. Teve o difícil encargo de suceder a Mario Monti, o eurocrata que liderou o governo de Roma entre Novembro de 2011 e Abril de 2013 restituindo-lhe a credibilidade perdida sob a liderança de Berlusconi. Apostou inequivocamente na via europeia para rumo dos primeiros meses da sua governação.
Merkel (Angela) – A chanceler alemã, que traiu Helmut Kohl e desonrou o seu legado europeísta, foi uma das grandes vencedoras de 2013. A sua política ortodoxa e austeritária face ao sul da Europa em provação e de germanização da UE foi amplamente sufragada pelos seus concidadãos em eleições internas. Cada vez mais governa mais a Europa sendo escolhida apenas pelos alemães. Nem a mudança de parceiro político lhe alterou os hábitos ou fez mudar o rumo. Nos sociais-democratas do SPD encontrou aliados para a sustentação de uma política europeia que ainda acredita que podem existir ilhas de prosperidade em mares de desesperança. Quando a desesperança der à costa da ilha germânica, o rumo será alterado. Até lá, vai mandando. Bruxelas e as demais capitais europeias vão obedecendo.
NATO – Ainda não foi em 2013 que a organização de defesa militar do ocidente logrou alcançar um nível de articulação satisfatório com a União Europeia em matérias de segurança e defesa. É um daqueles casos em que a responsabilidade não pode ser assacada à organização transatlântica. Se o pilar europeu da aliança não se mostra suficientemente sensibilizado para o tema nem se consegue articular e coordenar satisfatoriamente entre si, dificilmente a União que formam se pode entender com a organização de defesa que, paradoxalmente, quase todos integram.
Orban (Viktor) – A Hungria, liderada pelo Primeiro-Ministro Viktor Órban, conseguiu saldar a dívida de 20MM€ que tinha para com o Fundo Monetário Internacional desde 2008, sete meses antes do prazo previsto. Com uma liderança frequentemente criticada pelas suas opções conservadoras, o Governo de Órban considerou que a Hungria vai conseguir financiar-se nos mercados financeiros internacionais depois do que chamou “uma luta pela liberdade de atuação do país”.
Portugal – Exemplo acabado e consumado das políticas erráticas concebidas e impostas pela troika, inicialmente acolhidas com entusiasmo por parte do governo, entusiasmo que se foi perdendo à medida que o tempo foi passando. Quem se der ao trabalho de comparar os números previstos para final de 2013 no memorando de entendimento original e aqueles que, de facto, se atingiram (em termos de défice, dívida pública e desemprego, por exemplo) tem a noção clara da errância das referidas políticas austeritárias.
Quadro financeiro 2014-2020 – O Conselho e o Parlamento Europeu puseram-se de acordo relativamente ao quadro financeiro plurianual da UE. Denotou ambição pouca e ousadia nenhuma. Com orçamentos que continuam a ser inferiores a 1% do PIB comunitário não é possível ousar sonhar qualquer aprofundamento das políticas comuns. Enquanto a UE não se dotar de meios financeiros suficientemente capazes, as suas capacidades de intervenção estão limitadas e definitivamente cerceadas.
Rompuy (Herman Van) – O Presidente permanente do Conselho Europeu pareceu ganhar algum protagonismo à medida que a crise por que passou a UE em 2013 foi abrandando e foram surgindo ligeiros sinais de retoma económica. Pese embora esse facto, continuou por se perceber a utilidade do cargo e da função. E se o hábito não faz o monge, neste caso o monge não fez nem justificou uma função que veio, inequivocamente, introduzir um elemento de confusão na estabilidade institucional da União Europeia. Terminará o seu segundo mandato em 2014.
Secessionismos e Separatismos – Constituem o pior legado que 2013 deixa a 2014: a marcação de referendos independentistas e separatistas em 2014 para a Escócia e para a Catalunha podem obrigar a União Europeia a defrontar-se com um problema novo em mais de 60 anos de projecto europeu – o da integridade territorial dos seus Estados-membros, que é como quem diz, da sua própria integridade territorial. Mais grave que isso, os referendos prometidos, a realizarem-se, podem constituir precedente sério para outras aspirações independentistas que se encontram apenas adormecidas.
Troika – Os coordenadores dos principais grupos políticos na Comissão Económica e de Assuntos Monetários do Parlamento Europeu e, posteriormente, a própria eurocâmara, decidem lançar um processo de inquérito à actuação da troika nos planos de resgate lançados nos últimos três anos. A investigação pretende apurar, ainda, a “legitimação democrática das decisões tomadas” pela troika nesses processos.
Ucrânia – Não pertencendo à União, foi o palco onde se travou a última disputa entre a UE e a Rússia sobre as respectivas esferas de influência. Contra a vontade de milhares que se manifestaram nas ruas, o governo de Kiev deu sinais de tombar para o lado de Moscovo, recusando associar-se à parceria com Bruxelas. Território de fronteira e zona de influência ambicionada tanto pela Rússia como pela União Europeia, protagonizou o reavivar dos tempos da guerra-fria, onde a influência em cada palmo de terreno geoestratégico era disputada ao milímetro. Estando fora da União, por paradoxal que pareça, a Ucrânia pode vir a determinar muito do sucesso ou insucesso da sempre anunciada e nunca concretizada política externa e de segurança comum.
Vilnius – Foi na capital da Lituânia que ocorreu um dos maiores desaires da UE em matéria de política exterior comum no ano de 2013. A Cimeira da Parceria Oriental da UE com a Ucrânia, a Geórgia, a Moldávia, a Bielorrússia, a Arménia e o Azerbaijão ficou marcada pelo desacordo entre a Ucrânia – pressionada por Moscovo para não assinar qualquer acordo com a União – e a UE. Ao não assinar o acordo que marcaria a aproximação ucraniana à UE os resultados da Cimeira restringiram-se à assinatura duma primeira versão de acordo com a Geórgia e a Moldávia e um acordo de facilitação de vistos com o Azerbaijão. Foi pouco.
Xavier (Bettel) – O Presidente da Câmara da Cidade do Luxemburgo tornou-se o improvável Primeiro-Ministro do Grã-Ducado, após a realização de eleições legislativas em que Jean-Claude Juncker, apesar de liderar o partido mais votado, não logra alcançar a maioria absoluta, deixando o poder nas mãos de uma coligação governamental formada pelo Partido Democrático, o Partido Operário Socialista e Os Verdes.
Yousafzai (Malala) – Jovem paquistanesa de 16 anos que, baleada na cabeça pelos talibãs quando regressava da escola, recebeu o “Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Consciência” perante o plenário da eurocâmara de Estrasburgo, apelando de forma vigorosa ao direito das crianças à educação.
Wharton (James) – Deputado conservador britânico, autor de um projeto de lei aprovado pela Câmara dos Comuns – numa sessão em que a oposição trabalhista apenas participou no debate e esteve ausente da votação – destinado à realização de um referendo sobre a permanência do Reino Unido na UE em 2017.
Zagreb – Foi nas ruas de Zagreb que os croatas assinalaram, em clima de festa, a 1 de Julho de 2013, a adesão do seu país à União que, assim, se tornou o 28º Estado-Membro da UE, numa altura em que esta atravessa a sua mais profunda crise desde a origem do projeto europeu.